Ficha do Proponente
Proponente
- THIAGO MENDONCA (USP)
Minicurrículo
- Thiago B. Mendonça é mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela USP, onde estudou a obra de Andrea Tonacci. É diretor e roteirista de cinema com mais de 20 filmes realizados e centenas de premiações. É educador popular e coordenador da Rede Confluências de Educação Popular. Entre os seus filmes estão os longas “Curtas Jornadas Noite Adentro” (2021), “Um Filme de Cinema” (2023), “Jovens Infelizes ou um homem que grita não é um urso que dança” (2016).
Ficha do Trabalho
Título
- “Bang Bang” de Andrea Tonacci, um filme alegórico?
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- Esta comunicação busca questionar a caracterização de “Bang Bang” (1970), de Andrea Tonacci como um filme alegórico, como o fez a clássica obra de Ismail Xavier “Alegorias do subdesenvolvimento”, partindo da leitura que o ensaísta alemão Gunther Anders fez da obra de Franz Kafka como não alegórica e, de uma forma muito particular, realista.
Resumo expandido
- Uma questão importante para compreendermos Bang Bang (1970), de Andrea Tonacci. Seria este filme estruturado como alegoria, como tantos filmes de seu tempo? Esta é a posição, por exemplo, do crítico Ismail Xavier, o mais importante intérprete da obra de Andrea Tonacci e um dos grandes pensadores do cinema brasileiro. Gunther Anders, ao discutir o romance moderno na primeira metade do século passado, afirma: “Com exceções, o romance atual não é moderno. No melhor dos casos, descreve o que vê. Em contraposição, Kafka – e depois Brecht – forjam situações deformantes, em que introduzem seus objetos de pesquisa – o homem contemporâneo, visando fixação”. Para Anders, essas situações deformantes seriam realistas, porque de fato desvelariam o real.
Ao apontar o deslocamento entre o homem comum e a linguagem pretensamente realista do cinema hegemônico, Tonacci deforma para construir um caminho. Assim, ao discutir os fundamentos da linguagem hegemônica e colocar em xeque o seu valor como norma, Tonacci pode ser considerado, ao contrário do que se costuma dizer, um realista. Realista porque “revela, através da sua técnica de estranhamento, o estranhamento encoberto da vida cotidiana (…) Seu ‘desfiguramento’ fixa” (ANDERS, 2007).
O comportamento não previsível do protagonista, uma espécie de homem comum jogado dentro do filme, acaba por sugerir o quão “louca” é esta estrutura narrativa, o quão distante é da vida real, em seu pretenso realismo calcado em sua previsibilidade e repetição de estruturas. É a crença no realismo das convenções estabelecidas pelo cinema hegemônico que torna factível a série de repetições comportamentais que se multiplicam filme a filme, criando estruturas que poderiam ser compreendidas como arquetípicas, tal a naturalização de seu uso. Pois bem, ao desloucar o protagonista diante dessas estruturas, colocando-as à prova, Bang Bang mostra o quão artificial é este pretenso realismo. O “realismo” do cinema hegemônico é derrubado pela presença de um personagem “real”, mostrando a incompatibilidade entre a “arte” dos enlatados e a vida.
Para estranhar a loucura de nossa perceção do mundo real como o mundo construído por Hollywood e pelo cinema hegemônico, povoa este cinema de estrutura “clássica” e banal com personagens “comuns”, cotidianos, reais, que não se encaixam em sua representação. A estrutura permanece a mesma do filme clássico, mas cada uma de suas sequências são (des)realizadas pela presença do banal, cotidiano. Essa quebra de reconhecimento cria um estranhamento entre público e obra. Gera desconforto porque as cenas se (des)realizam, não se concluem, se estendem mais do que o esperado, quebrando as convenções que foram tomadas por “naturais” pela banalização de seu uso. Torna visível o que para o público era a parte “invisível” da estrutura do filme. Neste sentido, o realismo dos personagens comuns revela a irrealidade do filme compreendido até então como “realista”. Mais uma vez lembramos a leitura de Anders sobre Kafka: “O espantoso, em Kafka, é que o espantoso não espanta ninguém”. Pois ao tratar o horror com naturalidade, como “algo despojado de espanto”, revela que o que é mais terrível tornou-se natural. Assim o é com o cinema, absorvido como parte da vida, sem crítica ou reflexão. A arte, que teria a potência de desvelar o real, de apresentar uma outra forma de ver, torna-se ela mesma através do cinema a própria “alma” do mundo que deveria denunciar. Torna-se um instrumento de reificação dos mais potentes, internalizando no espectador uma visão de mundo que parece natural e imutável. Bang Bang compreende esta premissa e por isso coloca o cinema como personagem buscando “enquadrar” o seu protagonista em seu “desloucamento”.
Bibliografia
- ANDERS, Gunther. Kafka, prós e contras. São Paulo, Cosac Naify, 2007.
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, Editora Papirus, 1993.
DEVIRES-CINEMA E HUMANIDADES. Tonacci. Belo Horizonte, UFMG, v.9 n.2.
2012
JAMESON, Fredric. As marcas do visível. Rio de Janeiro, Graal, 1995.
TODOROV, Tzedan. As estruturas narrativas. São Paulo, Editora Perspectiva, 2006.
TONACCI, Andrea. Andrea Tonacci (depoimento). São Paulo, CPDOC-FGV, 2013.
________ . Cineclube Cinema em revista (depoimento para o autor). São Paulo, 2014
237___________. Entrevista (Realizada por Daniel Caetano et. all). In: Andrea Tonacci: A
volta do Gigante Discreto. Contracampo Revista de Cinema. n. 79, 2005. Disponível
em: http://www.contracampo.com.br/79/artblablabla.htm. Acesso em: nov. 2024.
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo,
Cinema Marginal. São Paulo, Cosac Naify, 2012
_________. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo,
Paz e Terra, 2014