Ficha do Proponente
Proponente
- Marina Soler Jorge (UNIFESP)
Minicurrículo
- Marina Soler Jorge é professora associada do Departamento de História da Arte da Unifesp e do PPG em História da Arte da Unifesp. Tem trabalhos publicados nas áreas de sociologia da arte e representações femininas no audiovisual contemporâneo. É autora dos livros “Cultura Popular no Cinema Brasileiro dos Anos 90” (2010) e “Lula no Documentário Brasileiro” (2011), além de artigos sobre recepção, cinema, televisão e feminismo e sociologia da arte.
Ficha do Trabalho
Título
- Cinema e Espaço nas séries de espionagem: a Shanghai da Era Republicana (1912-1949)
Resumo
- Esta comunicação analisa séries chinesas de espionagem ambientadas na Shanghai dos anos 1930, explorando como a cidade é construída como um singular espaço narrativo e ideológico. A partir da tensão entre seu glamour cosmopolita e sua complexa geopolítica, refletimos sobre como Shanghai funciona como personagem central na dramatização audiovisual da luta comunista.
Resumo expandido
- Shanghai, década de 1930, período republicano. Membros do Kuomintang, do Partido Comunista e militares japoneses se encontram na Paris do Oriente para conspirar pela tomada do poder na China. Conhecida como a “Paris do Oriente”, a metrópole reunia, naquele momento, militares japoneses, membros do Kuomintang e do Partido Comunista, todos imersos em intrincadas disputas pelo controle da China. Em meio a cafés em estilo art déco, palacetes luxuosamente mobiliados, livrarias charmosas, estúdios fotográficos modernos e ateliês de alfaiataria frequentados pela elite, homens e mulheres chineses ocultam suas verdadeiras identidades, tramando conspirações silenciosas. O brilho das festas noturnas contrasta com a penumbra do submundo dos espiões, onde aparência e engano caminham lado a lado.
Além de sua atmosfera cosmopolita, Shanghai daquela época oferecia uma geografia política singular: fragmentada em concessões estrangeiras, era um território de confusão de nacionalidades, interesses econômicos e disputas ideológicas. Esse mosaico forçava espiões, agentes duplos e simpatizantes de diferentes ideologias a circularem em espaços comuns, em uma proximidade perigosa na qual ninguém podia ter certeza da identidade alheia. Essa cidade labiríntica, onde tudo podia ser encenação, tornou-se o pano de fundo ideal para histórias de mistério, traição e reviravoltas.
É nesse contexto que se inscreve o sucesso contínuo das séries chinesas de espionagem ambientadas na Era Republicana. Renovadas ano após ano na TV aberta e nas principais plataformas de streaming, essas narrativas combinam elementos de thriller político, melodrama e espetáculo visual. Com direção de arte sofisticada, que reconstrói com esmero a Shanghai dos anos 1930 — muitas vezes com apoio de CGI —, essas séries atraem não apenas espectadores mais velhos, interessados nos episódios heróicos da revolução comunista, mas também o público jovem, seduzido por um elenco formado por atores e atrizes idols.
No entanto, por trás da sedutora atmosfera noir e das tramas envolventes, essas produções cumprem uma função política clara. O enredo costuma reiterar uma mensagem central: os comunistas são moralmente superiores, guiados por um compromisso inabalável com o povo chinês e com a libertação do país das amarras do imperialismo ocidental, da corrupção do Kuomintang e da opressão japonesa. Trata-se, portanto, de sofisticadas peças de propaganda, que reforçam, no imaginário popular, o papel heroico do Partido Comunista Chinês (PCC).
Há, contudo, um deslocamento interessante nesse processo. Embora o PCC tenha sido fundado em Shanghai em 1921, a vitória comunista em 1949 não foi conquistada nas grandes cidades, mas no interior do país, por meio da mobilização do campesinato e da construção de uma base política rural. A Revolução Chinesa foi, fundamentalmente, uma revolução camponesa. Ainda assim, Shanghai — com todo seu glamour, cosmopolitismo e tensão geopolítica — tornou-se o principal cenário da memória televisiva da Era Republicana.
Nesta comunicação, propomos analisar algumas das mais populares séries chinesas de espionagem situadas nesse período, tomando como eixo central a construção audiovisual do espaço urbano de Shanghai. Pretendemos discutir como essa cidade funciona, nas narrativas, não apenas como pano de fundo, mas como um personagem ativo, dotado de uma espacialidade política e estética estratégica para reforçar as mensagens de heroísmo comunista. Nosso objetivo é refletir sobre os usos do espaço urbano enquanto dispositivo narrativo e ideológico, explorando de que maneira a Shanghai dos anos 1930 se converte, na cultura de massas contemporânea chinesa, em um palco sofisticado para a dramatização das lutas fundacionais da Revolução.
Bibliografia
- CAI, Shenshen. Television Drama in Contemporary China: Political, social and cultural phenomena. New York: Routledge, 2017.
EDWARDS, Louise. Women warriors and wartime spies of China. Cambridge University Press, 2016.
SHERIDAN, James E. China in disintegration. Simon and Schuster, 2008.
SONG, Geng. Televising Chineseness: Gender, nation, and subjectivity. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2022.
ZHU, Ying. Television in Post-Reform China Serial dramas, confucian leadership and the global television market. New York: Routledge, 2008.
ZHU, Ying; KEANE, Michael; BAI, Ruoyun (ed.). TV drama in China. Hong Kong: Hong Kong University Press, 2008.