Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Lara Freitas de Carvalho (UFBA)

Minicurrículo

    Lara Carvalho é Professora de Cinema e Audiovisual na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, Doutoranda e Mestre pelo Póscom/UFBA. Soteropolitana, atua como roteirista e diretora, integrando o grupo de pesquisa (An)arqueologias do Sensível. Publicou “Cinema: substantivo feminino” (2024) e “Uma (Breve) História das Mulheres no Cinema” (2022). Pesquisa cinemas feitos por mulheres, cineastas latinoamericanas e questões do corpo, do sensível e da ritualidade no audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Zoom In, Zoom Out: Escalas do olhar nas metodologias de cinema comparado

Seminário

    Estudos Comparados de Cinema

Resumo

    Propõe-se a investigação das escalas do olhar nos estudos comparados de cinema, argumentando em defesa de uma mobilidade analítica que transita entre aproximações e distanciamentos dos objetos fílmicos. Uma aproximação aos campos de cartografia e astronomia em busca de gestos metodológicos que possam ser aplicados ao cinema, visa revelar camadas interpretativas e analíticas que potencialmente permaneceriam despercebidas, se observadas em escalas fixas, ao analisar o cinema de forma comparada.

Resumo expandido

    Uma mulher nua se banha com sangue e plumas – um plano geral revela seu corpo inteiro; um plano detalhe expõe penas brancas aderidas à superfície viscosa e vermelha, criando um palimpsesto de texturas. Corpos femininos nus habitam a natureza, ora integrados à paisagem, ora tão próximos que distinguimos gotas d’água sobre a pele. Um corpo negro feminino despe-se em um terreno baldio, sua textura contrastando com ruínas urbanas. A emulsão fílmica arranhada veste temporariamente corpos em ato sexual, transformando-os em fragmentos quase abstratos. Indumentárias coloridas de mujeres jaguar constroem visualidades territoriais, enquanto o hábito religioso de uma freira impõe geometria calculada sobre um corpo negro.
    Nestas imagens – de Sangre + Plumas (1974), Dyketactics (1974), Water Ritual #1 (1979), Fuses (1965), Aribada (2022), Diary of an African Nun (1977) – o olhar cinematográfico opera em múltiplas escalas, oscilando entre panorâmico e microscópico. A câmera que contempla o corpo integral simultaneamente o fragmenta em detalhes quase irreconhecíveis. O som amplifica esta operação escalar – em Diary of an African Nun, silêncio contemplativo e percussão criam paisagem sonora abrangente, enquanto respiração e voiceover produzem intimidade auditiva.
    Esta mobilidade inerente da experiência cinematográfica convida a propor, através dos Estudos Comparados, uma cartografia escalar que opere entre diferentes níveis de análise. Como examinar obras observando tanto o microscópico quanto o panorâmico? Como navegar analiticamente entre a materialidade fragmental dos planos e as constelações mais amplas de significado que estes filmes conjuram coletivamente?
    Propomos um método inspirado simultaneamente na topologia, que estuda propriedades que permanecem invariantes sob transformações contínuas, e nas ciências observacionais (microscopia/telescopia), que revelam como diferentes fenômenos tornam-se visíveis apenas em determinadas escalas. Esta abordagem não privilegia a priori nenhuma escala específica, mas estabelece protocolos para movimentos pendulares entre diferentes níveis de aproximação – do detalhe do tecido sobre a pele até redes transculturais de imagens corporais.
    A estrutura cinematográfica já opera intrinsecamente com escalas. Quando Schneemann fragmenta o corpo em closes extremos, ou quando McCullough alterna entre corpo integral e seus detalhes, o cinema realiza seu próprio recorte escalar. Nossa proposta metodológica potencializa esta operação constitutiva, sistematizando-a em protocolos analíticos como: (1) amostragem estratégica de elementos para diferentes escalas; (2) técnicas de “focagem” para ajustar o olhar analítico; (3) instrumentação teórica específica para cada nível; (4) integração das descobertas multiescalares.
    Exemplificamos esta metodologia através da análise da relação tecido-pele no corpus apresentado, replicando e expandindo o gesto de aproximação proposto pela constelação fílmica (Souto, 2020). Este movimento revela políticas inscritas nas superfícies – tanto dos corpos quanto dos filmes – que permanecem invisíveis quando observadas em escala fixa. A proposta dialoga com a microanálise fílmica de Bellour (2002); com as investigações de Doane (2021) sobre close-up e escala; com a “visualidade tátil” de Marks (2000); com a análise figural de Brenez (2023) que identifica formas que ultrapassam estruturas narrativas; e com as propostas warburguianas (Didi-Huberman, 2013) do Atlas Mnemosyne e do Pathosformel – fórmulas expressivas que migram através de diferentes contextos, revelando conexões inesperadas entre gestos distantes no tempo e no espaço, tal como o zoom metodológico permite identificar entre os diferentes filmes analisados.

Bibliografia

    ALMEIDA, Ana Caroline de. Cidades-gestos em melancolia: o cinema brasileiro dos anos 2010 entre vibrações de desejos e traumas urbanos. Recife, 2020. 262 p.: il.
    BELLOUR, Raymond. L’Entre-Images: Photo, Cinéma, Vidéo. Paris: La Différence, 1990.
    BRENEZ, Nicole. On the Figure in General and the Body in Particular: Figurative Invention in Cinema. London: Anthem Press, 2023.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas ou a gaia ciência inquieta. Tradução de R. C. Botelho e R. P. Cabral. Lisboa: KKYM, 2013.
    DOANE, Mary Ann. Bigger Than Life: The Close-Up and Scale in the Cinema. Durham: Duke University Press, 2021.
    MARKS, Laura U. The Skin of the Film: Intercultural Cinema, Embodiment, and the Senses. Durham: Duke University Press, 2000.
    SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, n. 45, p. 115-126, 2020.