Ficha do Proponente
Proponente
- Lucas Bastos Guimarães Baptista (Sem vínculo)
Minicurrículo
- Crítico de cinema e pesquisador. Mestre (2014) e Doutor (2019) em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP. Desde 2013 é editor da Foco – Revista de Cinema. Colaborador do blog Estado da Arte do jornal Estado de São Paulo e um dos curadores da mostra Lumière Cineasta (CCBB, 2020). Ministrou os cursos O cinema e a aspiração radical: Annette Michelson e as vanguardas (2020), A poética de Robert Bresson (2023) e Crítica e análise no cinema (2024).
Ficha do Trabalho
Título
- Notas sobre a Metahistória e a retórica do comparatismo
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- Partimos da noção de “Metahistória” sugerida por Hollis Frampton e Hayden White para colocar uma série de perguntas relativas à linguagem do comparatismo no cinema. Considerando que o trabalho de comparação envolve um discurso narrativo em prosa, até que ponto caracterizar seus tropos e suas estruturas narrativas é útil para refletir sobre o cinema comparado? Seriam as figuras e os formatos definidos por White úteis para generalizar o processo comparativo e coordenar diferentes abordagens?
Resumo expandido
- Em 1971, Hollis Frampton publicou um ensaio intitulado “Por uma metahistória do filme”. No centro do texto encontra-se uma distinção entre o historiador e o metahistoriador do cinema. Frampton define o historiador como aquele que leva em consideração “todos os filmes já realizados”, independente de seu tipo, formato ou propósito; o metahistoriador, por sua vez, teria como objetivo “inventar uma tradição, isto é, um conjunto manejável e coerente de monumentos”. O projeto metahistórico, para Frampton, envolve o destaque de certas obras do campo histórico, bem como a criação de novas obras para garantir a “coerência” desse campo – não uma coerência estabelecida previamente, mas uma que é própria daquele gesto seletivo.
Em 1973, Hayden White deu o título de Metahistória ao livro que sintetizou o seu programa intelectual. White parte do princípio de que o trabalho histórico é “uma estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em prosa”. Diante de um campo de eventos (a “história propriamente dita”), uma seleção é realizada por cada autor, tendo em vista não apenas a comprovação documental, mas também a coerência dos próprios recursos linguísticos. A interpretação da obra de historiadores é feita, assim, com base nas estruturas narrativas e nos tropos aos quais recorrem: formatos como o romance, a comédia, a tragédia e a sátira; figuras como a metáfora, a metonímia, a sinédoque e a ironia.
Tanto White como Frampton tratam a história como um campo a ser iluminado por diferentes leituras. Mais do que a lógica desse campo visto em sua totalidade, ambos reforçam o caráter autônomo das leituras parciais, e o fato de que elas são, se não equivalentes, ao menos complementares. A “Metahistória”, para eles, sugere o estudo das condições de possibilidade do trabalho com seu respectivo campo. Poderia essa mesma abordagem ser utilizada em uma reflexão sobre o trabalho comparativo no cinema? Comparar filmes, cineastas, gêneros ou problemas teóricos é, em última instância, um trabalho seletivo no campo histórico, e que normalmente se apresenta como um argumento verbal. Em que medida a identificação das figuras de linguagem e dos modos de elaboração narrativa dos textos pode então servir para caracterizar a forma das comparações? Além da validade de comparações específicas, isso não permitiria investigar as relações entre diferentes tipos de comparação? Há toda uma bibliografia nos estudos de cinema com autores que falam em termos de retórica para lidar com a composição dos filmes; nesses casos, assim como no método de White, as figuras de linguagem servem para generalizar operações e processos de pensamento. Estender isso para os textos comparativos não seria uma maneira de coordenar abordagens distintas, colocando-as no mesmo quadro conceitual?
Um dos desafios seria caracterizar os direcionamentos gerais. Em que consiste, por exemplo, uma abordagem comparativa vazada no modo irônico? Seria um exemplo disso o livro de Dudley Andrew sobre As principais teorias do cinema? Andrew submete diferentes proposições teóricas às mesmas questões, pensando cada uma delas em outro contexto que não o seu original, enfatizando o quanto desse movimento revela as premissas ou limitações subjacentes. Visionary Film, o livro de P. Adams Sitney sobre o cinema experimental dos Estados Unidos, é marcado pelo elogio da inclinação metafórica dos filmes analisados; mas não há algo do pensamento metafórico na exposição mesma dessa linhagem por Sitney, que identifica os filmes uns com os outros, como etapas paralelas de um mesmo desvelamento? E quanto ao formato narrativo do livro de Sitney: seria ele representativo do romance, da comédia, da tragédia ou da sátira? Poderiam essas mesmas ideias serem aplicadas aos artigos de Mariana Souto sobre a “série histórica” e a “constelação fílmica”? Poderiam esses textos então serem colocados uns em relação aos outros, com uma mesma terminologia?
Bibliografia
- ANDREW, Dudley. As principais teorias do cinema. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
FRAMPTON, Hollis. “For a Metahistory of Film: Commonplace Notes and Hypotheses”. In: On the Camera Arts and Consecutive Matters: The Writings of Hollis Frampton, ed. Bruce Jenkins. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2009.
SITNEY, P. Adams. Visionary Film: The American Avant-Garde,1974-2000. Nova York: Oxford University Press, 2002.
SOUTO, Mariana. “A metodologia da série histórica: o operário e o trabalho no cinema documental brasileiro”. In: Cruzamento de rotas audiovisuais: Cinema, Televisão e Streaming, org. Mariana Mól Gonçalves e Reinaldo Maximiano Pereira. Belo Horizonte: PPGCOM/UFMG, 2022.
__________. “Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema”. Galáxia 45, setembro-dezembro de 2020.
WHITE, Hayden. Metahistória: A imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 1992.