Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Caio Cardoso Holanda (UFSCAR)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre no Programa de Pós Graduação em Imagem e Som (PPGIS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) com a dissertação “A música performando na narrativa de Inferninho”. Dirigiu o curta-metragem “Trancados” (2018). Roteirista da Oyá Filmes.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre a Performance e o Artifício, o Melodrama Queer em Inferninho

Resumo

    Em Inferninho, Deusimar habita um mundo fora da heteronormatividade, cheio de fantasias e desejos, o bar Inferninho. Ao “queerizar” o aparato cinematográfico questionando suas normas ao adotar a estética teatral e melodramática, na qual a precariedade e o universo camp materializam a atmosfera-artifício na qual os desejos da personagem são externados. Além disso, as performances peculiares de Luizianne certamente tem um lugar especial nessa dinâmica.

Resumo expandido

    Em Inferninho, os elementos estéticos são fundamentais para estabelecer a identidade fílmica, já que a materialidade imposta a partir das instâncias audiovisuais explana a precariedade kitsch aplicada ao ambiente, que originalmente é um galpão, mas se torna um ambiente de queeridade periférica. O trabalho da equipe de arte, principalmente da diretora Taís Augusto e dos figurinistas Isac Bento e Filipe Arara, construiu uma atmosfera camp em um bar periférico onde o estranhamento é causado pelo visual, e a performance musical, ao qual expõe os sentimentos dos personagens, estabelecendo a relação entre canção e o humor da audiência.
    Knigths (2006) afirma que certa artificialidade que permeia as práticas camp não significa uma frivolidade e/ou um vazio de conteúdo, pois através da identificação e do investimento emocional de quem assiste, “o camp fornece um espaço cultural queer em que identidades de gênero e papeis sexuais podem ser desconstruídos e articulados (2006, p. 93-94).
    Entretanto, Inferninho explora uma atmosfera camp voltada ao que Denilson Lopes chama de “estética da frivolidade” (2016), ao se referir a uma forma específica do cinema independente que se distancia do realismo. Assim, desconstruindo a solidão e opressão a partir do uso do artifício em sua estética sensível e teatral, o filme cearense se alinha a uma identidade muito presente no cinema queer contemporâneo.
    Vale reforçar que Foucault (2001) observou que, na vida cotidiana, a criação de espaços heterotópicos são necessários para escapar da repressão, onde os indivíduos podem celebrar suas existências. Neste sentido, Inferninho é o bar da heterotopia queer, com sua porta de entrada exercendo a função de portal entre o mundo externo e o artifício, além da separação com o universo heteronormativo. No entanto, a fragilidade desse espaço se torna evidente com a invasão de forças externas, como os marinheiros e o agente da construtora. A tranquilidade do refúgio se transforma em caos, e o Inferninho, antes um espaço de liberdade, se torna uma prisão.
    A teatralização dos atores do Grupo Bagaceira, responsáveis pelo elenco do filme, e as caracterizações exageradas dos personagens criam um ambiente intenso e dramático, que realça a expressão dos sentimentos e a exploração da diferença. A melodramaticidade do universo queer em Inferninho é intensificada por essa estética do excesso, que permite que os personagens explorem suas emoções de forma exagerada e explícita. A arte do excesso nesse contexto se torna uma ferramenta para desconstruir normas e questionar padrões, permitindo a intensidade das performances e singularidade melodramática de cada personagem.
    A imaginação melodramática permite que a centralidade narrativa permaneça na figura feminina e nos seus anseios, moldando um melodrama queer que coloca Deusimar em busca de seu lugar no mundo desafiando a heteronormatividade. Na sequência de “Vermelho Azulzim”, canção que funciona como estimulação do imaginário, a protagonista vivencia um clímax, transitando sem se deter num espaço marcado por uma encenação atmosférica, um mood, mais do que por uma narrativa, um enredo.
    A música desempenha um papel fundamental nesse processo. “Vermelho Azulzim”, com sua sonoridade vibrante, funciona como um catalisador para a imaginação de Deusimar, levando-a a um momento de clímax emocional. Em vez de se prender a uma história linear, a cena se transforma em um estado de espírito, uma atmosfera que transcende a narrativa tradicional permitida pela imaginação melodramática. A música, nesse caso, é mais do que um simples acompanhamento, ela é a voz da protagonista, expressando seus desejos, suas angústias e sua busca por liberdade.

Bibliografia

    BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination Balzac, Henry, James, Melodrama and the Mode of Excess. Yale: Yale University Press, 1995.
    FOUCAULT, Michel. Outros espaços. Ditos e escritos, v. 3, p. 411-422, 2001.
    JONES, Angela. “Queer heterotopias: Homonormativity and the future of queerness.” InterAlia: Pismo poświęcone studiom queer 4 (2009).
    LOPES, D. (2016). Afetos. Estudos Queer e Artifício na América Latina. E-Compós, 19(2).
    LOPES, D. “Cinema e gênero.” Coleção Campo Imagético (2006): 379.
    KNIGHTS, Vanessa. Queer Pleasures: The Bolero, Camp and Almodovar. In: Powrie, Phil and Robynn Stilwell, eds. 2006. Changing Tunes: The Use of Pre-existing Music in Film. Ashgate Popular and Folk Music Series. Aldershot, UK, and Burlington, VT: Ashgate Publishing.
    MARCONI, Dieison. Ensaios sobre autorias queer no cinema brasileiro contemporâneo. – Belo Horizonte, MG: PPGCOM/UFMG, 2021.