Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Angela Freire Prysthon (UFPE)

Minicurrículo

    Angela Prysthon é professora titular da UFPE. Fez estágio pós-doutoral na Universidade de Southampton e na Universidade Nacional de Córdoba. Tem doutorado pela Universidade de Nottingham. É autora dos livros “Cosmopolitismos periféricos” (2002), “Utopias da Frivolidade” (2014), “Retratos das margens” (2022) e “Recortes do mundo” (2023).

Ficha do Trabalho

Título

    A cidade e seus musgos: Cartografia Sensorial e a Poética da Observação em “Here” de Bas Devos

Resumo

    Este artigo analisa o filme “Here” (Bas Devos, 2023) a partir das relações entre musgos, cidade e interações humanas. O filme, situado em Bruxelas, opera uma cartografia sensorial da cidade através das plantas e das relações entre os personagens, tecendo uma poética do efêmero e do imperceptível. Inspirado em reflexões de Coccia, Berger e Ingold, o artigo investiga como “Here” propõe um cinema da atenta observação, onde os musgos emergem como metáfora das formas de habitar e experienciar.

Resumo expandido

    Esta proposta faz parte do meu projeto de pesquisa atual “Antes do fim do mundo, aquém e além da paisagem. Corpos, espaços e natureza no cinema e nas artes visuais”, no qual examino os vínculos entre espaços urbanos e naturais, corpos e paisagens no cinema contemporâneo. Dentro desse projeto, o vetor “Minúcias do mundo: o detalhe e as ‘micro-paisagens’ da natureza” busca pensar as imagens que focalizam detalhes da natureza, enfatizando o pequeno, o imperceptível, o residual.

    O filme “Here” (Bas Devos, 2023) se insere nesse debate ao explorar a presença dos musgos na cidade de Bruxelas e seu paralelismo com os modos de existir de seus habitantes. A trama segue Stefan, um trabalhador romeno prestes a deixar a cidade, e Shuxiu, uma botânica de origem asiática que pesquisa musgos, organismos que, apesar de pequenos e muitas vezes ignorados, revelam formas resilientes de vida e adaptação ao meio urbano. O encontro entre os personagens se dá no intervalo entre a partida e a permanência, articulando uma poética do efêmero. Ambos são estrangeiros em Bruxelas, o que reforça a sensação de deslocamento e pertencimento frágil explorada pelo filme.

    A partir das ideias de Emanuele Coccia em “A Vida das Plantas” (2018), observamos como os musgos funcionam como um contraponto ao ritmo acelerado da cidade. Sua presença sugere um outro tempo, mais lento e imersivo, que reconfigura a relação entre os corpos e o espaço urbano. Jean Luc-Nancy (2005) e Martin Lefebvre (2011) também nos auxiliam a compreender como Devos constrói um olhar atento ao mundo natural dentro da cidade, permitindo uma forma de observação que valoriza o marginal e o microscópico. Por sua vez, Tim Ingold (2000) propõe a ideia de uma antropologia dos sentidos, em que caminhar e perceber a cidade são atos de incorporação de saberes e sensibilidades.

    Embora “Here” seja uma ficção, com elementos de comédia romântica, sua abordagem visual e narrativa o aproxima do cinema experimental interessado na relação entre plantas e cidade. Assim como filmes botânicos do primeiro cinema, Devos constrói um universo onde a contemplação das microformas de vida se torna central, aproximando a experiência do espectador a uma observação quase tátil da paisagem urbana.

    A fotografia e a construção sonora de “Here” reforçam essa dimensão sensorial do filme. A luz natural, os silêncios e os sons ambientes criam uma atmosfera meditativa, permitindo que a materialidade da micro vegetação e a textura da cidade sejam percebidas em sua plenitude. Dessa forma, “Here” se insere em uma linhagem de cinema que se interessa por formas não humanas de vida e por modos alternativos de habitar o mundo, dialogando com cineastas como Michelangelo Frammartino, Narcisa Hirsch e Claudio Caldini, no campo do experimental, e, Paul Schrader, Kelly Reichardt, Claire Denis e Jane Campion, no cinema narrativo.

    A análise de “Here” evidencia como Bas Devos propõe uma cartografia sensível da cidade, onde musgos e personagens coexistem em um universo de transitoriedades. O filme sugere um olhar que ressignifica os espaços urbanos e suas margens, abrindo espaço para um cinema de observação e encontro.

Bibliografia

    BERGER, John. Landscapes: John Berger on Art. London: Verso, 2016.

    COCCIA, Emanuele. A vida das plantas. Uma metafísica da mistura. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.

    INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, 2000.

    LEFEBVRE, Martin. On Landscape in Narrative Cinema. Canadian Journal of Film Studies, v. 20, n. 1, p. 61-78, 2011.

    LOWDER, Rose. Bouquets 1-10. Paris: Light Cone Editions, 2008.

    MELO, Pedro Augusto Souza Bezerra de. Found Foliage. Impressões botânicas no cinema experimental. Recife: PPGCOM-UFPE, 2022. (Dissertação de Mestrado).

    MORTON, Timothy. Ecology without Nature: Rethinking Environmental Aesthetics. Cambridge: Harvard University Press, 2007.

    NANCY, Jean-Luc. The Ground of the Image. New York: Fordham University Press, 2005.