Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Carreiro (UFPE)

Minicurrículo

    Rodrigo Carreiro é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco, instituição onde cursou Mestrado e Doutorado em Comunicação. É bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq , categoria E. Fez estágio pós-doutoral na Universidade Federal Fluminense (RJ). Pesquisa som e gêneros fílmicos populares, especialmente horror e thriller.

Coautor

    Catarina de Almeida Apolonio (Udelar)

Ficha do Trabalho

Título

    Memória sonora do impeachment de Dilma Rousseff em documentários brasileiros

Seminário

    Histórias e tecnologias do som no audiovisual

Resumo

    Esta pesquisa analisa o sound design de três documentários sobre o impeachment de Dilma Rousseff: O Processo (2018), Democracia em Vertigem (2019) e Alvorada (2021). Com base na análise psicoacústica e na teoria sistêmico-funcional, investigamos como o som constrói a memória auditiva do evento, retrata relações de poder e gênero e representa os atores sociais envolvidos.

Resumo expandido

    Esta comunicação propõe uma análise do sound design de três documentários que narram o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Com base na análise da trilha sonora dos documentários O Processo (2018), Democracia em Vertigem (2019) e Alvorada (2021), nosso objetivo é identificar como o impeachment foi representado da perspectiva sonora.

    A metodologia da pesquisa está baseada na descrição detalhada dos aspectos psicoacústicos dos sons A análise dos desenhos sonoros relacionados ao contexto e às decisões técnico-criativas nos permite identificar recorrências que podem revelar as características estilísticas dos filmes. As análises foram baseadas na teoria sistêmico-funcional de Halliday (2001) e em uma abordagem multimodal (Kress et al., 2008).

    O Processo (2018), dirigido por Maria Augusta Ramos, destaca-se pela sua abordagem observacional do impeachment, onde o sound design emerge como um protagonista discreto, mas importante. A ausência de música extradiegética, entrevistas e narração convida o espectador a uma imersão crua e direta nos eventos, com o som direto moldando a narrativa.

    A predominância do som naturalista cria uma sensação de autenticidade, como se o espectador fosse um observador privilegiado. A diretora utiliza o som da TV para conectar cenas, simulando a realidade das transmissões midiáticas que moldaram a percepção pública do impeachment.

    Pontualmente, recursos de alta modalidade intensificam a experiência sonora. O efeito de delay na primeira aparição de Dilma cria uma atmosfera imersiva, enquanto frequências graves contínuas em momentos de tensão, como as manifestações, sublinham a gravidade do cenário político.

    Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, tem trilha sonora composta por frequências graves e melodias dissonantes, criando uma atmosfera de vertigem e perigo que permeia toda a narrativa. Essa escolha sonora reflete a instabilidade política e a sensação de ameaça à democracia que a diretora busca transmitir, com uma notável atenção a questões de gênero.

    O desenho de som do filme é marcado por contrastes e variações. Na primeira sequência, por exemplo, a combinação de frequências graves com ruídos de carros e flashes rápidos cria uma sensação de desorientação, culminando na clareza sonora das vozes dos jornalistas que anunciam a prisão de Lula. Essa alternância entre caos sonoro e nitidez vocal é uma constante no filme, utilizada para enfatizar momentos de tensão.

    A voz de Petra Costa, narradora e personagem, é um elemento sonoro fundamental. Ela usa um tom neutro, de intimidade, enquanto a música extradiegética expressa, muitas vezes, as emoções e reflexões da diretora.

    Um aspecto notável do sound design é o uso de elementos tradicionalmente associados ao feminino, como a valsa e melodias com arcos descendentes. A predominância de tonalidades menores e melodias descendentes reforça a carga emocional da narrativa.

    Alvorada (2021), dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, oferece uma perspectiva singular sobre o impeachment, focalizando o Palácio da Alvorada como espaço protagonista. O filme explora a rotina do local, misturando observações, entrevistas e música extradiegética.

    O sound design de Alvorada se destaca pelo contraste entre a sofisticação da música extradiegética e a crueza do som direto. A trilha sonora, com obras de Villa-Lobos e Zequinha de Abreu, evoca a grandiosidade do palácio e a tragédia política, posicionando-se a favor de Dilma. A música, com sua complexidade e alta definição, contrasta com o som direto, de baixa definição e caráter ambiente, que captura os ruídos do cotidiano do palácio.

    A intenção de trazer sons de fundo para o primeiro plano cria uma sensação de estranhamento, refletindo o desconforto de Dilma com as câmeras. Os ruídos do trabalho dos funcionários, como roçadeiras, revelam a barreira espacial entre trabalhadores e autoridades. A distância social é reforçada pela formalidade das vozes, com tons médios e relaxados.

Bibliografia

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    Bordwell, D. (2013). Sobre a história do estilo cinematográfico. Editora da Unicamp.

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    Giordano Bruno, L. de Miranda Azevedo, R. Plasencia-Calaña, Y. Formisano, E. Dumontier, M. (2022). What do we mean with sound semantics, exactly? Frontiers in Psychology, V. 13.

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    Schafer, R. Murray. (2001). A afinação do mundo. Editora UNESP.

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