Ficha do Proponente
Proponente
- Benedito Ferreira dos Santos Neto (NIDAA)
Minicurrículo
- Benedito Ferreira é artista visual, diretor de arte e pesquisador. Doutor em Artes pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Integra o Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual (UFPE/CNPq). É autor de Agora e Pouco Antes: direção de arte e cinema brasileiro. Sua pesquisa aborda a multiplicidade das visualidades da cena, poéticas artísticas e arte contemporânea.
Ficha do Trabalho
Título
- Cenografia da Repetição, Dispositivo Crítico
Seminário
- Estética e Teoria da Direção de Arte Audiovisual
Resumo
- Esta comunicação pretende analisar a valorização da direção de arte no cinema brasileiro a partir da colaboração entre o diretor Sebastião de Souza e o diretor de arte Jean Laffront no curta-metragem Transplante de Mãe (1970). Destaca-se o papel da cenografia como dispositivo crítico e narrativo, com uso de improviso, performance e repetição. A análise demonstra como a direção de arte contribui para a subversão das convenções cinematográficas no contexto dos anos 1970.
Resumo expandido
- Em São Paulo S/A (Luiz Sérgio Person, 1965), o crédito de Art-Direction concedido a Jean Laffront sinaliza um avanço no reconhecimento da função no cinema brasileiro. Dois anos depois, em O Caso dos Irmãos Naves (1967), também dirigido por Person, o crédito permanece em inglês e é atribuído a Sebastião de Souza e ao próprio diretor, evidenciando a continuidade e a valorização da direção de arte na obra do cineasta paulistano.
A trajetória artística de Sebastião de Souza revela sua versatilidade e trânsito por diversas funções no cinema. Seu primeiro contato com o cinema ocorreu na década de 1960, quando conheceu o cineasta Roberto Santos, atuando como estagiário na filmagem de A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965). A experiência marcou o início de uma trajetória multifacetada, que inclui trabalhos como diretor, continuísta, produtor, diretor de arte e cenógrafo. Na direção cinematográfica, destacam-se os filmes Cu da Mãe (1969), Festa do Divino (1969), Em Cada Coração um Punhal (1970) e O Quarto da Viúva (1975). Na direção de arte, deixou sua marca em longas-metragens como Anjos do Arrabalde (Carlos Reichenbach, 1987), Cinderela Baiana (Conrado Sanchez, 1998) e As Tranças de Maria (Pedro Carlos Rovai, 2003). Além do cinema, Souza também esteve presente no teatro e na concepção visual de espetáculos musicais, contribuindo para a identidade visual de shows de artistas como Inezita Barroso e a icônica dupla Tonico & Tinoco.
Em Transplante de Mãe, episódio inaugural do longa-metragem Em Cada Coração um Punhal (Sebastião de Souza, José Rubens Siqueira e João Batista de Andrade, 1970), Sebastião de Souza reencontra Jean Laffront, que assume a direção de arte do curta. Filmado no sítio da família de Souza em Nazaré Paulista, no interior de São Paulo, o episódio articula uma crítica aos bens de consumo de massa e constrói uma paródia das convenções do cinema narrativo. A direção de arte de Laffront explora uma visualidade de ampla adaptabilidade, assume diferentes recursos publicitários e incorpora o que Raymond Bellour (1979) denomina “cenografia da repetição”.
A repetição, elemento estrutural recorrente nas narrativas clássicas, adquire uma nova dimensão. Em vez de reforçar a linearidade e a previsibilidade da trama, transforma-se em dispositivo de ruptura e estranhamento. A predileção de Souza por figuras edipianas — traço marcante de sua filmografia — encontra em Transplante de Mãe o terreno fértil para experimentações cenográficas e de figurinos. A mise-en-scène se torna deliberadamente excessiva, culminando no jogo de improviso que atinge seu ápice na construção da casa da Mãe — ambiente central do trabalho de Laffront, que, além de assinar a direção de arte, também participa como ator em uma das sequências. O hibridismo entre cenografia e performance acentua o tom extravagante da direção de arte, no qual a materialidade dos objetos cênicos ultrapassa sua função decorativa e se converte em componente altamente crítico.
Ao longo do filme, o diálogo entre a direção de arte e a mise-en-scène revela a intenção de subverter convenções cinematográficas. Laffront, com uma abordagem experimental, não apenas ambienta as locações da trama, mas também as ressignifica, transformando-as em zonas de tensão onde o artificial se torna explícito. A visualidade do filme se define pelo improviso e pelo deslocamento de signos visuais, o que lhe confere uma identidade singular no cinema brasileiro da época. A colaboração entre Sebastião de Souza e Jean Laffront em Transplante de Mãe exemplifica essa transição, ao tratar a cenografia como dispositivo narrativo e propor novas visualidades para o cinema brasileiro dos anos 1970.
Bibliografia
- BELLOUR, Raymond. Cine-Repetitions. Screen, v. 20, n. 2, p. 67-72, 1979.
DANEY, Serge. A Rampa: Cahiers du Cinéma (1970–1982). São Paulo: Cosac Naify, 2007.
FERREIRA, Benedito. Agora e Pouco Antes: Direção de Arte e Cinema Brasileiro. Goiânia: Rebellium Coletiva, 2025.
FERREIRA, Benedito et al. (org). Dimensões da direção de arte na experiência audiovisual. Rio de Janeiro: Nau, 2023.
SOUZA, Sebastião de. Sebastião de Souza, um artesão do cinema paulista. [Entrevista concedida a] Felipe Abramovictz; André Gustavo de Paula Eduardo. Lumina, Juiz de Fora, v. 16, n. 1, jan.-abr. 2022. p. 203-217. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/33217. Acesso em: 6 mar. 2024.