Ficha do Proponente
Proponente
- Vitor Zan (UFMS)
Minicurrículo
- Professor do curso de Audiovisual da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, UFMS. Dedicou seu mestrado, na Universidade Paris 3, à obra de Jonas Mekas. No doutorado, também pela Paris 3, concentrou-se na dimensão territorial de um vasto número de filmes brasileiros realizados entre 2005 e 2018. Coordena o projeto de pesquisa Observatório do Cinema Brasileiro e os projetos de extensão Ciclo de Cinema Brasileiro Contemporêneo e Mostra de Cinemas Indígenas de Mato Grosso do Sul. Dedica-se tamb
Ficha do Trabalho
Título
- Cenas de ócio, personagens trabalhadores
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- A proposta consiste em analisar, sob o prisma do ócio, um conjunto compósito e heterogêneo de filmes brasileiros realizados nos últimos quinze anos em que a figura do trabalhador está em destaque. Se obras como Arábia, Estou me guardando para quando o carnaval chegar, Corpo elétrico e Dias de greve demonstram franco interesse pela questão do trabalho, o que obtemos ao interrogá-las a partir do tempo livre, residual, dedicado a atividades não laborais?
Resumo expandido
- É bastante expressivo o número de ficções e documentários do cinema brasileiro recente centrados em protagonistas trabalhadores, pertencentes à “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2001). Afora os títulos mencionados no resumo, poderíamos citar A Febre, Chão de fábrica, Temporada, Que horas ela volta?, Pela janela, Vitória e tantos outros. Nesta análise, elencamos, contudo, uma noção avessa ao trabalho. Estamos particularmente interessados pelas cenas de ócio, convencidos de que “lazer e trabalho fazem parte de um mesmo binômio, em que o movimento de um afeta diretamente o movimento do outro” (SILVESTRE, 2023, p. 199). Constatamos que as mesmas obras que investem no universo do trabalho reiteram situações destoantes das fastidiosas atividades laborais. O motivo da festa, por exemplo, consta em Temporada, Corpo elétrico e Estou me guardando para quando o carnaval chegar.
Em um filme como Arábia, o trabalhador de trecho Cristiano, por sua condição marginalizada, com passagem pela prisão, parece fadado à errância, vagando de emprego em emprego, impedido de fincar raízes. Ainda assim, há momentos de júbilo: uma cena em que Cristiano toca violão com seu primo, outra em que um grupo de trabalhadores canta Raul Seixas festivamente, bebe e fuma maconha num alojamento. Cristiano chega a participar de um grupo de teatro de operários, o que o motiva a escrever o diário que posteriormente seria utilizado para contar sua história. Na sequência de encerramento, o protagonista expressa sua lucidez em relação à violência do trabalho e reivindica o ócio: “quero ir pra casa, queria que todo mundo fosse pra casa”, “queria que a gente abandonasse tudo”, “e a gente ia tá em casa, tomando água, dormindo à tarde…”.
No recorte temporal efetuado por uma série de roteiros, são copiosos os finais de semana, feriados, noites, ou mesmo intervalos durante o expediente. O curta-metragem Filme de domingo, como o título indica, se passa inteiramente em dia de descanso, elaborando (um pouco como Ela volta na quinta) a presença de pessoas pretas da periferia por meio de narrativa sutil, destituída de grandes nós dramáticos, apostando na beleza de afetos familiares e na atmosfera aprazível de um contexto suburbano específico.
Igualmente eloquente em sua demarcação temporal é o curta-metragem Chão de fábrica, que se passa exclusivamente durante o intervalo de almoço de uma fábrica. O enredo está ambientado em 1979, dentro de um vestiário feminino, no qual um grupo de operárias conversa, toma sol, fala de seus desejos e, principalmente, discute sobre uma greve iminente. É justamente nesse momento de suspensão do trabalho que tanto a vida íntima quanto o debate político afloram coletivamente. Além de focalizar-se em mulheres trabalhadoras, como faz também Vitória, Pela janela e, em certo sentido, Temporada, Chão de fábrica reivindica a participação feminina nas greves históricas do ABC, no ocaso dos anos 1970.
É curioso notar a ínfima a presença de trabalhadores “uberizados”, que tendem a promover maior fusão entre vida e trabalho. Exceção seja feita para Estou me guardando para quando o carnaval chegar, onde a busca por melhor remuneração nas “facções” de jeans de Toritama (PE) justifica o prolongamento extremo da jornada de trabalho e a desregulamentação dos direitos trabalhistas. Aqui, efetivamente quase não há brechas para o lazer ou o descanso. Porém, a festa e o ócio, na forma do carnaval, norteiam o olhar crítico do cineasta em toda a parte final da narrativa, adquirindo centralidade também através do título do filme.
A fim de delinear linhas de força na cinematografia brasileira dos últimos quinze anos, efetuaremos agrupamentos e comparações entre filmes, discutindo as elaborações cinematográficas do ócio e suas relações com processos de subjetivação e socialização que implicam críticas ao mundo do trabalho.
Bibliografia
- ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2001.
MASSALI, Maurício. Imagens recorrentes do operário brasileiro: montagens em dois tempos de cinema. Tese de doutorado, PUC-RS, 2023.
RANCIÈRE, Jacques. A Noite dos Proletários: arquivos do sonho operário. Cia. das Letras, 1988.
RODRIGUES, Michele. Figurações do trabalho no cinema de ficção brasileiro do século XXI: permanências e atualizações. Tese de doutorado, PUC-RJ, 2023.
SILVESTRE, Bruno. “Eu trabalho no meu tempo livre”: lazer e cotidiano sob a uberização — quando o trabalho toma conta da vida. Tese de doutorado, Unicamp, 2023.
SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2019.
WAICHMAN, Pablo. Tempo livre e recreação: um desafio pedagógico. Papirus, 1997.