Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Mayra Coelho Jucá dos Santos (FGV)

Minicurrículo

    Mayra Jucá é jornalista, escritora, pesquisadora e criadora audiovisual. Doutora (2024) e Mestre (2012) pelo Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais do FGV-CPDOC , é professora da pós graduação em Cinema Documentário da mesma instituição desde 2019. Foi bolsista da Capes Print durante 12 meses no Centre for Oral History and Digital Storytelling em Montreal, Canadá (2021-2022).

Ficha do Trabalho

Título

    O superoitismo experimental urbano nos anos 1970: objetos de memória da juventude no AI-5

Seminário

    Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens

Resumo

    Numa perspectiva que analisa filmes produzidos em Super-8 na década de 1970 como material de arquivo de interesse histórico e como objeto de memória individual e coletiva, o contexto da ditadura civil-militar, especificamente no período do AI-5, é retomado por meio de uma seleção de filmes que usam o espaço urbano – vigiado, cerceado, tenso – como cenário. As imagens revelam modos de vida, resistência e confronto de uma juventude que buscou se expressar ocupando as ruas com uma câmera na mão.

Resumo expandido

    O trabalho investiga as motivações e práticas sociais estabelecidas em torno da produção cinematográfica de uma geração que realizou filmes experimentais em formato Super-8, durante a década de 1970, no Brasil. A abordagem do cinema enquanto experiência, combinando análise fílmica e entrevistas de história oral, revela narrativas ocultas sobre a ditadura militar em seu período mais violento, sob o Ato Institucional número 5 (AI-5), e seu impacto sobre parte da juventude urbana. As relações entre os cineastas, a câmera e a cidade são analisadas com o mesmo interesse dedicado aos filmes produzidos. O superoitismo experimental urbano é apresentado como uma cena cultural que fez parte do contexto da contracultura e cujos filmes impactaram o cinema nacional dito canônico.

    A década de 1970 foi uma fase de farta produção de filmes experimentais, também classificados como alternativos, independentes, de invenção, vanguardistas, de arte, de autor e underground, entre outras propostas de rotulação. O Super-8, formato lançado pela Kodak em 1965, para uso doméstico ou familiar, logo se popularizou como equipamento ideal também para a produção de filmes por cineastas amadores ou iniciantes, artistas visuais e outros criadores interessados em experimentar a linguagem cinematográfica, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina e no mundo. As câmeras Super-8 foram adotadas para a produção de filmes experimentais que transitaram por categorias cuja diversidade de proposições é mais reconhecida que as especificidades. Nesta pesquisa, nos aproximamos da experiência de cineastas que iniciaram sua carreira com filmes em Super-8 e buscamos entender as relações entre a prática superoitista, a cidade onde ela se deu, os filmes resultantes e o contexto político da época.

    O “superoitismo” está longe de ser unanimidade entre críticos e historiadores do cinema como um movimento estético. O termo “superoitistas” é usado em referência à prática, para designar indivíduos e comunidades de jovens cineastas que criaram filmes neste formato. Entretanto, superoitistas certamente contribuíram para uma mudança na linguagem do cinema de seu tempo, seus filmes se tornaram referência no imaginário de cineastas das gerações posteriores além de habitarem memórias afetivas de muitos dos que tiveram contato com eles na segunda metade do século XX. Além de adotar meios experimentais de produção, os superoitistas abriram caminhos para novas experiências de fruição quando se mobilizaram em torno de um circuito exibidor alternativo limitado a residências, um restrito nicho de cineclubes e, no auge, festivais especializados em cinema amador, de curta-metragem ou específicos de Super-8.

    A simultaneidade entre o surto do Super-8 e o AI-5 no Brasil é fator relevante na construção do objeto desta pesquisa. A precariedade técnica e o modelo de produção artesanal do Super-8 eram limitadores, por um lado, mas por outro, libertadores. Alguns cineastas fizeram filmes considerados anárquicos ou, no jargão tanto de alguns críticos de cinema, quanto dos militares da ditadura, “subversivos”. O público do Super-8 era limitado aos espaços que pudessem ser ocupados pelo próprio realizador, que não raro era quem portava o filme, o projetor e a tela; ou era o responsável pela operação do equipamento de projeção; ou se apresentava como debatedor num diálogo após a exibição. Dessa forma, o cineasta fazia um corpo-a-corpo com o filme em seu percurso de fruição, criando um mapa de alcance territorial restrito a até onde seus recursos econômicos e conexões sociais o poderiam levar. Em suma, o filme do superoitista experimental “corria por fora” do mercado; passava ao largo, sem ser visto por uma audiência massiva; era marginal ao caminho pavimentado para os filmes convencionais, trilhando uma rota “independente” ou “alternativa”.

    O trabalho visa mostrar como a ocupação do espaço público com câmeras Super-8 gerou novos enquadramentos e formas de contato com a paisagem urbana.

Bibliografia

    ALMEIDA, Luciana Carla de. O experimental no super-8 brasileiro: um estudo sobre o corpo, a cidade e a metalinguagem— UFPE. Recife, 2012.
    AMORIM, Lara Santos; FALCONE, Fernando Trevas (orgs.). Cinema e memória: o super-8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980. João Pessoa. UFPE, 2013.
    ARAÚJO NETO, Torquato Pereira de. Torquatália. Organização Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
    COSTA, Maria de Oliveira Barra. Juventude e cinema nos anos 70: a Iª Mostra de Juiz de Fora do Cinema Super-8. Dissertação (Mestrado) — UFJF, 2017.
    MACHADO JR., Rubens Luis Ribeiro. Contribuições para uma história do cinema experimental brasileiro: momentos obscuros, desafio crítico. São Paulo: Cine Brasil Experimental, 2019a. [e outros do autor] MACHADO, Patrícia; MARTINS, Andrea França. Imagem-performada e imagem-atestação: o documentário brasileiro e a reemergência dos espectros da ditadura. Galáxia, São Paulo, n. 28, p. 70-82, dez. 2014.
    Entre outras obras.