Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael Garcia Madalen Eiras (Uff)

Minicurrículo

    Rafael Garcia Madalen Eiras é Doutorando no PPGCine/UFF-RJ, Mestre em Humanidades, culturas e Artes (PPGHCA-UNIGRANRIO, 2020). Tem licenciatura em História ( UCAM, 2015) e é bacharel em Cinema e Audiovisual ( UNESA, 2007). Além de uma especialização em Fotografia e Imagem pela Universidade Cândido Mendes (2009). Rafael tem uma larga experiência como freelance no mercado audiovisual e no momento ele estuda a interação entre o cinema, educação e a história.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre Ori e Quilombo: Dois Filmes, Dois Quilombos

Resumo

    Esta proposta analisa a representação do quilombo em Orí (1989), de Rachel Gerber, e Quilombo (1984), de Cacá Diegues. Enquanto Diegues enquadra Palmares em uma utopia conciliadora dentro da redemocratização, Orí propõe uma ruptura radical com o Estado, ecoando o quilombismo de Abdias do Nascimento. Assim, os filmes revelam estratégias opostas de resistência, expondo a tensão entre a inclusão da cultura afro-brasileira no Estado e a necessidade de sua transformação radical.

Resumo expandido

    Esta proposta analisa a representação do conceito de quilombo em Orí (1989), de Rachel Gerber, e Quilombo (1984), de Cacá Diegues. Apesar das diferenças, ambos os filmes constroem o quilombo como um espaço de resistência cultural e política nos anos 1980.
    Ponto central nas duas obras é a presença do ponto de vista de Beatriz Nascimento (2006). Historiadora e consultora de Quilombo, ela já havia criticado Xica da Silva (1976), de Diegues, por representar o corpo negro de forma estereotipada, o que gerou debates sobre sua visão da cultura afro-brasileira e a polêmica expressão “patrulhas ideológicas”. Em Quilombo, Diegues busca corrigir essa abordagem, mas, sendo um cineasta branco da elite intelectual, enquadra o quilombo dentro de uma utopia conciliadora no contexto da redemocratização.
    Em Quilombo, a presença de Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez e outros consultores negros é fundamental, especialmente na abordagem dos aspectos místicos e espirituais da cultura afro-brasileira. No entanto, a visão nacionalista de Cacá Diegues, influenciada pelo Cinema Novo, ancora a resistência quilombola em uma proposta conciliadora, buscando integrar a cultura negra à construção de um Estado democrático. A incorporação dos orixás pelos personagens reforça essa resistência, mas dentro de um processo de transformação gradual e não de ruptura.
    Essa abordagem responde à necessidade de maior representatividade negra no cinema brasileiro durante a redemocratização, mas também revela a tentativa de incluir as populações negras dentro da lógica eurocêntrica do Estado. Em contraste, Orí apresenta uma visão radical, na qual Beatriz defende, de forma poética e lúdica, a ruptura com um Estado historicamente opressor, resgatando experiências de poder comunal africanas ainda presentes nas favelas e manifestações afrodiásporicas no Brasil. Essa perspectiva dialoga com as ideias de Abdias do Nascimento (2002) sobre o quilombismo, que propõe um modelo autônomo de organização social para as populações negras. Afinal, o Estado brasileiro, tanto na década de 1980 quanto hoje, permanece marcado por um “DNA racista e assassino” (MORAIS, 2020). Assim, enquanto Quilombo sugere uma mediação, Orí propõe uma ruptura.
    Em Quilombo a trajetória de Ganga Zumba e Zumbi, marcada pela tentativa frustrada de consolidar Palmares, simboliza a derrota histórica das lutas negras no Brasil. No entanto, Diegues transforma essa derrota em otimismo, construindo um Palmares utópico, um espaço à margem do oficial, com elementos carnavalescos de inversão. O filme, mais do que representar o movimento negro, se apropria dos debates identitários para formular uma reflexão sociológica sobre o Brasil. Embora adote uma abordagem culturalista e otimista, evidencia também os desafios da redemocratização, sugerindo que a luta negra segue limitada dentro do projeto democrático emergente.
    Já Orí (1989) segue um caminho distinto. O documentário, fragmentado em múltiplas vozes e situações contraditórias, encontra unidade na narração e no coro de Beatriz Nascimento, construindo uma perspectiva polifônica e em movimento constante. Essa dinâmica remete à anarquia como teoria política, aproximando-se da análise de Mbah e Igriwey (2018), que relacionam a vida comunal africana a formas alternativas de organização social, questionando a centralidade do Estado Moderno.
    A associação entre quilombo e democracia é uma construção (TEODORO et al, 2016), Esses territórios de resistência não seguiam os princípios da democracia ocidental. Assim, Quilombo e Orí representam construções distintas: enquanto Diegues propõe uma mudança dentro das estruturas existentes, Orí reivindica um novo modelo de poder baseado na autonomia e na valorização da cultura negra. Dessa forma, os filmes revelam abordagens contrastantes de resistência, expondo a tensão entre a inclusão da cultura afro-brasileira no Estado e a busca por sua transformação radical, cada qual respondendo às limitações impostas pela modernidade.

Bibliografia

    DIEGUES, Cacá. Quilombo. Brasil: Embrafilme, 1984.
    GERBER, Rachel. Orí. Brasil: Instituto Nacional do Cinema, 1989.
    MORAIS, Wallace de. O poder soberano de matar e o racismo estrutural do Estado brasileiro. São Paulo: Editora 34, 2020.
    MBAH, Joseph; IGARIWEY, Okere. A Anarquia Africana e os Quilombos. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumará, 2018.
    NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. Rio de Janeiro: Fundação Palmares, 2002.
    NASCIMENTO, Beatriz. Nossa democracia. In: RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/ Instituto Kuanza. São Paulo, 2006.
    THEODORO, Marcos et al. Os Quilombos e a Revolução Social no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade, 2016.