Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Miguel Antunes Ramos (ECA / USP)

Minicurrículo

    Miguel Antunes Ramos fez graduação e mestrado na ECA / USP. Sob orientação de Ismail Xavier, sua dissertação, intitulada: “A Flecha e a Farda: Legibilidade, violência e sobrevivência em ‘Arara’”, foi defendida em 2021. Atualmente, é doutorando no mesmo programa (Meios e Processos Audiovisuais), sob orientação de Cecília Mello. É, também, cineasta documentarista, tendo dirigido os filmes E (2014), O Castelo (2015), Banco Imobiliário (2016), Filhos de Macunaima (2019) e A Flecha e a Farda (2020).

Ficha do Trabalho

Título

    O paradoxo da fotografia em sua relação com a cidade

Seminário

    Cinema e Espaço

Resumo

    Invenção inevitavelmente moderna, a fotografia surge no mesmo momento em que as cidades eram profundamente afetadas pela nascente revolução industrial. Paradoxo da fotografia: ela carrega a possibilidade, inédita até então, de fixar uma imagem na película, de reter, pela primeira vez, o índice de um objeto no nitrato de prata; mas é, também, filha e propulsora da modernidade, a mesma modernidade que se define pela produção de fugacidade, que desmancha no ar tudo o que um dia foi sólido.

Resumo expandido

    A fotografia é uma invenção inevitavelmente moderna, tendo sido desenvolvida no século XIX, no mesmo momento em que as cidades eram profundamente afetadas pela nascente revolução industrial, assistindo a mudanças demográficas e espaciais brutais.
    Modernidade e urbanidade estão indissociavelmente associadas. Como formulam Leo Charney e Vanessa Schwartz, “a vida moderna pareceria urbana por definição, contudo as transformações sociais e econômicas criadas pela modernidade remodelaram a imagem da cidade em plena erupção do capitalismo industrial na segunda metade do século XIX.” (CHARNEY; SCHWARTZ, 2004)

    Rosalind Krauss, em seu estudo sobre a fotografia, trata da recusa do escritor Honoré de Balzac à tecnologia. Balzac acreditava que os corpos eram feitos de espectros somados, e que portanto, a cada ‘operação daguerreana’, sofreria “a perda evidente de um espectro, ou seja, uma parte de sua essência constitutiva” (KRAUSS, 2014). A autora reflete sobre a imensa profusão dos retratos mortuários, muito em voga nesse início da fotografia, apontando para um desejo de reter aquilo que estava prestes a se perder. A recusa do escritor ou o desejo de registrar um ente querido antes de morrer tem em comum o espanto com a indexicalidade fotográfica.
    A percepção de que a força da fotografia está vinculada a seu caráter indéxico acompanha sua história. Walter Benjamin, em sua “Pequena História da Fotografia”, já escrevia que “(na fotografia) o espectador, contra sua vontade, é obrigado a buscar em tal imagem a pequena faísca de acaso, de aqui e agora, graças à qual o real, por assim dizer, queimou o caráter de imagem” (BENJAMIN, 1996). Alguns anos depois, André Bazin e Roland Barthes escreveriam textos seminais, que apontam na mesma direção e contribuem para a formulação do caráter indéxico da imagem fotográfica.

    Assim, há um paradoxo da fotografia, que gostaríamos de ressaltar. De ser simultaneamente a possibilidade, inédita até então, de fixar uma imagem na película, de reter, pela primeira vez, o índice de um objeto no nitrato de prata; e ser também filha e propulsora da modernidade, a mesma modernidade que se define pela produção de fugacidade, que desmancha no ar tudo o que um dia foi sólido.
    No que tange a sua relação com as cidades, a fotografia é simultânea a iniciativas de ao mesmo tempo transformar ou redesenhar as grandes (e nascentes) metrópoles globais, e contratar fotógrafos para que registrassem tanto as novas construções quanto aquilo que iria ser destruído. Em nenhum local isso se torna mais premente do que nos registros de Charles Marville da Reforma de Paris. Pois se a fotografia é a possibilidade inédita de fixar, pela primeira vez, a instabilidade do tempo no nitrato de prata, de registrar ruas e prédios e fixar sua imagem; ela é também patrocinada, organizada e produzida pelas mesmas instituições que promoviam as maiores mudanças urbanas de que se tinha notícia. Pois a contratação de fotógrafos profissionais como Marville para registrar a cidade de Paris é contemporânea à reforma urbana de Haussmann, aquela conhecida por fazer nascer a cidade moderna, e ao mesmo tempo destruir a cidade antiga. Assim, se a fotografia pode proporcionar uma estabilidade imagética a seus contemporâneos, ela advém em um momento, e um contexto, em que a estabilidade era cada vez mais rara – talvez por isso pudesse se transformar em uma imagem.
    Em décadas seguintes, ao longo do tempo e até hoje, inúmeras vezes a fotografia e o cinema se dedicariam a registrar espaços em via de desaparecimento. Seria mesmo possível formular que o gesto de registrar uma cidade em plena modificação é um dos gestos essenciais do cinema e da fotografia. Mas apenas aqui, no surgimento tanto da fotografia quanto da cidade moderna, é possível notar em primeiro plano a solidariedade e a cumplicidade entre a destruição e o registro. Fixação e fugacidade são, assim, produzidas simultaneamente.

Bibliografia

    BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.
    BAZIN, André. O que é o cinema? São Paulo: Ubu Editora, 2018.
    BENJAMIN, Walter. As Obras Escolhidas. Magia E Técnica, Arte E Política – Volume I. 5a edição ed. São Paulo: Brasiliense, 1996.
    CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa. O Cinema E a Invenção Da Vida Moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
    HARVEY, David. Paris, Capital da Modernidade. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
    HUYSSEN, Andreas. Políticas de Memória no Nosso Tempo. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014.
    KITTLER, Friedrich. Gramofone, filme, typewriter. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2022.
    KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Lisboa: Gustavo Gili, 2014.
    LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2022.
    POE, Edgar Allan. O Retrato Oval. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2021.
    TRACHTENBERG, ALAN (org). Ensaios sobre Fotografia – de Niépce a Krauss. Lisboa: Orfeu Negro, 2013.