Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael de Almeida (UEG)

Minicurrículo

    Doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Professor do curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER) da Universidade Estadual de Goiás – UEG.

Ficha do Trabalho

Título

    Outras histórias, outras imagens: fabulação, arquivo e reexistência

Seminário

    (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências

Resumo

    Este trabalho investiga como práticas audiovisuais contemporâneas reconfiguram arquivos históricos, explorando conceitos como fabulação crítica (Hartman) e afrofabulação (Nyong’o). A pesquisa aborda como a reescrita do passado, por meio de imagens simuladas e manipuladas, desafia a linearidade histórica e a noção de veracidade. Ao usar estratégias como montagem e inteligência artificial, o audiovisual propõe outras formas de memória, resistência e reexistência.

Resumo expandido

    Se o arquivo tradicional é marcado por lacunas, apagamentos e violências inerentes às estruturas coloniais e raciais, como sua apropriação, reconfiguração e reescrita podem reverter esses processos? Ao explorar estratégias documentais, ensaísticas e experimentais, examino como práticas audiovisuais contemporâneas reelaboram a memória e o testemunho, muitas vezes desafiando os limites entre ficção e realidade. Trabalhos que operam com montagem, colagem e reemprego de imagens — sejam elas encontradas, simuladas ou fabricadas — criam outras gramáticas visuais que problematizam o estatuto do arquivo e a construção de uma história linear.

    O uso do arquivo no contexto das imagens negras e afrodiaspóricas tem sido central, tanto como reafirmação da hegemonia quanto como resistência e reinscrição de outras histórias. Minha pesquisa investiga como a fabulação crítica — proposta por Saidiya Hartman — pode operar no cinema e no audiovisual por meio da reconfiguração de arquivos visuais, históricos ou gerados por inteligência artificial.

    Além disso, a criação de “falsos arquivos” por meio da inteligência artificial apresenta novas questões: como arquivos gerados a partir de redes neurais podem tensionar a noção de veracidade na produção imagética? Em que medida a promptografia — conceito de Juan Martín Prada — pode ser apropriada como gesto crítico? O diálogo entre arquivos históricos, imagens geradas e montagem experimental abre espaço para pensar novas estratégias de reexistência no audiovisual.

    A pesquisa investiga as interseções entre fabulação crítica (Hartman) e afrofabulação (Tavia Nyong’o), explorando como arquivos históricos, imagens simuladas e práticas experimentais podem criar outras formas de memória e existência. A fabulação crítica não busca preencher lacunas, mas ativá-las como espaços de invenção. Essa abordagem combina pesquisa histórica e arquivística com narrativa ficcional e teoria crítica, especulando sobre o passado sem resolver os silenciamentos impostos pelo colonialismo.

    A afrofabulação, conforme Nyong’o, rejeita a autenticidade como critério de representação e aposta no simulacro como força inventiva. Se o mundo social negro já é uma ficção imposta, a ficcionalização tática torna-se uma estratégia de reexistência, na qual imagens especulativas oferecem uma nova gramática visual para tensionar as relações entre arquivo, história e fabulação.

    Interessa-nos pensar como práticas audiovisuais contemporâneas dialogam com esses conceitos, apropriando-se de rastros visuais e sonoros para criar contra-imagens. O reemprego de arquivos, a manipulação digital e a inserção de imagens sintéticas não operam como simples reconstituição do passado, mas como gestos que desafiam a linearidade histórica e as fronteiras da representação. Ao destacar ausências, brechas e apagamentos como potências criativas, o cinema negro especulativo ressignifica o arquivo e sugere formas de existência que escapam à lógica da visibilidade imposta.

    Nêgo Bispo propõe a ideia de “contracolonização” como uma forma de contestação e reconfiguração das narrativas dominantes impostas pelo colonialismo, que envolve a construção ativa de um novo paradigma de existência, baseado nos saberes e práticas negro-africanas e indígenas. No campo audiovisual, a contracolonização se manifesta na apropriação crítica dos arquivos coloniais, transformando-os em espaços de invenção e resistência por meio da construção de futuros possíveis, nos quais as imagens e os relatos não apenas contestam, mas criam outras visões de mundo.

    Este trabalho propõe uma reflexão sobre as imagens que faltam e as que ainda podem ser imaginadas. Investigo como fabulação crítica, afrofabulação e promptografia articulam memória, especulação e dissidência, transformando o audiovisual em um espaço de reescrita e reexistência — operações que crioulizam e redefinem o estatuto da imagem-arquivo, produzindo outras formas de existência e memória no cinema e nas artes visuais.

Bibliografia

    BISPO, Antônio dos Santos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora/PISEAGRAMA, 2023.

    HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, v. 23, n. 3, p. 12–33, 2020.

    MARTÍN PRADA, J. Máquinas del futuro para imaginar el pasado. Ensayo y Crítica, 2024.

    NYONG’O, Tavia. Afro-Fabulations The Queer Drama of Black Life. New York: New York University Press, 2019.