Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Edson Pereira da Costa Júnior (Unicamp)

Minicurrículo

    Pesquisador de pós-doutorado e professor participante temporário no Instituto de Artes da Unicamp (FAPESP 21/02448-5). Foi pesquisador visitante na Duke University (2023-2024). Doutor em Meios e Processos Audiovisuais.

Ficha do Trabalho

Título

    Cultivar a ambiguidade: a fuga nos cinemas experimentais afro-diaspóricos

Seminário

    (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências

Resumo

    A partir de um repertório conceitual dedicado à arte da fuga em práticas artísticas e sociais afro-diaspóricas, a comunicação investiga possíveis variações de um ethos fugitivo em filmes experimentais negros realizados nas Américas e no Caribe na última década. Interessa inquirir as estratégias formais que despistam os modos de captura e determinação dos sujeitos em cena a partir de jogos semântico-sintáticos, numa emancipação amparada pelo cultivo da dúvida e dinamismo dos sentidos.

Resumo expandido

    Em meados do século XX, o poeta, ativista e professor Amiri Baraka (LeRoi Jones) descreveu a versão de John Coltrane para a música I Want to Talk About You, de Billy Eckstine, como uma performance capaz de suplantar a repetição, pois acrescentava um vibrato emocional na melodia, um ligeiro tremolo, “concedendo a cada nota o potencial de uma ‘nuance infinita’” (BARAKA, 1970. p. 66). Coltrane, em sua inclinação por uma plasticidade fervorosa, insuflava a melodia com um grau de improvisação, um constante desvio em reproduzir uma forma determinada ou, pelo menos, prevista.

    Ao referenciar a análise de Baraka, Nathaniel Mackey (1993) situa a música de Coltrane ao lado de um conjunto mais amplo de práticas linguísticas e artísticas afro-diaspóricas fundamentadas na promoção de uma alteridade da forma (othering). O pesquisador recupera o estudo da antropóloga e cineasta Zora Neale Hurston sobre o emprego de “substantivos verbais” nas culturas vernaculares negras estadunidenses, particularmente um uso da língua que primava pela ação, pelo dinamismo e pela cinética. Mackey igualmente discute a poesia do martinicano Aimé Cesaire, em sua “política do neologismo”, e a do barbadense Kamau Brathwaite, em sua “calibanização” do inglês normativo. Quer seja na música ou na linguagem verbal, os exemplos compartilham uma política orientada pelo dinamismo formal, delineando um “espírito fugitivo” (MACKEY, 1993, p. 55). No caso, a experimentação sobre os meios de expressão reage contra e reflete criticamente as equações que tentam, na vida social, essencializar e privar de agência as negritudes.

    Por outra perspectiva, Dénètem Touam Bona tem discutido na última década uma arte da fuga inspirada pela experiência histórica de emancipação provinda das estratégias de marrons, cimarrones e quilombolas das Américas e do Caribe. A ênfase recai sobre a sabedoria ardilosa de resistências discretas, práticas furtivas que, longe das grandes revoltas heroicas, permitem às negritudes operar uma subtração às formas de poder. Mais precisamente, “[f]ugir não é escapar diante da opressão, mas produzir, numa névoa de enganos e fabulações, sua própria desaparição” (BONA, 2021, p. 50), uma dissolução de si que antecede a criação de um refúgio.

    A alteridade da forma e a possibilidade de se tornar imperceptível face às máquinas de captura, numa retirada pela sombra ou facultada por sutis armadilhas, encontra correspondências numa heterogênea rede de epistemes negras, do cultivo exusíaco pela ambivalência e multiplicidade de sentidos em práticas artísticas (MARTINS, [1995] 2023) a uma filosofia especulativa orientada pela indeterminação (SILVA, 2022). Dialogando pontualmente com essa literatura teórica, esta comunicação busca divisar traços gerais da fuga para, então, investigar suas possíveis variações nos cinemas negros. Interessa inquirir as estratégias formais empregadas a fim de despistar os modos de captura e determinação dos sujeitos em cena, revestindo-os de um ethos fugitivo – pelo menos face a uma postura espectatorial que objetiva a transparência e a objetificação das experiências negras pelas ferramentas da racialidade.

    Sem desconsiderar que a fuga é diretamente encenada em um conjunto de dramas ficcionais que lidam diretamente com os temas da marronage ou do quilombismo, nosso foco são filmes experimentais afro-diaspóricos da última década. A partir de trechos de curtas e médias de diretoras/de das Américas e do Caribe, como Myriam Charles, Wally Fall, Grace Passô e Castiel Vitorino Brasil, discute-se um espírito fugitivo articulado a partir de jogos semântico-sintáticos associados principalmente ao ritmo, à montagem e às relações entre imagem e som. Defende-se que os filmes se alinham a certo programa das vanguardas negras, particularmente à reconfiguração dos materiais de expressão tendo em vista uma política de emancipação subsidiada sobre a alteridade da forma e a ramificação dos caminhos de interpretação.

Bibliografia

    BARAKA, Amiri. Black music. Nova York: William Morrow & Company: 1970.
    BONA, Dénètem Touam. Sagesse des Lianes. Paris: Post-éditions, 2021.
    FORD III, James Edward. Introduction. Black Camera, v. 7, n. 1, p. 110-114, 2015.
    FREITAS, Kênia. Conjurações audiovisuais nos filmes de Castiel Vitorino Brasileiro. Cinelimite, 2021.
    MACKEY, Nathaniel. Other: From Noun to Verb. Representations, n. 39, p. 51-70, 1992.
    MARTINS, Leda Maria. A cena em sombras. São Paulo: Perspectiva, 2023 [1995].
    PADMANABHAN, Lakshmi (org.). Forms of Errantry – Miryam Charles. Nova York, UnionDocs, 2024.
    SILVA, Denise Ferreira. Unpayable Debt. Londres: Sternberg Press, 2022.