Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Wilson Oliveira da Silva Filho (UNESA e PPGCINE/UFF)

Minicurrículo

    Doutor em memória Social (PPGMS/UNIRIO). Pós-doutorado realizado na UFRJ onde foi professor substituto e realizou o mestrado. Professor credenciado PPGCINE/UFF e da UNESA, onde desenvolve projeto sobre cinema e natureza no programa Pesquisa Produtividade. Pesquisador Visitante na Universidade de Yale (2024/2025) com Bolsa da Comissão Fulbright. Artista multimídia no DUO2x4.

Ficha do Trabalho

Título

    Natureza, montagem e Inteligência artificial em “Somos: A criação Ybirá-Ubuntu”

Seminário

    Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas

Resumo

    Análise exploratória do filme experimental “Somos: A criação Ybirá-Ubuntu”, de Ricardo Palmieri a partir de sua montagem que mescla imagens mapeadas em vídeo e segmentos realizados com inteligência artificial. Um filme sobre a natureza em si e uma outra natureza audiovisual. A partir de temas em media ecology e do conceito de imagem rítmica de Steven Shaviro, esse artigo pretende explorar e não somente explicar novas aberturas para a edição através do uso criativo de emergentes tecnologias.

Resumo expandido

    O filme experimental Somos: A Criação Ybirá-Ubuntu (2025), de Ricardo Palmieri, também conhecido como VJ Palm, combina projeções mapeadas e imagens geradas por inteligência artificial, criando uma atmosfera que funde o onírico à ancestralidade, o tecnológico ao xamanismo, e o cinema expandido (YOUNGBLOOD, 1970) ao cinema do Antropoceno (FAY, 2018). Ao utilizar projeções sobre as copas das árvores, o filme amplia de certa forma o pioneiro trabalho de Roberta Carvalho, Symbiosis — já analisado em uma edição anterior da Socine (OLIVEIRA FILHO, 2021) — e inicia com um convite tecnológico dirigido ao ancestral. Esse movimento nos leva a refletir, mais uma vez, sobre a urgência de uma compreensão ecológica das mídias (BRAGA, LEVINSON, STRATE, 2020), ou, como apontado em outros estudos, sobre uma ecologia midiática do cinema dessa vez a partir de questões relativas à montagem.
    O videomapeamento aplicado em vegetais e plantas lenhosas propõe questões sobre a montagem cinematográfica, especialmente quando consideramos o lema griffithiano do “vento nas árvores”. Não se trata apenas da união de planos, mas do estudo do quadro como um mapa ou uma desmontagem. A utilização dessas imagens na abertura, combinando várias projeções em sequência, parece despertar no espectador uma percepção mais profunda do conjunto do filme. Após os fragmentos mapeados, o filme apresenta uma narrativa ecológica criada com inteligência artificial. Os segmentos se dividem em quatro partes, e nossa proposta é analisá-los à luz da ideia de imagem rítmica de Steven Shaviro uma vez que “a experiência computacional é diferente (…) da experiência humana é que a mídia computacional é processual e generativa” (SHAVIRO, 2023, p.20). Tal argumento coaduna a algumas concepções e processo de montagem nas obras digitais. Das imagens mapeadas, surge sutilmente uma floresta em glitch, que, pouco a pouco, vai sendo iluminada pelo sol, criando uma fusão entre natureza e artifício. Os detalhes dos troncos das árvores nos conduzem a um passeio pela mata, em uma montagem que evoca um estado de encantamento. O solo, despertado pelo choro de um bebê, embala o ritmo proposto por Palm rumo a uma “encantaria tecnológica” (HERKENHOFF, 2021) típica dos ritos cinemáticos amazônicos.
    A presença de cantos indígenas converte as imagens da natureza no pajé que dá subtítulo à obra. No segmento seguinte, a voz em off introduz novos elementos da natureza: “Humanos constroem ruínas com o plástico”. Nesse contexto, surge um novo bloco de imagens que apresenta a natureza na figura de uma mulher indígena. Dos detalhes femininos ao solo avermelhado, chega-se ao clímax do penúltimo segmento. O último bloco é o dos créditos finais e aponta para curiosa reflexão sobre o cinema na era do Antropoceno (FAY, 2018). Vemos Palm atuando como VJ em imagens estáticas, o artista em meio ao filme lembra vagamente “Um homem com uma câmera”, de Dziga Vertov.
    O projeto de Palm segue a sugestão de Dubois, segundo a qual a expressão novas tecnologias no campo das imagens “remete a instrumentos técnicos provenientes da informática, que possibilitam a criação de objetos visuais” (2004, p. 31). No entanto, o filme vai além dessa definição, estabelecendo uma relação entre duas tecnologias: a de projeção e a de criação de novas imagens com inteligência artificial. Trata-se, portanto, de um duplo processo de extração de imagens e de construção de uma cosmovisão como materialidade (KRENAK, 2022). Se “a eliminação de todo o medo está na visão” (BRAKHAGE, 1983, p. 341), Palm e sua obra podem nos ajudar a compreender através da montagem os elos entre cinema e natureza no contemporâneo sem temer a IA.

Bibliografia

    BRAGA, A; LEVINSON, P; STRATE. L. Introdução à ecologia das mídias. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2019.
    BRAKHAGE, S. Metáforas da visão. In: XAVIER, I. (org.). A experiência do cinema, Rio de janeiro: Graal, 1983.
    DUBOIS, P. Cinema, video, Godard. Cosac Naify, São Paulo: 2004.
    FAY, J. Inhospitable World: Cinema in the Time of the Anthropocene. New York: Oxford University Press, 2018.
    HERKENHOFF, P. A arte da Amazônia no século XXI. In: HERKENHOFF, P; FINGUERUT, S. (orgs). Amazonia XXI. Rio de Janeiro: FGV Conhecimento, 2021.
    KRENAK, A. Saiam desse pesadelo de concreto. In: MOULIN, G. et al. Habitar o antropoceno. Belo Horizonte: BDMG/ Cosmópolis, 2022.
    OLIVEIRA FILHO, W. De Symbiosis e Cine Planta a Botannica Tirannica: Natureza e cinema. In: Anais do XXVI Encontro da Socine. Foz do Iguaçu, 2023.
    SHAVIRO, S. The rhythm image. New York: Bloomsbury, 2023.
    YOUNGBLOOD, G. Expanded cinema. New York: E.P. Dulkton & Co, 1970.