Ficha do Proponente
Proponente
- Rogério Luiz Silva de Oliveira (UESB)
Minicurrículo
- Realizador Audiovisual, professor do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Co-dirigiu “Dentro de mim passa um rio ” (2024) e “Agora que tudo está acabado” (2025). Autor do livro “Memória e criação na direção de fotografia audiovisual” (2023) e um dos organizadores da coletânea “Cinematografia, Expressão e Pensamento” (2019). Sócio da Associação Brasileira de Cinematografia – ABC.
Ficha do Trabalho
Título
- A cinematografia e a placidez superficial das ruínas
Resumo
- Um estudo sobre a relação entre cinematografia e espaço na videoinstalação “Debaixo dessa, outras cidades” (2022, 8’’), do artista Thiago Costa (Bananeiras, PB), integrante da exposição “Direito a forma” (23.09.2023 a 01.03.2024), no Instituto Inhotim-MG. A intenção é compreender tanto o modo como a obra se insere na perspectiva de uma visualidade háptica (Marks, 2000, p. 162) – ao associar uma câmera estática com as ruínas da Baía da Traição -, quanto a maneira como ocupa um espaço expositivo.
Resumo expandido
- Interessa-nos algo recorrente no gesto de filmar as ruínas: o ímpeto de enquadrá-las como se as encarasse. A constatação é favorecida pela descrição de Walter Benjamin sobre a obra Angelus Novus, de Paul Klee, imagem que o pensador usa para ilustrar o anjo história: “Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas” (Benjamin, 2013, p. 9). Partindo dessa inspiração, o trabalho propõe um estudo sobre as imagens da videoinstalação “Debaixo dessa, outras cidades” (2022, 8’’), uma obra do artista Thiago Costa (Bananeiras, PB), que compõe a Série “Sismografias ou mapas do agora”.
No vídeo, a câmera fixa, num plano frontal, enquadra as ruínas e escombros de edificações da Baía da Traição, na Paraíba, um palco de violências coloniais que resultam de/em disputas territoriais. Querelas que reverberam até hoje, sob a feição de especulações imobiliárias. Os planos longos do vídeo, que sucedem-se em cortes secos, são compostos a partir de um princípio predominante: câmera sobre o tripé, vestígios de construção em primeiro plano e ondas do mar, em movimento, ao fundo.
A obra integrou a exposição “Direito a Forma”, no Instituto Inhotim (MG), entre 23 de setembro de 2023 e 1° de março de 2024. Tendo sido projetada na parede da Galeria Fonte (Inhotim), a obra transpõe um recorte de paisagem para outra espacialidade. Desse modo, dá margem para uma reflexão que converge para o foco da pesquisa da qual este trabalho é desdobramento: o audiovisual como “prática espacial” (Chauvin, 2019, p. 3). A projeção da obra sobre a superfície expositiva, faz pensar em certa ideia de Giuliana Bruno: “À medida que as telas transformam a relação entre dentro e fora, virando a arquitetura do avesso, tornam-se uma forma de projeção de deslocamento e o marcador físico da existência entre culturas” (Bruno, 2014, p. 90). É como se o vídeo projetado na galeria do Inhotim, abrisse o concreto do museu para dar vazão a tempos outros. Impele, nesse sentido, a um exercício de “imaginações geográficas” (Phryston, 2023, p. 49), instigando-nos a perceber ecos de dimensões pretéritas.
Vê-se que a proposta está norteada, teoricamente, pelos estudos de cultura visual. Daí, advém a ideia de que o imaginável está, inevitavelmente, condicionado à memória, mediante a relação intrínseca entre espacialidade, vestígios e o modo como a imagem media o acesso a um passado, em tese, “inimaginável” (Didi-Huberman, 2013, p. 109). Por outro lado, esse atravessamento temporal serve também como chave analítica para refletir sobre um segundo aspecto: as escolhas de direção de fotografia para narrar as ruínas pelas imagens (NOVA, 2014, p. 67). Para tanto, a intenção é cotejar movimentos analíticos em torno de uma dada topofilia fílmica (Phryston, 2023, p. 153), notada no audiovisual contemporâneo a partir do interesse pelas ruínas. A ênfase da proposta está na verificação do modo como a câmera (e o gesto artístico) se integram a esse tipo de topografia e, consequentemente, jogam a favor da construção de um “imaginário arquitetônico” (Bruno, p. 192/193).
O estudo busca entender a forma como a direção de fotografia figura em prol de uma geografia sensorial (Chauvin, 2019, p. 154), ao encarar o espaço tête-à-tête. Importa identificar a maneira como a obra mobiliza uma “visualidade háptica” (Marks, 2000, p. 162) ao oferecer o áspero e o aquoso, numa mesma composição, aos nossos olhos. A observação que a câmera faz dessa atmosfera arruinada, feita de aparente calmaria, parece propícia para tomar o audiovisual como um anjo benjaminiano que, provocado a bater as asas, por uma “tempestade (que) o impele irresistivelmente para o futuro”, olha fixamente para um “amontoado de ruínas (que) cresce até o céu” (Benjamin, 2013, p. 9) e se nega a alçar vôo. Cabe investigar, no entanto – e inspirado nos modelos teóricos sugeridos -, de que maneira a videoinstalação irrompe a placidez superficial das ruínas.
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. In: ______. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 4-26.
BRUNO, Giuliana. Surface: matters of aesthetics, materiality, and media. Londres: The University of Chicago Press, 2014.
CHAUVIN, Irene Depetris. Geografías Afectivas: desplazamientos, prácticas espaciales y formas de estar juntos em el cine de Argentina, Chile y Brasil (2002-2017). 2019. ISBN (PDF): 978-1-7340289-9-7.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Cascas. Tradução de André Telles. Serrote: Uma Revista de Ensaios, Artes Visuais, Ideias e Literatura, São Paulo, n. 13, p. 99-133, mar. 2013.
MARKS, Laura U. The Skin of the Film: Intercultural Cinema, Embodiment, and the Senses. United States of America: Duke University Press. 2000.
NOVA, Vera Casa. CASCAS SOBRE O PAPEL: memória do dilaceramento. (2014). Aletria: Revista De Estudos De Literatura, 24(2), 65-75.
PRYSTHON, Ângela. Recortes do mundo: espaço e paisagem no cinema. Campinas, SP: Pontes Editores, 2023.