Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Tainá Carvalho Ottoni de Menezes (UFF)

Minicurrículo

    Doutoranda no PPGCine-UFF, com estágio na Universidade Autónoma de Madri (UAM), com bolsa de Doutorado Sanduíche da CAPES. Possui Mestrado pelo PPGCine-UFF (2019), especialização em Montagem Cinematográfica pela EICTV, Cuba (2008), e, em Realização de Documentário pela ENSLL, França (2009). É graduada em Licenciatura em Cinema pela Paris 8, França (2005). Desde 2009, atua como montadora de cinema. Foi professora de Montagem na EICTV (2017-2019) e na ABCCC, Rio de Janeiro (2020-2024).

Ficha do Trabalho

Título

    Noticiero ICAIC e a montagem descolonizadora das imagens da Amazônia no contexto da Guerra Fria

Seminário

    Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas

Resumo

    A análise da montagem das imagens de arquivo da Amazônia na edição nº 511 do Noticiero ICAIC Latinoamericano revela estratégias cubanas de contra-narrativas no contexto da Guerra Fria, denunciando os interesses econômicos dos EUA no Brasil. Inseridas no movimento dos cinemas latino-americanos dos anos 1960-1970 e influenciadas pelo pensamento anti-colonial, essas estratégias antecipam a noção de montagem descolonizadora, elaborada durante a pesquisa para tese doutoral realizada no PPG-Cine UFF.

Resumo expandido

    O Noticiero ICAIC Latinoamericano (NIL) surgiu como cinejornal oficial da Revolução Cubana no contexto da Guerra Fria, período em que a América Latina sofria forte influência estadunidense e repressão às lutas emancipatórias. Mais que um formato informativo convencional, o NIL constituiu-se como plataforma de contrainformação e resistência político-cultural marxista contra narrativas hegemônicas.
    Confrontados com limitações materiais impostas pelo bloqueio econômico e restrições de acesso a territórios sob governos alinhados aos EUA, os realizadores cubanos desenvolveram estratégias criativas de produção cine-jornalística. A escassez de recursos e a restrição de mobilidade estimularam uma abordagem inovadora no uso de materiais de arquivo, transformando limitações em potencialidades expressivas (Arêas, 2019). Esta prática transcendia a mera compilação de imagens, representando um processo de ressignificação da realidade a partir de uma perspectiva revolucionária.
    A originalidade estética do NIL manifestava-se por procedimentos formais que subvertiam convenções do cinejornalismo tradicional. Em oposição à narração autoritária e supostamente objetiva, elaborou-se uma linguagem caracterizada por montagens dissonantes, justaposições de imagens em relações dialéticas, e incorporação de elementos sonoros que potencializavam o discurso político. O cinejornal aproximava-se assim das experimentações do documentário vanguardista, elevando-se à categoria de manifestação artística politicamente engajada (ALBERA, 2009).
    Inserido no movimento do Nuevo Cine Latinoamericano, o NIL propunha a construção de uma linguagem emancipada dos paradigmas da indústria cinematográfica hegemônica. Este movimento concebia o cinema como instrumento de questionamento da dominação cultural estrangeira, fortalecimento das identidades latino-americanas e apoio às lutas anti-imperialistas.
    A edição 511 do NIL (1970), dedicada ao militante revolucionário brasileiro Carlos Marighella, exemplifica a abordagem contestatória do cinejornal. Nesta produção, os cineastas cubanos expuseram as violências da ditadura militar brasileira e a influência estadunidense na manutenção do regime autoritário. Significativamente, estabeleceram contrapontos visuais entre a repressão política e a exuberância dos recursos naturais amazônicos, revelando interesses econômicos subjacentes ao discurso desenvolvimentista. As imagens da Amazônia foram utilizadas para contrapor a retórica do “milagre econômico brasileiro”, evidenciando a exploração predatória da região e a contradição entre riqueza natural e miséria social.
    A montagem de arquivos no NIL constitui, portanto, uma prática de resistência político-cultural. Sua análise origina as primeiras considerações acerca da noção de “montagem descolonizadora” – que está sendo elaborada no âmbito da pesquisa para tese de doutorado realizada pela autora no PPGCine-UFF. Esta abordagem proporciona uma leitura alternativa da História, privilegiando vozes oprimidas e ampliando o cinema como instrumento de ação política. A montagem descolonizadora caracteriza-se pela subversão da linguagem cinematográfica dominante, reconfigurando materiais de arquivo para contestar visões eurocêntricas e imperialistas, criando contranarrativas que desafiam discursos oficiais.
    Olhar para as imagens do Brasil no cinejornal da Revolução Cubana em nossa contemporaneidade representa um convite à reflexão sobre o poder das imagens na construção e desconstrução das verdades oficiais. Com isso, é possível sinalar que o NIL transcende seu tempo histórico como dispositivo de luta política e cultural. Sua relevância permanece como ferramenta significativa para compreender disputas políticas e simbólicas, especialmente quando forças conservadoras tentam virar a página da ditadura militar brasileira sem antes escrever sua história.

Bibliografia

    ALBERA, François. La vanguardia en el cine. Ediciones Manantial, 2009.
    AMIEL, Vincent. A Estética da Montagem. Texto e Grafia, Lisboa, 2007.
    AREAS, Camila. Noticiero ICAIC: um olhar cubano experimental e performático sobre as ditaduras latino-americanas. DOC On-line, n. 2019SI, 2019
    DONOSO, Coti. El otro montaje: reflexiones en torno al montaje documental. La Pollera Ediciones Limitada, 2017.
    LEYDA, J. (1964). Films beget films: compilation films from propaganda to drama. Hill and Wang. New York, 1964.
    NÚÑEZ, Fabián. O pensamento de Frantz Fanon no cinema latino-americano. SOCINE, p.72-80, 2006.
    ORTEGA, María Luisa. De la certeza a la incertidumbre: “collage”, documental y discurso político en América Latina. Ocho y Medio, Madrid. 2009.
    PETTINÀ, Vanni. História mínima de la Guerra Fria en América Latina. Colegio de México. Ciudad de Mexico, 2018.
    SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente. El montaje cinematográfico. Barcelona: Paidós, 1996.