Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Agnes Cardoso Gonçalves (UFSCar)

Minicurrículo

    Mestranda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos, pesquisa aproximações das teorias queer com o cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Eu Vi O Brilho da TV (Jane Schoenbrun, 2024), um filme disfórico

Eixo Temático

    ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL

Resumo

    A apresentação busca no cinema contemporâneo um espaço de discussão do momento político mundial descrito pelo filósofo queer Paul B. Preciado, descrito no seu livro Dysphoria mundi. Questiono em que medida existe um cinema disfórico para uma realidade disfórica que se instaura dentro do modo capitalista de organização social.

Resumo expandido

    Disforia é um termo frequentemente atrelado à pessoas trans a partir da categorização de “disforia de gênero”, “sofrimento que pode acompanhar a incongruência entre o gênero experimentado ou expresso e o gênero designado de uma pessoa” (APA, 2014, p.451) como um transtorno mental na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5). Em ambas definições, a disforia é tratada como uma experiência individual e dentro do universo da psicologia.
    No entanto, essas definições fechadas e medicalizantes da disforia veem sido questionadas, especialmente dentro do campo do pensamento queer. Ao ser considerado um disfórico como parte do processo para ser aceito como uma pessoa trans, o filósofo Paul B. Preciado passa a questionar esse conceito e propõe uma ressignificação que busca

    deslocar e ressignificar esta noção de disforia para compreender a situação do mundo contemporâneo em seu conjunto, a brecha epistemológica e política, a tensão entre as forças emancipadoras e as resistências conservadoras que caracterizam nosso presente. E se a ‘disforia de gênero’ não fosse um transtorno mental, mas uma inadequação política e estética de nossas formas de subjetivação política e de nossas formas de subjetivação em relação ao regime normativo da diferença sexual e de gênero. ( Preciado, 2024, p. 21 – 22)

    Ele afirma também que “A condição planetária-epistêmico política contemporânea é uma disforia generalizada” (2024, p.22), pois “a disforia não existe como doença individual.” (2024, p. 27). Dentro das brechas criadas dentro desse mundo contemporâneo disfórico surge também um movimento de libertação, uma “resistência de uma grande parte dos corpos vivos do planeta à subalternização dentro de um regime de conhecimento e poder petrosexorracial; a resistência do planeta vivo a ser reificado como mercadoria capitalista” (2024, p.22). Essa resistência é chamada de Dysphoria mundi. Em resumo:

    Com a noção de dysphoria mundi, não pretendo de modo algum fixar a disforia como um lugar naturalista, nem como condição psiquiátrica que descreve o presente. Muito pelo contrário: tento entender as condições descritas como disfóricas não como patologias psiquiátricas, mas como formas de vida que anunciam um novo regime de saber e uma nova ordem político-visual a partir das quais pensar a transição planetária. (2024, p. 22)

    Dessa forma procuro no cinema contemporâneo a disforia que envolve o mundo e as possibilidades de práticas de resistência inseridas dentro de um processo disfórico. Nesse sentido encontro o filme Eu Vi o Brilho da TV, o mais recente filme de diretore Jane Schoenbrun. No filme acompanhamos Owen, que a partir da assistência, e obsessão, de uma série televisiva começa a ver o mundo deixando de fazer sentido enquanto tenta ao máximo participar daquilo que lhe é esperado, e por consequência vive um eterno sofrimento. A disforia não é somente o tema central do filme, mas também a forma como este se constitui, a constante inadequação e sofrimento do protagonista ao confrontar esses espaços e situações que são ao mesmo tempo completamente alienígenas e profundamente familiares, gera uma grande dificuldade em se movimentar para mudar a sua realidade. Somos então colocados em um turbilhão disfórico, imagético e sonoro em que mesmo com a possibilidade de fuga, o controle exercido sobre os indivíduos é tão forte que o peso da mudança se torna assustador, no entanto, ainda deixa profundas fraturas tanto no sujeito como no sistema.
    Como afirma Preciado (2024, p. 543) “A disforia é má. É nossa miséria. É exigente. É dolorosa. Nos destrói. Nos transforma. Mas é também nossa verdade. Precisamos aprender a ouvi-la. É a nossa riqueza, a disforia. A intuição que nos permite saber o que é preciso mudar”. Esta disforia que existe no filme, uma complexa, dolorosa, mas ao mesmo tempo potente, e revolucionária.

Bibliografia

    American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
    PRECIADO, Paul B. Dysphoria mundi: O som do mundo desmoronando. Rio de Janeiro: Zahar, 2024.