Ficha do Proponente
Proponente
- Izabele Caroline Leite Medeiros (UFF)
Minicurrículo
- Izabele Caroline Leite Medeiros é bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense – UFF; atualmente mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, na linha de pesquisa Narrativas e Estéticas. Sua pesquisa observa o real e o imaginado dos cinemas amazônicos e como eles se atravessam e se fundem, especialmente nos filmes da cineasta paraense Jorane Castro.
Ficha do Trabalho
Título
- REALISMO ENCANTADO EM PARA TER ONDE IR
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- Em Para Ter Onde Ir (2016) a realizadora Jorane Castro explora a realidade amazônica atrelada a misticidades típicas da região. O filme apresenta três mulheres viajando de Belém rumo à Amazônia Atlântica. Neste trabalho, o termo “realismo encantado”, é utilizado para caracterizar a forma como a vivência amazônica carrega elementos do imaginário regional no seu cotidiano, entendendo duas passagens do filme como demonstrações destes cruzamentos entre o real e o imaginado.
Resumo expandido
- Para Ter Onde Ir é o primeiro longa-metragem da diretora paraense Jorane Castro, lançado em 2016. A narrativa do filme se encarrega de conduzir o espectador por um universo denso e imersivo, quase tátil ainda que nebuloso, uma espécie de Realismo Fantasmagórico (MELLO, 2015), que aqui chamamos de “encantado”, o qual se constrói com bases sólidas, advindas do cotidiano daquele lugar, daquelas matas e águas e que se mistura de forma inusitada com elementos fantásticos presentes na cultura da região. Esse realismo encantado se apresenta um punhado de vezes na narrativa; todavia, os elementos mais místicos dentro do filme são:
a) A ilha mágica: curiosamente, é neste lugar que a narrativa se encerra, que ganha substância e sentido conforme o imaginário das personagens. Há uma necessidade de se embebedar de um espaço que demarca o amadurecimento das personagens ao lidar com os conflitos por resolver e a frustração de nada conseguir. Cheio de encantos, o território amazônico evoca diversas crendices quanto a lugares fantásticos e a ilha representa a latência disto. Ali, Eva, Keithy e Melina se purificam e renascem para lidar com suas próprias vidas.
b) Armadilha para disco voador[3]: a partir da memória da realizadora Jorane Castro, constrói-se esse imaginário. Na narrativa, fica ambíguo se as personagens acreditam ou não naquilo, mas o fato de esse elemento repercutir e movimentar a trama já traz, por si só, um caráter encantado ao momento. Como existe uma forte crença na região da existência de discos voadores e seres extraterrestres, não podemos nos desfazer da hipótese de que aqui isto seja sim real. É mais um momento no qual a cultura é o que evoca a realidade própria daquela região e das pessoas que vivem ali.
Ao observarmos o filme de Jorane, notamos um realismo “direto” que o longa desenvolve ao decorrer da sua narrativa. Isso é demonstrado, por exemplo, na utilização de não-atores em alguns momentos. Um dos mais interessantes do filme é quando Keithy mostra imagens de sua filha para duas crianças do vilarejo. Ali, a atriz Keyla Gentil apresentava àquelas as imagens de sua própria filha, em uma cena recheada de espontaneidade, na qual as crianças “não atuam”. Outro exemplo é quando Eva decide dar carona à uma senhora com uma criança (também não-atores). Não há uma encenação comumente planejada, se faz, assim, uso de elementos tão reais que fica extremamente difícil dizer o que é ficcional ou não. E talvez este seja um dos mecanismos mais interessantes dessa forma de audiovisual: como e por que separar real do ficcional e natural do fantástico? A resposta a essa pergunta nos parece ser um novo questionamento: Mas por que separar?
Os novos cinemas ao redor do globo têm esse traço em comum: estão carregados de culturas territoriais e, enquanto explicitam a realidade através de uma produção próxima ao documental, também ressaltam a memória e a tradição daquele lugar, muitas vezes traduzida por elementos fantásticos, como os encantamentos da Amazônia. As obras, assim, apresentam sensações sobre aqueles lugares, despertam nossos sentidos e, de certa forma, acabam nos envolvendo afetivamente, pois ao sermos introduzidos às culturas territoriais exógenas, acabamos por rememorar nossas próprias vivências.
[2] Revista publicada para a exposição FLUXUS: APICHATPONG WEERASETHAKUL, com Curadoria: Francesca Azzi, publicada pela Oi Futuro.
[3] A instalação “armadilha para discos voadores” foi cedida para o filme pelos artistas Alexandre Sequeira e Rafael Oliveira.
Bibliografia
- OLIVEIRA JR., Luiz Carlos. A mise em scène no cinema, do clássico ao cinema de fluxo. Campinas, SP. Papirus, 2013;
PINTO, Ivonete (org). Cinemas Periféricos: estéticas e contextos não hegemônicos. Jundiaí, SP. Paco, 2021;
AZZI, Daniella; AZZI, Francesca (org.). Apichatpong Weerasethakul. São Paulo, SP. Iluminuras, 2014;
MELLO, Cecília (org.). Realismo Fantasmagórico. São Paulo: Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2015;
FARES, Josebel Akel. Representações Poéticas das Águas Amazônicas. Disponível em: Último acesso: 03/07/2024.