Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim (USP)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com período sanduíche na Universidade Paris 3, sob orientação de Michel Chion. Doutora em Música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e pós-doutora em Música pela UFRJ. Autora do livro “A música no cinema de Robert Bresson”. Atualmente, faz pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP, com projeto sobre o uso da música clássica em diretores autorais contemporâneos e com bolsa CNPq.

Ficha do Trabalho

Título

    Música clássica e cinema autoral francês contemporâneo: recorrências e tecnologia

Seminário

    Histórias e tecnologias do som no audiovisual

Resumo

    Apresentamos os resultados do uso de música clássica ocidental em 51 filmes franceses selecionados a partir dos festivais de Cannes, Veneza e Berlim dos anos 2010. A tecnologia digital facilita o controle dos cineastas sobre a música. Há concentração de repertório antigo (Bach, Vivaldi e Mozart), mas também música minimalista de Philip Glass e Arvo Pärt. Esteticamente, a música clássica é usada como pontuação, em momentos-chave e no clichê de sua associação a classes abastadas e intelectuais.

Resumo expandido

    Esta comunicação é o resultado do corpus de 51 filmes franceses em pesquisa de pós-doutorado, que partiu de um mapeamento das mostras principais dos festivais de Cannes, Veneza e Berlim da década de 2010, selecionando os filmes com uso de música clássica ocidental preexistente (com o auxílio do IMDb) a fim de analisar aspectos relacionados ao repertório escolhido e ao uso estético da música nos filmes. Para esse segundo aspecto, os 51 filmes são visualizados e analisados com detalhes. Levando em consideração que são diretores autorais, no referente às motivações para as escolhas musicais, buscamos entrevistas (já publicadas e algumas concedidas por e-mail) com os/as 34 cineastas do corpus. Gorbman (2007) associa o que chama de “música de autor” às escolhas de diretores melômanos e considerava que o uso de tecnologias digitais facilitava ainda mais o controle da música e de sua montagem no filme pelo diretor.
    Em artigo anterior (Alvim, 2023), com um corpus mais reduzido, questionávamos certas recorrências de obras e o papel da tecnologia e dos algoritmos. Com efeito, partes das Quatro Estações de Vivaldi, especialmente o movimento “Presto” do Verão – na partitura original ou em forma de arranjos – estão em vários filmes franceses da segunda metade da década de 2010. Se, no século XX, a Indústria Cultural contribui para uma reiteração do mesmo (o que é mais ouvido, é mais apresentado), no século XXI, os algoritmos perpetuam esse mecanismo (o que é mais buscado, é mais indicado). No entanto, a partir das entrevistas, não há como provar cabalmente a ação direta dos algoritmos para além de uma concepção mais geral de sua ação na sociedade (Arielli, 2018). O fato de que o “Verão” de Vivaldi permanece um “hit” (como disse a diretora Céline Sciamma em entrevista) deve ser entendido dentro disso. Alguns cineastas evocam gostos pessoais por determinadas obras/compositores, como Robert Guédiguian (pela Pavana de Ravel) e Jacques Audiard (por Schubert).
    Numa apreciação geral das obras e compositores escolhidos, observa-se a grande presença de Bach, Vivaldi e Mozart, corroborando a pesquisa de Greig (2021) sobre a frequência de música barroca no cinema a partir do pós-guerra e a nossa pesquisa anterior sobre a Nouvelle Vague nos anos 1950-1960 (Alvim 2017), em que Bach, Beethoven e Mozart foram os principais compositores utilizados. Mantém-se, portanto, a tendência a um uso predominante de um repertório muito antigo e poucas obras do século XX ou contemporâneas.
    No caso dessas últimas, quando acontece, em sua maior parte há a opção por compositores minimalistas, como o estadunidense Phillip Glass e o estoniano Arvo Pärt, (embora não sejam tão frequentes nesse corpus francês, diferentemente do que acontece em outros grupos de nossa pesquisa, como o dos filmes italianos). O Minimalismo é entendido por alguns autores como um “Neo-Barroco”, representando, junto com o Barroco, a segunda maior tendência de uso de música preexistente no cinema (Greig, 2021) – Chion (2019) observa mesmo um “efeito Arvo Pärt” no cinema contemporâneo. Phillip Glass está no filme “Reality” (Quentin Dupieux, 2014), e Pärt, em “Félicité” (2015), do franco-senegalês Alain Gomis. Em seus dois filmes da década, Jean-Luc Godard utilizou quase que totalmente o acervo da gravadora ECM (responsável por discos de Arvo Pärt, por exemplo), como já vinha fazendo desde a década de 1990. É uma música mais palatável que a das vanguardas do século XX.
    Esteticamente, alguns filmes, como os de Olivier Assayas, retomam um aspecto formal bastante empregado nos filmes do influente cineasta francês Robert Bresson, como usar trechos de uma mesma música (ou de um mesmo estilo), pontuando o filme. Em outros, a música clássica está em momentos-chave da história. Há ainda uma grande associação de música clássica a personagens intelectuais ou de classes sociais abastadas no sentido evocado por Bourdieu (1994), um clichê antigo que se mantém.

Bibliografia

    ALVIM, Luíza. A música clássica preexistente no cinema de diretores da Nouvelle Vague – anos 50 e 60. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017.
    ALVIM, Luíza. Pre-existing classical music in French auteur cinema in the 2010s: Baroque predominance and processes of choices in a digital world. Revista FAMECOS, v. 30, n. 1, 2023.
    ARIELLI, Emanuele. Taste and the algorithm. Studi di estetica, v. 56, n. 4, 2018.
    BOURDIEU, Pierre. Distinction: a social critique of the judgement of taste. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
    CHION, Michel. La musique au cinéma: Les chemins de la musique. 2.ed. aum. e rev. Paris: Fayard, 2019.
    GORBMAN, Claudia. Auteur music. In: GOLDMARK, D.; KRAMER, L.; LEPPERT, R. (org.). Beyond the soundtrack: representing music in cinema. Los Angeles: University of California Press, 2007.
    GREIG, Donald. Baroque Music in Post-War Cinema: Performance Practice and Musical Style. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.