Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Vitor Zan (UFMS)

Minicurrículo

    Professor do curso de Audiovisual da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, UFMS. Dedicou seu mestrado, na Universidade Paris 3, à obra de Jonas Mekas. No doutorado, também pela Paris 3, concentrou-se na dimensão territorial de um vasto número de filmes brasileiros realizados entre 2005 e 2018. Coordena o projeto de pesquisa Observatório do Cinema Brasileiro e os projetos de extensão Ciclo de Cinema Brasileiro Contemporêneo e Mostra de Cinemas Indígenas de Mato Grosso do Sul. Dedica-se tamb

Ficha do Trabalho

Título

    Cenas de ócio, personagens trabalhadores

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta consiste em analisar, sob o prisma do ócio, um conjunto compósito e heterogêneo de filmes brasileiros realizados nos últimos quinze anos em que a figura do trabalhador está em destaque. Se obras como Arábia, Estou me guardando para quando o carnaval chegar, Corpo elétrico e Dias de greve demonstram franco interesse pela questão do trabalho, o que obtemos ao interrogá-las a partir do tempo livre, residual, dedicado a atividades não laborais?

Resumo expandido

    É bastante expressivo o número de ficções e documentários do cinema brasileiro recente centrados em protagonistas trabalhadores, pertencentes à “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2001). Afora os títulos mencionados no resumo, poderíamos citar A Febre, Chão de fábrica, Temporada, Que horas ela volta?, Pela janela, Vitória e tantos outros. Nesta análise, elencamos, contudo, uma noção avessa ao trabalho. Estamos particularmente interessados pelas cenas de ócio, convencidos de que “lazer e trabalho fazem parte de um mesmo binômio, em que o movimento de um afeta diretamente o movimento do outro” (SILVESTRE, 2023, p. 199). Constatamos que as mesmas obras que investem no universo do trabalho reiteram situações destoantes das fastidiosas atividades laborais. O motivo da festa, por exemplo, consta em Temporada, Corpo elétrico e Estou me guardando para quando o carnaval chegar.
    Em um filme como Arábia, o trabalhador de trecho Cristiano, por sua condição marginalizada, com passagem pela prisão, parece fadado à errância, vagando de emprego em emprego, impedido de fincar raízes. Ainda assim, há momentos de júbilo: uma cena em que Cristiano toca violão com seu primo, outra em que um grupo de trabalhadores canta Raul Seixas festivamente, bebe e fuma maconha num alojamento. Cristiano chega a participar de um grupo de teatro de operários, o que o motiva a escrever o diário que posteriormente seria utilizado para contar sua história. Na sequência de encerramento, o protagonista expressa sua lucidez em relação à violência do trabalho e reivindica o ócio: “quero ir pra casa, queria que todo mundo fosse pra casa”, “queria que a gente abandonasse tudo”, “e a gente ia tá em casa, tomando água, dormindo à tarde…”.
    No recorte temporal efetuado por uma série de roteiros, são copiosos os finais de semana, feriados, noites, ou mesmo intervalos durante o expediente. O curta-metragem Filme de domingo, como o título indica, se passa inteiramente em dia de descanso, elaborando (um pouco como Ela volta na quinta) a presença de pessoas pretas da periferia por meio de narrativa sutil, destituída de grandes nós dramáticos, apostando na beleza de afetos familiares e na atmosfera aprazível de um contexto suburbano específico.
    Igualmente eloquente em sua demarcação temporal é o curta-metragem Chão de fábrica, que se passa exclusivamente durante o intervalo de almoço de uma fábrica. O enredo está ambientado em 1979, dentro de um vestiário feminino, no qual um grupo de operárias conversa, toma sol, fala de seus desejos e, principalmente, discute sobre uma greve iminente. É justamente nesse momento de suspensão do trabalho que tanto a vida íntima quanto o debate político afloram coletivamente. Além de focalizar-se em mulheres trabalhadoras, como faz também Vitória, Pela janela e, em certo sentido, Temporada, Chão de fábrica reivindica a participação feminina nas greves históricas do ABC, no ocaso dos anos 1970.
    É curioso notar a ínfima a presença de trabalhadores “uberizados”, que tendem a promover maior fusão entre vida e trabalho. Exceção seja feita para Estou me guardando para quando o carnaval chegar, onde a busca por melhor remuneração nas “facções” de jeans de Toritama (PE) justifica o prolongamento extremo da jornada de trabalho e a desregulamentação dos direitos trabalhistas. Aqui, efetivamente quase não há brechas para o lazer ou o descanso. Porém, a festa e o ócio, na forma do carnaval, norteiam o olhar crítico do cineasta em toda a parte final da narrativa, adquirindo centralidade também através do título do filme.
    A fim de delinear linhas de força na cinematografia brasileira dos últimos quinze anos, efetuaremos agrupamentos e comparações entre filmes, discutindo as elaborações cinematográficas do ócio e suas relações com processos de subjetivação e socialização que implicam críticas ao mundo do trabalho.

Bibliografia

    ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2001.
    MASSALI, Maurício. Imagens recorrentes do operário brasileiro: montagens em dois tempos de cinema. Tese de doutorado, PUC-RS, 2023.
    RANCIÈRE, Jacques. A Noite dos Proletários: arquivos do sonho operário. Cia. das Letras, 1988.
    RODRIGUES, Michele. Figurações do trabalho no cinema de ficção brasileiro do século XXI: permanências e atualizações. Tese de doutorado, PUC-RJ, 2023.
    SILVESTRE, Bruno. “Eu trabalho no meu tempo livre”: lazer e cotidiano sob a uberização — quando o trabalho toma conta da vida. Tese de doutorado, Unicamp, 2023.
    SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2019.
    WAICHMAN, Pablo. Tempo livre e recreação: um desafio pedagógico. Papirus, 1997.