Ficha do Proponente
Proponente
- Guilherme Henrique Pereira Mariano (UNICAMP)
Minicurrículo
- Doutorando em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas, mestre e graduado em Cinema pela Universidade Federal de Sergipe, onde foi bolsista PRODAP (janeiro/2017 – novembro/2017) e CNPq (janeiro/2018 – julho/2018); com especial interesse nas relações entre cinema e ontologia, cinema e paisagem e nos modos de expressão do cinema de fluxo. Também atuou, dentre as principais experiências de produção audiovisual, como diretor, produtor e roteirista do curta-metragem “O Gato” (2019).
Ficha do Trabalho
Título
- Perspectivismo cinematográfico: pontos de partida e primeiros passos.
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- Pretendemos apresentar os desenvolvimentos da tese sobre um pensamento perspectivista cinematográfico. Nela, abordamos a seguinte problemática: como as estéticas contemporâneas, responsáveis por instigar o debate da participação corpórea na experiência fílmica (Sobchack, 1992), podem, ao mesmo tempo, ser frequentemente associadas com aspectos que superam nossas capacidades perceptivas? Partimos da teoria perspectivista, de Viveiros de Castro (2018), e da obra Il buco (2021), de Frammartino.
Resumo expandido
- A presente comunicação se propõe a apresentar os problemas iniciais e os avanços relativos ao projeto de pesquisa atualmente em desenvolvimento no PPGMM da UNICAMP. Nele, refletimos acerca das estéticas contemporâneas e suas materialidades, a partir de novos paradigmas ontológicos. Essas estéticas, abordadas recorrentemente por uma vertente teórica que põe a corporalidade no plano central através de um realismo sensório, conforme Vieira Jr. (2020), parecem acessar um aspecto “gasoso” da imagem, devido às frequentes menções a qualidades intangíveis feitas pela crítica e teoria cinematográficas. Tal conjuntura nos coloca diante da seguinte problemática: como essas estéticas contemporâneas, responsáveis por instigar o aumento do debate acerca da fisicalidade do corpo, podem, ao mesmo tempo, ser frequentemente associadas com aspectos que superam nossas capacidades perceptivas?
Essa indagação sobre um possível acesso a algo além da fisicalidade do mundo também se mostrou como a intuição inicial da dissertação A metafísica da noite no cinema de fluxo (Mariano, 2023), em que as materialidades das paisagens noturnas do cinema de fluxo foram exploradas a partir da potência do “não-ser” (Bachelard, 2018) em conjunção com o pensamento filosófico de Bergson (1974). A essa base teórica, foi relacionada a concepção da experiência espectatorial como “uma tripla articulação entre os corpos filmados, o do espectador e o próprio corpo fílmico” (Vieira Jr., 2021, p. 36), fundamentada na ideia de uma visão corporificada e incorporada comum tanto ao espectador quanto ao próprio filme (Sobchack, 1992). No entanto, notou-se uma tendência adotada pelas recentes teorias do cinema do corpo que traz a percepção de uma certa lacuna a ser preenchida, a fim de alcançarmos um melhor entendimento sobre esses aspectos “supra”-físicos: apesar de passarem a ser devidamente considerados como parte fundamental da equação espectatorial, os afetos de origem puramente fílmica e imagética não são tão bem explorados quanto aqueles emanados e recebidos pelos nossos corpos espectatoriais, fazendo com que o triângulo de corpos (e de consciências), construído para basear a experiência fílmica, penda mais para o lado “antropomórfico do esquema” (Mariano, 2023, p. 81).
Porém, tal fato não se dá por uma falta de consideração específica da teoria cinematográfica, mas sim porque as dificuldades são claras: se estamos presos à nossa experiência, como poderíamos ter sequer um vocabulário para tal debate? De onde partir? O perspectivismo multinaturalista, do antropólogo brasileiro Viveiros de Castro (2018), construído a partir da etnologia dos povos ameríndios, surge como uma alternativa por expandir a possibilidade da condição humana a entes não-humanos. No entanto, atentemos: nossa intenção com tal teoria não é pensarmos se a câmera/filme é ou não uma instância corporal “humana” e quais aspectos de uma coisa, que não vemos em nossas condições naturais e sociais, ela é capaz de nos revelar. Mas sim refletir e se aproximar das multiplicidades postas em jogo na experiência cinematográfica, nos moldes em que o autor estabelece, por exemplo, uma multiplicidade humano|jaguar, onde “[n]ão há, enfim, um x que seja sangue para uma espécie e cerveja para outra; há, desde o início, um sangue|cerveja que é uma das singularidades ou afecções características d[ess]a multiplicidade” (Viveiros de Castro, 2018, p. 67). Trata-se, então, de abordarmos a experiência fílmica proporcionada pela obra que selecionamos como o fio condutor desse debate, o filme Il buco (2021), de Michelangelo Frammartino, sob a ótica de um encontro entre dois Reais (absolutos, não relativos), em que nossa realidade espectatorial se encontra constantemente em choque com a realidade percebida pela perspectiva fílmica, criando tensões entre os limites do que se é apresentado pela imagem cinematográfica, tornando, assim, a própria imagem em um limite presença|representação.
Bibliografia
- BACHELARD, G. A poética do devaneio. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2018.
BERGSON, H. Introdução à metafísica. In: Os pensadores: XXXVIII. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 17-46.
DELEUZE, G. Cinema 1 – A imagem-movimento. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a.
IL BUCO. Direção: Michelangelo Frammartino. Itália: Doppio Nodo Double Bind, 2021. Streaming (93 min), color.
MARIANO, G. H. P. A metafísica da noite no cinema de fluxo: a intuição do devir material nas paisagens durativas. 2023. 95 p. Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Cinema, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2023.
VIEIRA JR., E. Realismo sensório no cinema contemporâneo. 241 p. Vitória: EDUFES, 2020.
VIVEIROS DE CASTRO, E. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. 288 p. São Paulo: Ubu Editora, 2018.
SOBCHACK, V. The address of the eye: a phenomenology of film experience. New Jersey: Princeton University Press, 1992.