Ficha do Proponente
Proponente
- Edileuza Penha de Souza (UnB)
Minicurrículo
- Professora, realizadora e produtora executiva, é pós-doutora em Comunicação e doutora em Educação pela UnB. Atua como roteirista, diretora, pesquisadora e consultora. É autora de obras como Cinema, Negritude e Educação e idealizadora da Mostra Competitiva de Cinema Negro Adélia Sampaio. Com trajetória reconhecida, foi curadora e jurada em importantes festivais nacionais e internacionais, como o Festival Motriz; É Tudo Verdade e o Cine DEBURU.
Ficha do Trabalho
Título
- Cine DEBURU: cinema, território e pedagogia ancestral no Centro-Oeste
Seminário
- Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos
Resumo
- O Cine DEBURU, realizado em Planaltina, Distrito Federal (DF), propôs um cinema territorializado, voltado a escolas e comunidades de terreiro. A mostra articulou filmes, rodas e oficinas como práticas de escuta, memória e formação ancestral. Refletimos sobre cinema de Comunidade de Terreiro como gesto pedagógico e cosmológico, a partir de experiências que desestabilizam saberes hegemônicos e constroem mundos a partir das margens.
Resumo expandido
- Realizado entre os dias 21 e 23 de março de 2025, o Primeiro Cine DEBURU propôs uma ocupação sensível e política no território de Planaltina, Distrito Federal (DF), articulando cinema, formação e memória a partir de uma perspectiva comunitária e ancestral. Voltado prioritariamente para escolas públicas e comunidades de terreiro, o evento apostou na potência do cinema como ferramenta de educação, provocando encontros entre jovens, mestres de tradição e realizadores audiovisuais em torno de imagens que emergem das lutas e modos de vida das Comunidades Tradicionais de Terreiro.
A curadoria da mostra, composta majoritariamente por mulheres negras, operou como um gesto de escuta radical dos territórios e sujeitos implicados no evento. Selecionaram obras que interpelam o cinema como prática de liberdade (Cesar, 2022), como arte de resistência e ré encantamento do mundo (hooks, 2021). Nesse processo, o cinema deixa de ser um espelho passivo do real para se tornar rito, reza, dispositivo de produção de mundos, capaz de tensionar as hierarquias do saber e da representação.
Mais do que exibir filmes, o Cine DEBURU investiu em criar espaços de encontro — rodas de conversa, oficinas de audiovisual, caminhadas educativas com mestres griôs — nos quais os processos de recepção se confundiam com processos de criação, escuta e partilha. Trata-se de um gesto que se inscreve nas “cosmologias da imagem” (Duarte; Romero; Torres, 2021), em que o cinema opera como campo de negociação entre mundos e saberes distintos, entre corpos racializados e epistemologias historicamente silenciadas.
Inspirado nas pedagogias da presença, do corpo e da oralidade, o Cine DEBURU mobilizou o cinema como linguagem expandida, convocando as comunidades não apenas como público, mas como sujeito epistêmico e agente crítico. Os filmes foram lidos como extensões de práticas de cuidado, denúncia, ancestralidade e imaginação radical. Essa dimensão coletiva e cosmológica do cinema aproxima-se dos gestos de realizadores como Isael Maxakali, que afirma: “sem terra, não tem cinema” (Maxakali, 2024), indicando que a imagem é sempre inseparável da luta pelo território e pela memória coletiva.
Ao considerar o Cine DEBURU como experiência metodológica e estética, este trabalho propõe refletir sobre os gestos analíticos possíveis diante de mostras realizadas em territórios populares, marcados pela pluralidade epistêmica, pela disputa simbólica e pela vivência da exclusão. Como pensar o cinema em chave comunitária, sem submetê-lo a uma função ilustrativa ou instrumental? Que linguagem crítica é possível quando o cinema se faz reza, ponto de axé, chamado e partilha? Como desestabilizar os modelos tradicionais de análise fílmica, incorporando os modos de ver, ouvir e sentir que emergem das comunidades de terreiro e das quebradas?
Ao evocar Rancière (2021), podemos afirmar que o Cine DEBURU promoveu um deslocamento no regime do visível e do sensível, reconfigurando os modos de partilha da arte e da experiência. O que está em jogo aqui é a construção de um campo de pesquisa que leve a sério a insurgência epistêmica que brota dessas experiências. Como propõem Oliveira, Figueroa e Altivo (2021), pensar a comunicação e o cinema em chave intermundos exige metodologias críticas que sejam também atravessadas pelo afeto, pela corporeidade e pelo pertencimento.
Nesse sentido, o Cine DEBURU não foi apenas uma mostra de filmes. Constituiu-se como experiência viva de um cinema que brota das brechas, das comunidades de terreiro — lugares onde, apesar da precariedade, pulsa uma potência inventiva, crítica e profundamente transformadora. Ao ativar imagens como memória viva e gesto coletivo, o Cine DEBURU inscreve-se em um cinema que produz não apenas representações, mas realidades outras, a partir do entrelaçamento entre corpos, imagens e territórios insurgentes. Como demarcado pelo próprio festival: “Cinema é Ebó de Cura!”
Bibliografia
- CESAR, Amaranta. “Documentário como prática de liberdade: breve relato de uma experiência pedagógica no Recôncavo da Bahia”. In: WELLER, Fernando; RICARDO, Laércio; COSTA, Mannuela (orgs.). Pensar o documentário: Volume 2. São José dos Pinhais: Estronho, 2022, p. 95-106.
DUARTE, Daniel Ribeiro; ROMERO, Roberto; TORRES, Júnia (orgs.). Cosmologias da imagem: cinemas de realização indígena. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2021.
HOOKS, bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. Tradução de Kenia Maria de Almeida Pereira. São Paulo: Elefante, 2021.
MAXAKALI, Isael. Hãhãm ok nãg xinēm ok nãg: Sem terra não tem cinema. Belo Horizonte: NPGAU/PPGCOM/UFMG, 2024.
artecultura2024.
OLIVEIRA, Luciana de; FIGUEROA, Júlio Vitorino; ALTIVO, Bárbara Regina. “Pensar a comunicação intermundos: fóruns cosmopolíticos e diálogos interepistêmicos”. Galáxia: Revista Interdisciplinar de Comunicação e Cultura, n. 46, p. 1-17, 2021.