Ficha do Proponente
Proponente
- Mateus Sanches Duarte (Duke)
Minicurrículo
- Mateus Sanches Duarte é doutorando em Romance Studies pela Duke University. É mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e bacharel em Ciências Sociais pela PUC-Rio. Desenvolveu pesquisas nas áreas de estudos urbanos, teoria da imagem e cinema brasileiro contemporâneo, interessando-se principalmente pela dimensão arqueológica da história das cidades, buscando compreender como suas existências são inseparáveis de suas imagens.
Ficha do Trabalho
Título
- Os limites da cidade-como-arquivo: rasuras ou subversões dos arquivos urbanos
Resumo
- Esta proposta de comunicação analisa o apagamento digital das Torres Gêmeas de Recife em Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, à luz do conceito de cidade-como-arquivo, de Vyjayanthi Rao. No filme, a remoção digital dos edifícios, símbolos da verticalização e especulação imobiliária, provoca uma reflexão sobre como a presença ou ausência desses marcos urbanos influencia a memória coletiva e a construção da identidade histórica da cidade.
Resumo expandido
- Esta proposta de comunicação analisa o apagamento digital das Torres Gêmeas de Recife na paisagem de Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, interpretando seu significado através do conceito de cidade-como-arquivo, proposto por Vyjayanthi Rao. No aclamado filme Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, um elemento narrativo adicional chamou bastante atenção após o lançamento: um par de arranha-céus foi digitalmente apagado da paisagem de Recife, gerando questões éticas e políticas. A cena em questão mostra Clara (Sônia Braga) e seu sobrinho Tomás (Pedro Queiroz) dirigindo do bairro de Boa Viagem até o centro da cidade de Recife. À medida que a câmera se afasta, ela muda o foco do carro para uma vista panorâmica da Bacia do Pina, onde, notavelmente, os edifícios Pier Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho, popularmente conhecidos como Torres Gêmeas do Recife, estão conspicuamente ausentes da paisagem recifense. Essa intervenção visual se relaciona ao fato de que as Torres Gêmeas se tornaram um símbolo do processo de verticalização da cidade, impulsionado pela especulação imobiliária, além do fracasso das autoridades públicas em mitigar a influência do capital imobiliário no desenvolvimento urbano de Recife.
A construção dessas duas torres não apenas descaracterizou um bairro histórico, mas também impediu que o bairro do Recife Antigo fosse reconhecido como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO, sendo o único dos cinco patrimônios barrocos do país que não possui o título. Desde sua construção, os edifícios geraram um intenso debate público sobre os rumos do planejamento urbano do Recife e em outras cidades do país, sendo um exemplo do que o poder público submisso a interesses privados poderia fazer com as cidades brasileiras. Consequentemente, o par de arranha-céus se tornou um verdadeiro engôdo para o Cinema Contemporâneo Pernambucano, sendo explorado em diversas produções como um horizonte indesejado para o Recife. Logo após a construção das Torres Gêmeas, surgiu o Projeto Novo Recife, que previa a construção de mais de 12 edifícios em uma área próxima, em um processo altamente questionável. Essa intervenção digital na paisagem recifense também aponta para o papel do cinema na construção e desconstrução da memória urbana. A ausência desses edifícios na cena de Aquarius coloca em evidência a necessidade de repensar o futuro das cidades brasileiras, especialmente no contexto da especulação imobiliária que, muitas vezes, destrói o patrimônio histórico e cultural em nome do progresso econômico. Com esta comunicação, pretendo analisar essa intervenção no contexto do cinema contemporâneo brasileiro, destacando como ela oferece uma crítica incisiva ao modelo de urbanização imposto por interesses privados, oferecendo assim uma crítica ao modelo de urbanização refém da especulação imobiliária. À luz do conceito de cidade-como-arquivo de Vyjanthi Rao, enquanto uma maneira de entender as cidades não apenas como espaços físicos ou lugares de vivência, mas como arquivos dinâmicos que preservam e refletem memórias, histórias e práticas sociais ao longo do tempo, nos levanta assim questões como: o que o apagamento digital dessas construções dialoga com a identidade da cidade? Que impactos essa intervenção tem sobre a memória coletiva e a relação entre o espaço urbano e seus habitantes? Quais as limitações teóricas e práticas do conceito de cidade-como-arquivo emergem à luz desse exemplo do cinema brasileiro?
A exclusão das Torres Gêmeas da paisagem recifense sugere, portanto, uma reflexão crítica sobre como certos elementos urbanos são apagados ou redefinidos no imaginário coletivo, especialmente quando associados a um desenvolvimento urbano predatório. Ao omitir esses arranha-céus da paisagem, o filme propõe uma releitura da cidade, questionando a memória histórica construída em torno da verticalização e da especulação imobiliária, e sugerindo alternativas para a preservação da identidade e do patrimônio urbano.
Bibliografia
- MACHADO, Patrícia. “A Retomada de Imagens de Arquivo: De Debord ao Cinema Brasileiro Contemporâneo.” ALCEU, v. 18, n. 36, 2018, p. 185–195. DOI: https://doi.org/10.46391/ALCEU.v19.ed36.2018.113.
LINO, Bárbara; NASCIMENTO, Cristiano. “De Esculpir e Materializar os Tempos: A Representação Cinematográfica da Paisagem Vertical da Cidade do Recife.” Revista de Estudios Brasileños, 2017.
RAO, Vyjayanthi. “City as Archive: Contemporary Urban Transformations and the Possibility of Politics.” In: INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR EDUCATING CITIES (Ed.). Education and Urban Life: 20 Years of Educating Cities. 2009, p. 179–186.
SOUZA VIEIRA CORREIO, M. D. “Documento Porque Ficção, Ficção Porque Documento: A Ressignificação de Imagens de Arquivo no Cinema Brasileiro Contemporâneo.” Logos, v. 20, n. 1, 2013. DOI: https://doi.org/10.12957/logos.2013.7698.
PRYSTHON, Ângela F. Paisagens em desaparição. Cinema em Pernambuco e a relação com o espaço. E-Compós, [S. l.], v. 20, n. 1, 2017. DOI: 10.30962/ec.13