Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    José Augusto Mendes Lobato (UAM)

Minicurrículo

    Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Anhembi Morumbi. Doutor em Ciências da Comunicação (USP), com pós-doutorado (UAM) e mestrado em Comunicação (Cásper Líbero) e graduação em Jornalismo (Unama). Líder do Grupo de Pesquisa AlterMídia – Laboratório de Estudos em Cultura Audiovisual, Alteridade e Mídias. Gerente de educação no Grupo Report e docente universitário nas universidade Anhembi Morumbi e São Judas.

Ficha do Trabalho

Título

    Alteridade, infância e relações estéticas nos documentários 5 Câmeras Quebradas e Nascido em Gaza

Resumo

    O trabalho discute os modos de representação do Conflito Israel-Palestina no documentário contemporâneo, tendo como foco as obras “5 Câmeras Quebradas” (2011) e “Nascido em Gaza” (2014). Baseamos nossa reflexão nos estudos sobre alteridade e cultura audiovisual, a fim de compreender a figuração da experiência de crianças palestinas como recurso central à formulação da intriga narrativa, mobilizando relações estéticas baseadas na retórica testemunhal e na empatia diante do(s) Outro(s).

Resumo expandido

    Neste trabalho, propomos uma análise dos modos de representação do Conflito Israel-Palestina no documentário contemporâneo, recorrendo para isso a duas obras que têm em comum o foco nas imagens e nos relatos de traumas vivenciados por crianças em um dos mais complexos e violentos conflitos endêmicos dos séculos XX e XXI. Referimo-nos, especificamente, a “5 Câmeras Quebradas” (França/Palestina/Israel, 2011, dir. Emad Burnat e Guy Davidi) e “Nascido em Gaza” (Espanha, 2014, dir. Hernán Zin).
    Frequentemente considerado lugar de produção de debates qualificados sobre o real, o documentário é, em nossa perspectiva, também locus de demarcação de alteridade; para isso, recorre a estratégias que combinam a produção de polos opositivos, a singularização, a retórica testemunhal e a conversão do(s) Outro(s) em intriga. Reconhecemos que, conforme Nichols (2005, p.181-182), o documentário confere uma “expressão tangível aos valores e crenças que constroem, ou contestam, formas específicas de pertença social, ou comunidade, num determinado tempo e lugar”. Ao mesmo tempo, o entendemos como o campo no qual as imagens do Eu/Nós podem e devem ser tensionadas, articulando familiaridade e não familiaridade em processos complexos de representação.
    Para compreendermos a circulação de identidades e alteridades na cultura audiovisual, discutimos os fenômenos de representação nacional e fratura das identidades e os processos narrativos e contra-narrativos (Bhabha, 1998; Hall, 2001) daí decorrentes. Além disso, concepções como as de fronteira – espaço intersemiótico de interação (Lotman, 1998) –, tradução (Bhabha, 1998) e representação social (Moscovici, 2003) são igualmente relevantes para refletirmos sobre modos de enunciação do(s) Outro(s). A respeito da figuração de alteridade no documentário, baseamo-nos nas reflexões de Coutinho (2012), Nichols (2005) e Amado e Mourão (2013). Somamos a este debate, ainda, as obras de Said (2007; 2012) e Spivak (1997) que versam sobre o Orientalismo, a questão palestina e as condições de fala na subalternidade, assim como a discussão de políticas de justiça social ancoradas em redistribuição, reconhecimento e representação em Fraser (2002).
    Em nossa análise do corpus, observamos a articulação da infância como componente central da intriga nos dois documentários; em ambos, identificamos os elementos de ancoragem e objetivação próprios às representações sociais, que, segundo Moscovici (2003, p.61), podem ser resumidos, respectivamente, como esforço de “reduzi-las a categorias e a imagens comuns” e de “objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto”. Em “5 Câmeras Quebradas”, a experiência traumática de invasão de uma comunidade na Cisjordânia por assentamentos para colonos israelenses é depurada concomitantemente ao registro do nascimento e crescimento de Gibreel, filho do diretor Emad Burnat. “Nascido em Gaza”, por sua vez, retrata os impactos do ataque militar israelense sobre a região em 2014 na ótica de dez crianças, que relatam sua experiência em meio a bombardeios e à escassez de recursos básicos.
    Por meio da análise dos depoimentos dos sujeitos palestinos e das estratégias de representação do conflito, reconhecemos que a infância é tomada como eixo articulador de relações estéticas baseadas na retórica testemunhal, no reconhecimento e na empatia diante do Outro, efeitos potencialmente mobilizados a partir dos modos de enunciação das obras. Tais recursos, além de estarem em consonância com achados anteriores nossos sobre certo esforço de desinstrumentalização do olhar sobre a alteridade na cultura audiovisual, evidenciam como o binômio identidade-alteridade pode ser trabalhado no documentário, a fim de combinar a compreensão da dimensão humana dos conflitos à identificação dos marcadores geopolíticos que os regem e perpetuam.

Bibliografia

    AMADO, Ana; MOURÃO, Maria Dora Genis. Imagens do Sul. Rebeca, v. 2, n.2, 2013. DOI: https://doi.org/10.22475/rebeca.v2n2.308.
    BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
    COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. Projeto História, v.15, 2012.
    FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era pós-socialista. In: SOUZA, Jessé (org.). Democracia hoje. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
    HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Guaracira, 2001.
    LOTMAN, Iuri. Acerca de la semiosfera. In: La semiosfera. Vol. 1. Madrid: Cátedra, 1998.
    MOSCOVICI, Serge. Representações sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.
    SAID, Edward W. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
    ______. A questão da Palestina. São Paulo: Unesp, 2012.
    SPIVAK, Gayatri. Pode o Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.