Ficha do Proponente
Proponente
- Luiz Fernando Wlian (UNESP)
Minicurrículo
- Professor e pesquisador em doutoramento em Comunicação pela UNESP, com a pesquisa “Alegres, para além de tudo: estratégias sensíveis dissidentes no cinema e audiovisual queer brasileiro contemporâneo. Mestrado em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Investiga Cinema, Audiovisual e Comunicação, com particular interesse em pesquisas sobre cinema de gênero; gênero musical em cinema; comunicação e teorias queer; poéticas e estéticas queer no audiovisual; corpo, afeto e sensorialidade em cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Corpos sem medo de se quebrar: alegria queer como modo de observar imagens e sons
Seminário
- Tenda Cuir
Resumo
- Este trabalho, de caráter teórico, busca enunciar uma sensibilidade dissidente baseada na ideia de “alegria”, para propor uma chave de leitura à arte queer, em especial às imagens em movimento. Valendo-se de uma breve genealogia filosófica da alegria (Spinoza, 2009; Nietzsche, 2012; Rosset, 2000; Sodré, 2006), em cotejo com contribuições dos estudos queer (Ahmed, 2006; 2010), pensa-se uma “alegria queer” como um modo afetivo de olhar para poéticas e estéticas dissidentes em obras audiovisuais.
Resumo expandido
- “Nas danças que duram toda a noite irei enfim pousar meus alvos pés, tomada de delírio…”. E é por conta do delírio que o corpo de Penteu é estraçalhado em nome de Dionísio, em As Bacantes. Sua dilaceração, pelas mãos das bacantes, é regida por alegria. Tal alegria relembra algumas cenas do cinema queer brasileiro: os dançantes corpos de Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), que celebram sua potência a despeito das ameaças do lado de fora; a cantoria no transporte público em Corpo Elétrico (Marcelo Caetano, 2017); as andanças de Sosha e suas personagens nos curtas Metrópole (2013), Recife XXI (2014) e A Lenda do Galeto Vegano (2016); entre muitas cenas que tocam o modo de alegria que aqui busco abordar. Uma alegria dionisíaca que não se furta a “estraçalhar Penteu”, bem como as possíveis opressões ao redor, em nome de seu próprio aproveitamento. Uma alegria queer.
O cinema queer tem bastante fôlego para promover experiências inventivas e modos outros de ser e sentir no mundo. Assim, pensamos nos muitos espectros de sensibilidade que podemos observar nesse cinema. Diversos conceitos podem ser tomados de empréstimo dos estudos queer para tanto, como a pulsão de morte e a negação do futuro (Edelman, 2004); o fracasso (Halberstam, 2011); a negação da promessa da felicidade (Ahmed, 2010); a utopia queer (Muñoz, 2009), entre outros. Entretanto, diante da crescente pluralidade temática, poética e estética que se identifica nesse cinema, faz-se instigante observar que regimes estéticos podem ser mobilizados nele, bem como quais as potencialidades e os limites das chaves de leitura que já conhecemos. Conceitos recentes, inspirados em produções audiovisuais brasileiras nos ajudam a alargar nossa perspectiva. O artifício (Lopes, 2016), o dandismo (Lopes et. al, 2019), a frivolidade (Barbosa, 2017), o deboche (Filho, 2018), entre outros, servem um escopo profícuo no que tange expandir um pouco falsos binômios de “negatividade” e “positividade” nos estudos queer – em que “negatividade” é, quase sempre, associada a existências queer, enquanto “positividade” se iguala, facilmente, com heteronormatividade, reprodução etc. São conceitos que também nos ajudam a pensar um cenário audiovisual tomado por performances que, apesar de todos os possíveis males do mundo, são frequentemente animadas por uma “visibilidade jocosa e inconsequente” (Filho, 2018, p. 107). Na pista desses conceitos e, mais ainda, na pista dos deleites jubilosos que performances audiovisuais podem exibir, faço uma curva à alegria. De que modos a alegria pode ser lida por experiências queer? De que modos ela pode ser vista nas imagens e sons? Essas questões animam o percurso teórico e conceitual aqui proposto.
Nesse percurso, investe-se em uma breve genealogia do termo alegria, tanto para diferenciá-lo da ideia de felicidade, quanto para buscar pistas dissidentes em sua apreensão filosófica. Falar sobre dissidências em termos de alegria apresenta uma contradição elementar: por um lado, a materialidade das imagens que podem nos convidar a partilhar de seu regozijo; por outro lado, a dificuldade de associar afetos positivos a corpos marcados por negatividade, como sabemos pelos estudos queer. Por meio dessa genealogia, animada sobretudo por um cotejo entre Spinoza (2009), Nietzsche (2012), Clement Rosset (2000), Muniz Sodré (2006) e Sara Ahmed (2006; 2010), propõe-se uma alegria afinada a sensibilidades dissidentes, uma alegria queer enquanto conceito e chave de leitura para observar imagens e sons, inspirada em teorias sobre afeto em cinema (Baltar, 2012 etc).
Acredito que filmes queer podem ser, também, um “convite à alegria”. Filmes que buscam, por meio da efusividade de seus gestos, irromper um novo universo sensível que visa a aumentar nossas capacidades e a nos lembrar que, mesmo dissidentes, existimos no mundo e que, somente isso, por ora, já é suficiente para aproveitar.
Bibliografia
- AHMED, Sara. Queer phenomenology: orientations, objects, others. Durham: Duke University Press, 2006.
AHMED, Sara. The promise of happiness. Duke University Press, 2010.
BALTAR, Mariana. Tessituras do excesso: notas iniciais sobre o conceito e suas implicações tomando por base um procedimento operacional padrão. Revista Significação, v. 39, n. 38, 2012.
EDELMAN, Lee. No future: queer theory and the death drive. Dunham and London: Duke University Press, 2004.
HALBERSTAM, J. The queer art of failure. Durham and London: Duke University Press, 2011.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência (Die fröhliche Wissenschaft – La Gaya Scienza, 1882, 1887). Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
ROSSET, Clément. Alegria: a força maior. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000.
SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2006.
SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.