Ficha do Proponente
Proponente
- Reginaldo do Carmo Aguiar (USP)
Minicurrículo
- É psicólogo clínico comportamental pela UFU-MG, especialista em Análise do comportamento pelo ITCR-SP, especialista em Neurociência pela Santa Casa de Medicina de SP e mestre pelo programa Multimeios da Unicamp-SP e doutorando pelo programa de Meios e Processos audiovisuais da ECA-USP. É pesquisador sobre o cinema negro brasileiro e o cinema ensaio. Tem trabalhado no doutorado com os filmes ensaios produzidos pela pensadora preta Denise Ferreira da Silva.
Ficha do Trabalho
Título
- O espaço e a luz negra no cinema elemental de Denise Ferreira da Silva
Resumo
- Denise Ferreira da Silva e Arjuna Neuman em “4 waters” (2018) partem de elementos da natureza para filmar o homem e o não humano e sua relação com o espaço. 4 ilhas são filmadas por um olhar câmera quântico (luz negra) para demonstrar um pensamento elemental e fractal. Por meios das vozes e montagem ensaística é possível compreender os conceitos elaborados pela pensadora e que estão materializados na película para revelar injustiças sociais e ecológicas e potências das identidades precarizadas.
Resumo expandido
- O cinema elemental envolve o pensamento elemental que aborda a relação do humano com a dimensão sensual e íntima do domínio material e espacial. Este cinema ou pensamento apresenta uma diversidade de experiências com imagens em movimento, revela preocupações ecológicas, além de incluir o ponto de vista do não-humano, testando os limites do olhar da câmera e desafiando o posicionamento em relação ao mundo.
Este trabalho analisa o filme “4 waters deep implicancy” (2018), de Denise Ferreira da Silva e Arjuna Neuman, por meios de suas vozes e sua montagem ensaística. A pesquisa dos diretores atravessa quatro corpos de água – os oceanos Mediterrâneo, Atlântico, Pacífico e Índico – para conectar quatro ilhas díspares: Lesbos, Haiti, Marshall Islands e Tiwi. A água faz transições com e para outra matéria, incluindo a vida, mas também como combina geografias díspares, corpos de/em água e quatro ilhas. Cada ilha mantém histórias de tremenda violência, mas também fugas e potenciais distintos. Este filme imagina essas relações através do tecido conjuntivo da água e das fronteiras, onde a água sangra em outros elementos naturais e sociais, incluindo, mas não vinculados pelo humano. O filme perambula por campos filosóficos, historiográficos, geográficos, físicos, geofísicos, biomoleculares em suas complexidades. Indo em oposição as expectativas de claridade (luz branca) e conclusões definitivas em reconhecer valores ocidentais do norte global e propondo um olhar por meio de ondas de luzes negras.
As duas primeiras ilhas estão sobre a ordem do mundo ocidental do eu transparente (mecânica clássica). Em contrapartida, as duas últimas ilhas são uma resposta alternativa e potente (mecânica moderna, quântica). De um lado, o vale abrangeria os desastres naturais, a exploração de recursos naturais e a violência colonial que compõem uma estrutura de elementos que deslocam os papeis privilegiados dos valores éticos e a utilidade oficial atribuída ao valor e o conhecimento por meio de tempo linear, da acumulação capital, da mensuração e hierarquização. De outro lado, a crista entra como proposta, sugerindo a construção de um programa ético sem tempo, acumulação e medição.
Este filme trabalha com dialéticas, embaralhamentos e emaranhamentos: física clássica x física moderna; orgânico x inorgânico; histórico e não histórico; analógico x digital; animação; documentação x ficção x experimentação x ensaísmo. A obra ainda edita imagens de paisagens micro e macro, animação e documentação de arquivo por meio de referências que variam de mecânica quântica, blues, diversas filosofias, física clássica e teoria colonial. O filme é um experimento de um conjunto de fragmentos extraídos de um cosmos reimaginado. Esses fragmentos, sons e histórias ajudam a transmitir o momento experimental de emaranhamento, ou melhor, eles descrevem um momento emaranhado antes da separação, aqui chamado de “profunda implicancia”.
Uma das linhas lógicas traçadas é o movimento e a direção das águas, tanto à medida que faz a transição para outras fases e outras matérias, incluindo a vida e não-vida, mas também como combina geografias díspares, corpos de/em água e quatro ilhas historica e cosmicamente contenciosas.
O filme ocupa a longa emergência do colonialismo e do capitalismo e suas estrutras sistemáticas, questionando a maneira como eles afetam a ecologia (formas de extração), o território, a escravidão, a soberania e a migração. Ao fazer isso, a obra questiona como as estruturas de poder e categorizações de diferença geram brechas entre humanos e com o mais do que humano, a Terra e o Cosmos.
A teoria filosófica de Denise Ferreira da Silva toma forma no que se pode ser chamado de cinema elemental, uma meditação sobre a materialidade e peças quânticas baseadas em formas geométricas e matemáticas. Obra que diz respeito a uma visão imersiva e pré-cósmica do mundo, que explora experiências de emaranhamento e maneiras de “pensar no planeta” com base em relacionamentos fundamentais.
Bibliografia
- ALMEIDA, R.; CAIXETA, A. P. de A. A voz que pensa: vertentes vococêntricas do filme-ensaio. Comunicação & Inovação, v. 20, n. 43, p. 125-137, mai./ago. 2019.
BAKER, J. 50 ideais da física quântica que você precisa saber. São Paulo: Planeta, 2021.
LEYDA. J. Films beget films. Nova York: Hill and Wang, 1964.
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SILVA, D. F. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.
SILVA, D. F. Curso “Luz Negra”, com a professora Denise Ferreira Da Silva aula 1: aula 1. Aula 1. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-47X_7XJnOU&t=9410s. Acesso em: 10 ago. 2022.
SOBRINHO, G. A.; MELLO, C. O filme ensaio e a voz política na Grã-Bretanha. In: TEIXEIRA, F. E. O ensaio no cinema – Formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. São Paulo: Hucitec, 2015.