Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Lucas Manuel Mazuquieri Reis (USP)

Minicurrículo

    Mestrando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA-USP (2024-atual). Bacharel em Comunicação Social – Midialogia pela UNICAMP (2017–2021). Desenvolve pesquisas nos campos de estética do cinema e cultura visual, com ênfase no estudo das relações entre memória, arquivo e processos de subjetivação. Atualmente investiga em seu mestrado as reapropriações críticas do retrato na obra de Agnès Varda.

Ficha do Trabalho

Título

    Duas versões do retrato: Agnès Varda entre cinema, fotografia e pintura

Eixo Temático

    ET 2 – INTERMIDIALIDADES, TECNOLOGIAS E MATERIALIDADES FÍLMICAS E EPISTÊMICAS DO AUDIOVISUAL

Resumo

    Este trabalho visa cotejar duas abordagens do retrato presentes na obra de Agnès Varda: o retrato dos anônimos e o retrato das celebridades. Tomando como objeto de análise dois filmes da cineasta — Daguerréotypes (1975) e Jane B. par Agnès V. (1988) — que recuperam traços de historicidade dessa forma artística e jogam com a passagem do retrato por diferentes materialidades midiáticas, visamos compreender como o estatuto dos sujeitos retratados afeta a mise-en-scène e a montagem de seu retrato.

Resumo expandido

    A recuperação crítica da retratística na obra de Varda produz uma reflexão sobre a própria história da representação do sujeito e as relações de poder que nela incidem, refletindo sobre os processos de inscrição e apagamento da memória, intimamente ligados a projetos de poder do seu tempo e a constituição subjetiva dos sujeitos de sua investigação, cujas alteridades se tensionam dialogicamente com a subjetividade da retratista na sua mise-en-scène, que se constitui como espaço de encontro e troca entre filmante e filmado. Neste processo, a produção vardiana de retratos atua como um trabalho de memória que questiona imagens que circulam na cultura visual moderna e contemporânea ao mesmo tempo em que utiliza a prática artística para arquivar experiências à margem da história.
    Em suas obras, Varda recupera e tensiona as configurações dessa forma artística encarnada em diferentes mídias, levando em consideração as dimensões históricas, sociais e estéticas intrínsecas ao retrato. Na medida em que cineasta transforma seus métodos de encenação e montagem para entrar em fase com a experiência subjetiva dos retratados é fundamental colocar uma questão sobre a retratística de Varda: Como os retratos de anônimos diferem dos retratos de celebridades na sua filmografia?
    Partindo de uma abordagem comparatista entre as artes do cinema, da fotografia e da pintura, este trabalho propõe cotejar essas duas abordagens do retrato vardiano — o retrato dos anônimos e o retrato das celebridades — tomando como objeto de estudo dois filmes da cineasta — Daguerréotypes (1975) e Jane B. par Agnès V. (1988) — que recuperam traços de historicidade dessa forma artística e jogam com a passagem do retrato através dessas materialidades midiáticas diversas. O principal objetivo é compreender como a mise-en-scène e a montagem dos filmes é afetada pelo estatuto dos sujeitos retratados.
    “Daguerréotypes” constrói um “álbum do bairro” pela montagem de retratos singulares dos seus moradores, acompanhando o cotidiano dos pequenos comerciantes da Rua Daguerre em meio a um processo de gentrificação que colocava em risco suas formas de trabalho. Se, historicamente, o retrato pictórico esteve ligado a um efeito de individualidade e à autoridade da nobreza e da alta burguesia, visamos argumentar que este filme recupera elementos do dispositivo fotográfico para trabalhar a retratística coletiva como forma de indicar trocas intersubjetivas entre os membros da comunidade retratada, para além de inscrever em um suporte de memória coletiva, o cinema, a experiência efêmera de vidas que, de outro modo, ficariam à margem do relato histórico. Seria, portanto, um filme marcado pelo impulso documental de registrar e preservar, de construir um arquivo, um repositório de memórias.
    “Jane B. par Agnès V.”, por sua vez, opera nas zonas fronteiriças entre a ficção e o documentário para explorar a intimidade e figura pública da atriz Jane Birkin, pensando o atravessamento de sua subjetividade pela codificação do campo do visível. No filme, Varda recupera imagens de arquivo, constroi tableaux vivants que recriam pinturas célebres e encena de pequenas esquetes ficcionais (cenas retiradas do repertório de um imaginário popular) para investigar como a constituição subjetiva de uma artista-celebridade é atravessada pela produção e circulação de imagens na mídia. Neste processo, a ideia tradicional do retrato como imagem-síntese, que revelaria a verdade do “indivíduo”, contrapõe-se a um retrato fragmentário produzido pela colagem sempre incompleta de imagens-memória em eterno devir, que refletem a constituição dilacerada do sujeito (que acaba por se cruzar com a subjetividade da própria cineasta no processo de produção do retrato). O procedimento, aqui, contrasta com aquele desenvolvido nos “retratos de grupo” de Varda. O filme se revela uma contestação da imagem construída em torno de uma vida célebre, configurando uma desconstrução do arquivo de imagens já constituído em torno dessa figura.

Bibliografia

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