Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Welton Florentino Paranhos da Silva (ECA/USP)

Minicurrículo

    Tom Paranhos é ator e pesquisador paulistano. Doutorando e mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP com pesquisa sobre a presença de atores em plataformas online. Formado no curso de Introdução ao Método do Ator do CPT coordenado por Antunes Filho e pelo curso de Atuação da SP Escola de Teatro. Pós-graduado em Técnica Klauss Vianna pela PUC/SP e graduado em Letras pela FFLCH/USP. Em sua trajetória como ator em cinema e teatro privilegia trabalhos com viés de experimentação.

Ficha do Trabalho

Título

    Ator-ciborgue: o celular como dispositivo de criação

Resumo

    Esta comunicação aborda o celular como dispositivo de criação do ator. O jogo com filtros de imagem para a sugestão de personagens como as propostas de Vittor Fernando e Renato Shippee na plataforma TikTok são exemplos dessa articulação entre poéticas e tecnologias. Discute-se como os recursos dos celulares somados às ferramentas de edição da plataforma, geram novos caminhos poéticos e corporeidades na busca de uma comicidade queer. O ator se aproxima da imagem do ciborgue proposta por Haraway.

Resumo expandido

    Em seus estudos sobre dispositivos Giorgio Agamben utilizou o exemplo do celular ao afirmar que os aparelhos aprisionaram aqueles que o usam a todo instante, checando notificações de aplicativos etc. O celular se impõe como extensão da possibilidade de consciência do mundo, de raciocínio, de comunicação. O celular indica que com a consolidação do sistema capitalista, a todo momento estamos em contato com dispositivos que passam a produzir sujeitos na medida em que estes carregam consigo desejos que os dispositivos capturam, retirando-os do ser vivente, para, então, potencializar e constituir os sujeitos a partir das estratégias próprias do dispositivo.
    Mas como lidar com estes dispositivos? Como alterar a estratégia global dos smartphones de gerar dependência e dispersão? Talvez parar de usar o celular como estratégia individual não seja o suficiente para desacoplar esse dispositivo do dia a dia e fazê-lo parar de produzir sujeitos. Se ironicamente o celular é um fator de dispersão, ao utilizar o celular com finalidade artística, os atores podem propor formas poéticas e profanar o uso comum do aparelho. Graças ao recurso da câmera combinado as ferramentas de edição do TikTok os atores conseguem, a partir de filtros, criarem propostas lúdicas e apontamento de personagens e tipos. O jogo com os filtros se assemelha ao trabalho com as máscaras da Commedia dell’arte italiana na qual cada máscara sugere um tipo de personagem que entra em relação com as demais. Renato Shippee radicaliza esta possibilidade, pois sua mais famosa personagem Karen Kardasha tem como ponto de partida as características de um filtro de imagem e som. Mas estes filtros que se adaptam ao jogo dos atores não são neutros. São recursos tecnológicos que carregam discursos e pensamentos sobre o corpo e sobre a representação de certos estereótipos de masculino e feminino e que, portanto, carecem de ser problematizados pelos artistas no momento da criação e pelo espectador crítico ao consumir o conteúdo gerado.
    É possível constatar que a possibilidade de utilizar o celular como dispositivo de criação desencadeia uma série de deslocamentos acerca da natureza de ação do próprio ator. Por exemplo, graças ao recurso da câmera e à possibilidade da telepresença contida no celular, ele passou a ser uma espécie de extensão do corpo do ator, cuja imagem, por sua vez, pode ser comparável à de um ciborgue. Todos esses aparatos podem ser tratados como metáforas e extensão do corpo do ator. O braço/mouse; a tela/rosto, os filtros máscaras.
    Segundo a pesquisadora estadunidense Donna Haraway, “(…) um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura de ficção” (Haraway, 2009, p. 36). Em seu “Manifesto ciborgue”, Haraway propõe ciborgues como criaturas híbridas que combinam elementos biológicos e tecnológicos. Ela acredita que a tecnologia é uma extensão natural do humano e que, portanto, o ciborgue representaria um próximo estágio na evolução humana. Haraway contesta a ideia de que os seres humanos são essencialmente naturais e que a tecnologia é algo separado e antinatural. Ela argumenta que a tecnologia é uma extensão natural do ser humano e que não há uma distinção clara entre natural e artificial.
    Além disso, Haraway sustenta que a tecnologia possui potencial libertador para grupos marginalizados e temos, neste ponto, outra aproximação de seu pensamento com as manifestações aqui investigadas inscritas no contextos de arte queer. Ela indica que os ciborgues com seus corpos e mentes modificados pela tecnologia possuem a capacidade de desafiar normas culturais e sociais que limitam a liberdade individual e coletiva. Entretanto, Haraway reconhece os riscos e desafios enfrentados pelos ciborgues. Ela destaca a possibilidade de dominação e controle por aqueles que têm acesso a tecnologia mais avançada.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? O que é contemporâneo e outros ensaios. Chepecó: Argos, 2009.
    HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue. Ciência, tecnologia e feminism-socialista no final do século XX. In Antropologia do ciborgue – As vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
    LECOQ, Jacques. O corpo poético: Uma pedagogia da criação teatral. São Paulo: Editora SENAC São Paulo: Edições SESC SP, 2010.
    MARTIN, Francisca Mortara Barrera San. O TikTok para além dos vídeos de coreografias: uma análise de vídeos do TikTok à luz do conceito de cinema de atrações. 2024. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024. doi:10.11606/D.27.2024.tde-15072024-104143. Acesso em: 2024-10-22.