Ficha do Proponente
Proponente
- Caio Cardoso Holanda (UFSCAR)
Minicurrículo
- Graduado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre no Programa de Pós Graduação em Imagem e Som (PPGIS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) com a dissertação “A música performando na narrativa de Inferninho”. Dirigiu o curta-metragem “Trancados” (2018). Roteirista da Oyá Filmes.
Ficha do Trabalho
Título
- Entre a Performance e o Artifício, o Melodrama Queer em Inferninho
Resumo
- Em Inferninho, Deusimar habita um mundo fora da heteronormatividade, cheio de fantasias e desejos, o bar Inferninho. Ao “queerizar” o aparato cinematográfico questionando suas normas ao adotar a estética teatral e melodramática, na qual a precariedade e o universo camp materializam a atmosfera-artifício na qual os desejos da personagem são externados. Além disso, as performances peculiares de Luizianne certamente tem um lugar especial nessa dinâmica.
Resumo expandido
- Em Inferninho, os elementos estéticos são fundamentais para estabelecer a identidade fílmica, já que a materialidade imposta a partir das instâncias audiovisuais explana a precariedade kitsch aplicada ao ambiente, que originalmente é um galpão, mas se torna um ambiente de queeridade periférica. O trabalho da equipe de arte, principalmente da diretora Taís Augusto e dos figurinistas Isac Bento e Filipe Arara, construiu uma atmosfera camp em um bar periférico onde o estranhamento é causado pelo visual, e a performance musical, ao qual expõe os sentimentos dos personagens, estabelecendo a relação entre canção e o humor da audiência.
Knigths (2006) afirma que certa artificialidade que permeia as práticas camp não significa uma frivolidade e/ou um vazio de conteúdo, pois através da identificação e do investimento emocional de quem assiste, “o camp fornece um espaço cultural queer em que identidades de gênero e papeis sexuais podem ser desconstruídos e articulados (2006, p. 93-94).
Entretanto, Inferninho explora uma atmosfera camp voltada ao que Denilson Lopes chama de “estética da frivolidade” (2016), ao se referir a uma forma específica do cinema independente que se distancia do realismo. Assim, desconstruindo a solidão e opressão a partir do uso do artifício em sua estética sensível e teatral, o filme cearense se alinha a uma identidade muito presente no cinema queer contemporâneo.
Vale reforçar que Foucault (2001) observou que, na vida cotidiana, a criação de espaços heterotópicos são necessários para escapar da repressão, onde os indivíduos podem celebrar suas existências. Neste sentido, Inferninho é o bar da heterotopia queer, com sua porta de entrada exercendo a função de portal entre o mundo externo e o artifício, além da separação com o universo heteronormativo. No entanto, a fragilidade desse espaço se torna evidente com a invasão de forças externas, como os marinheiros e o agente da construtora. A tranquilidade do refúgio se transforma em caos, e o Inferninho, antes um espaço de liberdade, se torna uma prisão.
A teatralização dos atores do Grupo Bagaceira, responsáveis pelo elenco do filme, e as caracterizações exageradas dos personagens criam um ambiente intenso e dramático, que realça a expressão dos sentimentos e a exploração da diferença. A melodramaticidade do universo queer em Inferninho é intensificada por essa estética do excesso, que permite que os personagens explorem suas emoções de forma exagerada e explícita. A arte do excesso nesse contexto se torna uma ferramenta para desconstruir normas e questionar padrões, permitindo a intensidade das performances e singularidade melodramática de cada personagem.
A imaginação melodramática permite que a centralidade narrativa permaneça na figura feminina e nos seus anseios, moldando um melodrama queer que coloca Deusimar em busca de seu lugar no mundo desafiando a heteronormatividade. Na sequência de “Vermelho Azulzim”, canção que funciona como estimulação do imaginário, a protagonista vivencia um clímax, transitando sem se deter num espaço marcado por uma encenação atmosférica, um mood, mais do que por uma narrativa, um enredo.
A música desempenha um papel fundamental nesse processo. “Vermelho Azulzim”, com sua sonoridade vibrante, funciona como um catalisador para a imaginação de Deusimar, levando-a a um momento de clímax emocional. Em vez de se prender a uma história linear, a cena se transforma em um estado de espírito, uma atmosfera que transcende a narrativa tradicional permitida pela imaginação melodramática. A música, nesse caso, é mais do que um simples acompanhamento, ela é a voz da protagonista, expressando seus desejos, suas angústias e sua busca por liberdade.
Bibliografia
- BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination Balzac, Henry, James, Melodrama and the Mode of Excess. Yale: Yale University Press, 1995.
FOUCAULT, Michel. Outros espaços. Ditos e escritos, v. 3, p. 411-422, 2001.
JONES, Angela. “Queer heterotopias: Homonormativity and the future of queerness.” InterAlia: Pismo poświęcone studiom queer 4 (2009).
LOPES, D. (2016). Afetos. Estudos Queer e Artifício na América Latina. E-Compós, 19(2).
LOPES, D. “Cinema e gênero.” Coleção Campo Imagético (2006): 379.
KNIGHTS, Vanessa. Queer Pleasures: The Bolero, Camp and Almodovar. In: Powrie, Phil and Robynn Stilwell, eds. 2006. Changing Tunes: The Use of Pre-existing Music in Film. Ashgate Popular and Folk Music Series. Aldershot, UK, and Burlington, VT: Ashgate Publishing.
MARCONI, Dieison. Ensaios sobre autorias queer no cinema brasileiro contemporâneo. – Belo Horizonte, MG: PPGCOM/UFMG, 2021.