Ficha do Proponente
Proponente
- Bento Geammal Loureiro (UFPE)
Minicurrículo
- Bento Geammal é estudante do 5º período de Cinema e Audiovisual da UFPE, onde preside o Diretório Acadêmico do curso. É bolsista do CNPq, desenvolvendo pesquisa sobre espaços e paisagens no Cinema e nas Artes Visuais, orientado pela Prof.ª Dr.ª Ângela Prysthon. Em sua trajetória universitária também foi monitor das disciplinas de Produção Audiovisual e Economia da Cultura e faz parte dos Projetos de Extensão “Cinelab” e “XHY247”, coordenados pelos Profs. Drs. Laécio Ricardo e Ângela Prysthon.
Ficha do Trabalho
Título
- Os olhos por detrás de Deus: temporalidade e espaço em “Evangelho Segundo São Mateus” de Pasolini
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- A presente pesquisa tem como eixo-chave a análise da obra “Evangelho segundo São Mateus” (1964) de Pier Paolo Pasolini. Através do estudo dos espaços e dos gestos, dos planos e cenas, busca-se estender um diálogo entre o filme e os conceitos de paisagem, representação do real e temporalidade, aliado a outros elementos da filmografia do diretor e se ancorando aos discursos estéticos e teóricos marcantes de sua própria obra literária.
Resumo expandido
- Investigando a locação e a maneira como a câmera interage com o espaço e com os corpos no filme “Evangelho segundo São Mateus” (1964), de Pier Paolo Pasolini, busca-se nessa pesquisa compreender os aspectos de paisagem, representação do real e de temporalidade contidos na obra – como formas fílmicas representativas das reflexões teóricas e estéticas do diretor.
É trazido o conceito de “Temporalidade da paisagem”, cunhado por Tim Ingold, aliado ao filme analisado na pesquisa, compreendendo como, a partir de seus enquadramentos de paisagens, Pasolini buscava desenhar um retrato da Terra Santa, mimetizada ao Sul da Itália. Não só contando a História da vida de Jesus, mas exprimindo a humildade e o sofrimento do povo para além de um tempo escuso e datado, mas que se amplifica e conta a história também do tempo presente.
“Perceber a paisagem é, dessa maneira, realizar um ato de lembrança, e lembrar não é mais uma questão de resgatar uma imagem interna guardada na mente do que uma questão de se envolver perceptivamente com um ambiente que está repleto do passado.” (INGOLD, 2021)
Pasolini escrutina olhares e gestos, e tem por boa parte do tempo como elemento principal de sua misè en scene aqueles que ficam como observadores inclusos e participativos da forma fílmica. O cineasta apresenta um Jesus revolto, duro, através de um filme que carrega consigo a ideia de representação popular, do povo que rondava a figura do profeta.
Da Galileia ao deserto em que Jesus caminhou, o que muitas vezes toma a cena são os primeiríssimos planos, captando os olhares de anônimos que constituem a paisagem. Como um poeta do mundo antigo, o cineasta se ancora nas narrativas clássicas para falar do que aflige seu tempo. Por detrás das vestes bíblicas, o que importa é a paisagem cotidiana, arcaica e humilde.
A paisagem e o olhar são os grandes focos de interesse estético do filme. Se temos esses primeiríssimos planos, eles se dicotomizam com a existência de planos gerais orientando a vista da antiga Galileia. Pasolini gravou antes de Evangelho o documentário “Sopralluoghi in Palestina” (1965), onde, cercado por seus produtores e por representantes religiosos, vai até a Terra Santa para estudar a possibilidade de gravação de seu novo longa. Em sua pesquisa in loco ele entende, no entanto, que necessitava do arcaísmo e da humildade de uma terra que foi tomada pela modernidade do Estado de Israel.
Pasolini queria, de alguma forma, deixar a voz e o olhar daqueles que, invisíveis à história, a compuseram em trabalho e dimensão da terra. O cineasta ao fim cala-se, fazendo ecoar a voz de seus personagens, históricos ou anônimos. Essa ideia de apagar-se está na própria obra teórica do diretor, no que conceituou como discurso indireto livre:
“O autor apaga-se e cede a palavra à sua personagem.” (PASOLINI, 1982)
Ali quem se torna figura principal é o próprio povo, Jesus, o profeta João Batista, os apóstolos. Pasolini teve formação cristã, depois passa ao agnosticismo e adota o marxismo (PEREIRA, 2017). Não seria contraditório produzir uma obra espiritual? Ele mesmo responde, mas sobre sua viagem a Palestina, de que seria não espiritual, mas sim ideológica, estética. Conseguimos, assim, também perceber que não se trata uma representação pura e simplesmente da história bíblica, mas uma composição de espacialidade e temporalidade que buscava a brutalidade da realidade pelo popular. Como salienta Didi-Huberman sobre a obra de Pasolini:
“A brutalidade de sua linguagem só se compara ao refinamento de sua percepção diante de uma realidade infinitamente mais brutal.” (DIDI-HUBERMAN, 2011)
Diante dessas iniciações conceituais acerca do pensamento e obra de Pasolini e dos seus meios de análise, incidiremos sobre o Evangelho. Exploraremos seus aspectos formais e estéticos, sua câmera e a relação entre a paisagem, o rosto e o gestual, entre o sagrado e o profano e, dessa forma, compreender sua gramática, as particularidades e os princípios gerais que norteiam o filme.
Bibliografia
- Agamben, G. “Profanações”. São Paulo: Boitempo, 2007.
Deleuze, G. “A imagem-tempo”. São Paulo: Brasiliense, 2005.
Deleuze, G. “A imagem-movimento”. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Didi-Huberman, G. “A sobrevivência dos Vagalumes”. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.
Harper, G. e Rayner, J. “Chapter 1. Introduction – Cinema and Landscape” in: Harper, G. e Rayner, J. (orgs.) “Cinema and Landscape”. Bristol/Chicago: Intellect, 2010. pp. 13-28
Ingold, T. “A temporalidade da Paisagem” in: Bessa, A. (org.) “A unidade múltipla: ensaios sobre a paisagem.”. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 2021.
Lefebvre, M. “Introduction” in: Lefebvre, M. (org.) “Landscape and Film”. New York: Routledge, 2006. pp. XI-1
Pasolini, P. “Empirismo Hereje”. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.
Pereira, M. “Pasolini e as locações na Palestina, numa viagem pessoal” in: DOC On-line, n. 21, março de 2017, pp. 41-50. Disponível em: www.doc.ubi.pt.