Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    JAQUES LUCAS DE LEMOS CAVALCANTI (UFSCar)

Minicurrículo

    Mestre em Imagem e Som pelo Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som (PPGIS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na linha de pesquisa de História e Políticas do Audiovisual. Sua dissertação foi orientada pela Prof. Dra. Flávia Cesarino Costa e teve por objetivo investigar os documentários sobre o impeachment de Dilma Rousseff pelo viés de análise da teoria do melodrama. É graduado em Comunicação Social – Rádio e TV pela UFRJ.

Ficha do Trabalho

Título

    Coringa: Delírio a Dois: O Musical como Crítica à Sociedade do Espetáculo

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    O artigo analisa Coringa: Delírio a Dois (2024) sob a ótica da teoria da sociedade do espetáculo de Guy Debord, destacando como Todd Phillips subverte o gênero musical. Os números musicais, que se intensificam à medida que Arthur Fleck se consome pela persona do Coringa, funcionam como metáforas visuais de sua deterioração psíquica, refletindo a imposição social da performance e criticando a espetacularização da vida e do sofrimento na cultura do entretenimento contemporânea.

Resumo expandido

    O artigo examina Coringa: Delírio a Dois (2024) a partir da teoria da sociedade do espetáculo de Guy Debord, explorando como Todd Phillips subverte as convenções do gênero musical para criticar a espetacularização da vida de Arthur Fleck. Diferente dos musicais clássicos, onde a música e a dança frequentemente funcionam como instrumentos de escapismo e idealização, os números musicais em Coringa: Delírio a Dois atuam como metáforas visuais do estado de espírito do protagonista, refletindo sua deterioração psíquica e a crescente fusão entre realidade e performance.

    Ao longo do filme, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) se vê cada vez mais reduzido a uma imagem midiática, consumida e idolatrada pelo público, enquanto sua identidade real se dissolve sob o peso da persona pública do Coringa. A escolha do musical como estrutura narrativa permite a Todd Phillips explorar essa dualidade de maneira sensorial, enfatizando a desconexão entre o indivíduo e a imagem construída dele pela mídia e pela sociedade. Diferente dos musicais tradicionais, nos quais os números musicais costumam expressar momentos de libertação ou transformação positiva, aqui eles se tornam um espaço de alienação e colapso psíquico. As sequências de canto e dança não representam uma fuga da realidade, mas sim um aprofundamento na ilusão que sustenta a existência do protagonista.

    A relação entre Arthur Fleck e Harley Quinn (Lady Gaga) reforça essa crítica, funcionando como uma alegoria da idolatria moderna e da espetacularização do sofrimento. Harley não se apaixona pelo homem real, mas sim pela imagem do Coringa — um ícone midiático transformado em símbolo de resistência e transgressão. Esse aspecto é ilustrado visualmente em cenas como aquela em que ela pinta o rosto de Fleck com a maquiagem do Coringa antes de uma relação sexual, evidenciando seu fascínio não pelo indivíduo, mas pela persona pública. Da mesma forma, sua reação ao ver Arthur em um programa de TV demonstra sua obsessão pela imagem midiática dele, culminando na quebra da vitrine de uma loja e no roubo de um televisor, em um gesto carregado de simbolismo sobre a posse da imagem idealizada.

    Além da narrativa e da construção dos personagens, a própria linguagem cinematográfica de Todd Phillips reforça a crítica ao espetáculo. O diretor faz uso frequente da chamada “dupla moldura”, enquadrando Arthur através de dispositivos tecnológicos, como câmeras e televisores, para destacar sua transformação em um produto midiático e sua desconexão da própria humanidade. Essa estratégia metalinguística enfatiza a ideia de que a sociedade do espetáculo não apenas distorce a realidade, mas a substitui por imagens cuidadosamente construídas e consumidas como mercadorias.

    O filme não apenas dialoga com os conceitos de Debord, mas também com reflexões contemporâneas sobre a performance como mercadoria, conforme discutido por Paula Sibilia e Byung-Chul Han. Na sociedade atual, onde a existência se confunde com a necessidade de se tornar visível, Arthur Fleck se torna o exemplo máximo da dissolução da identidade em favor da imagem pública. Sua trajetória evidencia como a espetacularização do sofrimento pode transformar traumas individuais em produtos de consumo, ressignificando a dor como espetáculo e apagando as fronteiras entre autenticidade e encenação.

    Nesse sentido, Todd Phillips transforma Coringa: Delírio a Dois em um estudo sobre a performatividade compulsória da sociedade contemporânea. Através da desconstrução do musical e da crítica à espetacularização da existência, o filme não apenas expõe a fragilidade da identidade em um mundo saturado de imagens, mas também sugere que, enquanto houver público disposto a assistir, o “show deve continuar”.

Bibliografia

    DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.
    DYER, Richard. Entertainment and utopia. In: COHAN, Steven (Ed.). Hollywood Musicals: The Film Reader. London: Routledge, 2002. p. 19-30.
    FEUER, Jane. The Self-reflective Musical and the Myth of Entertainment. In: COHAN, Steven (Ed.). Hollywood Musicals: The Film Reader. London: Routledge, 2002. p. 31-40.
    FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
    HAN, Byung-Chul. Bom entretenimento: Uma desconstrução da história da paixão ocidental. Tradução de Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2019.
    LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
    SIBILIA, Paula. Autenticidade e performance: a construção de si como personagem visível. Revista Fronteiras – estudos midiáticos 17(3): 353-364 setembro/dezembro 2015.