Ficha do Proponente
Proponente
- Sylvia Beatriz Bezerra Furtado (UFC)
Minicurrículo
- Beatriz Furtado é docente do Instituto de Cultura e Arte, do PPG em Comunicação e do PPG em Artes, e da graduação em Cinema e Audiovisual, da Universidade Federal do Ceará.
Ficha do Trabalho
Título
- A vida dos arquivos. Uma questão epistêmica, uma provocação teórica.
Seminário
- Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens
Resumo
- “O que ocorre às imagens quando não estamos olhando para elas? os arquivos têm vida, se inquietam e se reinventam. Pelas mãos da pesquisa, saltam no tempo e ganham formas. Dizemos que preenchem lacunas – históricas, sociais. Seriam as lacunas uma condição de todo arquivo? Estariam os arquivos sempre abertos as lamentações do tempo infinito? Este artigo segue a perspectiva da fabulação crítica (Hartman), a um só tempo que entende o arquivo como um ser anímico.
Resumo expandido
- Desde sempre, as imagens e seus arquivos se fizeram enigmáticos. Há sempre algo neles da ordem do inapreensível, que pode ser traduzido numa espécie de resistência ao domínio do olhar e da compreensão do humano. Neste artigo, tomamos mais uma vez a pergunta de Maurício Lissovsky (2009) — sobre o que fazem as imagens quando não estamos a olhar para elas — como uma provocação teórica sobre as imagens de arquivo. A pergunta, desde nossa perspectiva, inscreve-se num tipo de leitura de arquivos em que se pressupõe que as imagens têm vida, são animadas e, portanto, têm uma independência em relação ao nosso olhar, ao que fazemos com elas e em como produzimos sentido através delas.
A noção de fabulação crítica segue uma linha de pensamento pela qual Saidiya Hartman (2002) consegue estabelecer um método para o incômodo de não saber suas origens. Um método que se fez a partir de exaustivas buscas em arquivos e registros históricos e neles encontrar muitos mais silêncios e latências de apagamentos. As imagens são objetos também elas arquivos latentes muitos mais silenciosos que explícitos. É sobre a ideia de incompletude, seja por questões de propósitos de realizar apagamentos, como é o caso do poder deliberado de destruir informações, deturpar fatos, como nos arquivos produzidos por colonizadores, seja porque a incompletude, a indisponibilidade das imagens (ou dos documentos) de oferecer uma réplica do mundo não permite um poder absoluto na forma de verdades.
Embora essa seja uma vinculação provisória, ou seja, o que seria a possibilidade de fabular em arquivos pensando nas suas lacunas, – o que é uma práti Lissovsky fez isso em seu percurso com muita recorrência – e a fabulação como um devir das intensidades, derivadas da pergunta que Lissovsky faz sobre o que ocorre às imagens quando não estão sob o domínio do olhar humano, não nos parece uma ligação fácil. Os propósitos de apagamento dos arquivos coloniais são fatos criminosos, de fortalecimento dos poderes das coloniais. São, sobretudo, propositais, de interferência na história, de poder político e de violência contra aqueles que foram colonizados.
No entanto, ao afirmar uma vida de sonhos, de fantasia às imagens, há algo que talvez nos permita compreender que também as violências são incapazes de cumprir sua tarefa de forma indefinida. Se esses poderes estão também submetidos aos regimes do tempo, suas verdades provisórias encontrarão, no aninhamento de futuros, as fissuras capazes de produzir esfacelamentos. O que nos faz crer que as rupturas, sejam elas poéticas, ficcionais ou em qualquer de suas camadas, estão subjugadas às fabulações. É, nesse sentido que a fabulação crítica, como método de investigação, nos coloca frente possibilidade de pensar um estatuto de qualquer conhecer.
As imagens não são assujeitadas, ao contrário, elas têm um papel de resistência e de configuração do mundo sensível. As imagens tomam posições, mesmo quando essas posições dizem não à vida, como quando foram utilizadas para justificar o fascismo. Elas perdem forças quando são manipuladas, mas estão ativas e voltam-se contra as suas atribuições, tal como ocorre quando dispostas em arquivos cujo tempo mobiliza seu sentido. As imagens são obras do tempo — aparecem, se apagam, se recuperam. A imagem é uma política, uma organização, uma composição, um documento, um material vivente.
Nos termos de Warburg, Lissovsky também pretendeu ativar as dinâmicas ocultas nas imagens, fazendo-as dialogar, retirando-as do isolamento, onde se presume uma ocultação. Nesse sentido, de algum modo, a vida secreta das imagens surgiria de diferentes combinações e encontros. Não sem propósito, as idas aos arquivos nos levavam a encontrar, numa estratégia de envolvimentos entre imagens e fatos históricos, o que o tempo no qual estão submersos os arquivos podem produzir. Não exatamente montando encontros entre imagens, mas detectando entre as imagens adormecidas (especialmente em arquivos) o presente dos acontecimento
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo. Brasiliense,1985.
DESCOLA, Philippe. As formas do visível – uma antropologia da figuração. São Paulo: Editora 34, 2023.
DIDI-HUBERMAN. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020.
HARTMAN, Saidyia, Vidas Rebeldes, Belos Experimentos: Histórias Íntimas de Meninas Negras Desordeiras, Mulheres Encrenqueiras e Queers Radiais. Fósforo Editora. São Paulo. 2022.
LISSOVSKY, Maurício. As imagens dão vida aos sonhos. [Entrevista cedida a] TCAv. Audiovisualidades e Tecnocultura: Comunicação, Memória e Design, Porto Alegre, jun. 2011.
ROLNIK, Sueli. Suely Rolnik: Subjetividade Animista, Pós-Colonial. Trecho do capítulo “Animismo e Resistência”, retirado do filme “Agenciamentos” (2012).
WAIZBORT, Leopoldo (org.). Histórias de fantasmas para gente grande – Aby Warburg. Escritos, esboços e conferências. Tradução de Lenin Bicudo Bárbara. São Paulo: Companhia das Letras, 2015