Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Aly Brenner Nogueira Pereira (UNICAMP)

Minicurrículo

    Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pela mesma instituição cursou Graduação em História (2023). Além disso, participou de um intercâmbio acadêmico onde cursou Cinema na Universidade da Beira Interior (UBI), em Covilhã, Portugal (2022). Desde 2024, organiza cine-debates sobre história do cinema e o “Cineclube UniversIDADE” no programa de extensão UniversIDADE (UNICAMP), focado em atividades para pessoas com ou mais de 50 anos.

Ficha do Trabalho

Título

    As estátuas também vivem: restituição de máscaras por filmes africanos pós-pilhagem e morte colonial

Seminário

    (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências

Resumo

    Este trabalho parte do debate trazido pelo filme Les Statues Meurent Aussi (Resnais, Marker e Cloquet, 1953), que denuncia a pilhagem colonial das artes africanas e a sua “morte” nos museus europeus. Nos propomos a analisar três obras: You Hide Me (Owoo, 1970); Et les chiens se taisaient (Maldoror, 1978); e La Noire De (Sembène, 1966). Todas permitem pensarmos em formas cinematográficas de atos descolonizadores museológicos, restituição (de vida) e repatriação simbólica às máscaras africanas.

Resumo expandido

    Esta comunicação parte do debate trazido pelo documentário Les Statues Meurent Aussi de Alain Resnais, Chris Marker e Ghislain Cloquet, de 1953, que denuncia a pilhagem colonial das artes africanas e a sua “morte” nos museus europeus, já que os mesmos as escondem, descontextualizam e exotizam. Ainda mais ao considerarmos quão drástica é a mudança que ocorre já que as máscaras são formas simbólicas muito importantes para as expressões artísticas e religiosas de vários povos africanos, feitas com o objetivo de serem usadas, não sendo meras esculturas, mas “objetos de poder”, como coloca o nigeriano Ola Balogun (1990, p. 26-27). Assim, percebe-se a criação de uma ficção museal que naturaliza, e torna um conto de fadas da história da humanidade, a pilhagem feita por ingleses, na Expedição punitiva em 1897, dos Bronzes do Benin, atual Nigéria; ou as ocorridas nas guerras Anglo-Asante do século XIX, parte atual de Gana.
    Logo, esses museus podem e devem ser pensados como arquivos coloniais, assim como o cinema produzido na África pelos europeus durante a colonização. Já que era utilizado para propagandear a ação colonial, além de a arquivar, desde os minutos Lumière até às unidades de produção cinematográfica da África Colonial Britânica. Constituintes de um arquivo colonial que Ann Laura Stoler enxerga não só relações de poder, mas também uma arte, a das complexas tecnologias de governança (STOLER, 2018, p. 207). Movimento que muda a partir das independências desses territórios, já que os seus próprios cinemas nascem e cineastas africanos filmam sobre diversas temáticas, subvertendo o olhar cinematográfico. A grande presença de filmes que tratam sobre esse passado colonial ainda ressoante perpassa diversos aspectos, um deles são as artes africanas, em especial, as máscaras ainda presentes em diversos arquivos coloniais.
    A partir de um levantamento, foram encontrados 23 filmes de países ou de cineastas africanos, produzidos a partir desse contexto, que trazem as máscaras/esculturas africanas seja na mise en scène, ou de modo mais geral na narrativa de tais obras. Nesta apresentação, o foco será destinado a três delas: I – Roubo de mortos em You Hide Me (The Colonization of African Art in the British Museum), do ganense Nii Kwate Owoo, de 1970; II – Prisão de fantasmas em Et les chiens se taisaient, da francesa Sarah Maldoror, de 1978; e III – Restituição de vivos em La Noire De, do senegalês Ousmane Sembène, de 1966.
    Como forma de contextualizar a produção intelectual desses projetos, e mostrar suas formações, ligações e trânsitos, será significativo ressaltar que essas três intelectualidades cineastas se encontram. Sembène e Maldoror têm a mesma formação cinematográfica, ambos estudam Cinema no início da década de 1960 no Instituto Nacional de Cinematografia da União Soviética (VGIK), em Moscou, na então União Soviética (SCHEFER, 2015, p. 142). Owoo, que declara ter influência do cinema cubano (WAGNE; OWOO, 2024) e se coloca como ativista político, por sua vez, entrevista Sembène em 1989. Ambos debatem o lugar da língua nos cinemas africanos, importante tema compartilhado pelos dois (OWOO; SEMBÈNE, 2008, pp. 27-29). Assim, conseguimos traçar laços em intelectualidades cinematográficas complexas, que também são perpassadas pelo debate da arte africana.
    Baseado no recorte e na análise de tais filmes e com auxílio de uma bibliografia sobre museologia, arquivos e arte. Levanta-se a hipótese de que tais cineastas, aqui tratados com a “função-historiador” (SANTOS, 2021, p. 218-219) e como cineastas historiadores (ROSENSTONE, 1998), e de que o uso que fazem dos arquivos coloniais de museus provocam atos descolonizadores museológicos, restituição (de vida) e uma repatriação simbólica às máscaras africanas em uma longa história compartilhada dos cinemas africanos (desde década de 1960 ao século XXI).

Bibliografia

    BALOGUN, Ola. African masks: keys to the spirit world. The UNESCO Courier: a window open on the world, XLIII, 12, 1990, p. 26-27.
    BAMBA, Mahomed. Que modernidade para os cinemas africanos? In: FORUMDOC.BH.2009. Catálogo do Evento-Festival. Belo Horizonte, 2009. v. 00. p. 183-190.
    CORREA, Sílvio Marcus de Souza. As máscaras africanas na estética cinematográfica de Ousmane Sembène. A Barca, v. 1, n. 2, 24 jan. 2024.
    GONI, Marian Nur; OWOO, Nii Kwate. You Can’t Hide Me : An interview with filmmaker Nii Kwate Owoo by Marian Nur Goni. Trouble dans les collections, 2023, 4.
    KNOX, Katelyn E. A critique of the racialised and neo-colonial politics of listening: Ousmane Sembene’s La Noire de … (1966). FRENCH SCREEN STUDIES, 2021, v. 21, n. 2, pp. 104-122.
    LIMA, Diane (org.). Negros na piscina: arte contemporânea, curadoria e educação. São Paulo: Fósforo, 2023.
    SAVOY, Bénédicte. Africa’s struggle for its art: history of a postcolonial defeat. Princeton: Princeton University Press, 2022.