Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Bernard Belisário (UFSB)

Minicurrículo

    Professor e pesquisador da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Ficha do Trabalho

Título

    Oficinas de Montagem e Cinema Ayoreo

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    Neste trabalho pretendemos apresentar algumas reflexões em torno do processo de montagem que realizamos no Paraguai com Mateo Sobode Chiqueno em 2016, e que resultou no documentário “Ujirei” (2020). A oficina de montagem fez parte do Projeto de Vídeo Ayoreo, desenvolvido e coordenado pelo antropólogo Lucas Bessire em colaboração com líderes do povo Ayoreo e com o Vídeo nas Aldeias.

Resumo expandido

    Nas últimas décadas, vimos surgir em todo o continente uma diversidade de filmes produzidos por coletivos e realizadores nativos. Pioneiro no desenvolvimento de oficinas de formação e realização junto a comunidades indígenas no Brasil, o projeto Vídeo nas Aldeias transformou radicalmente o imaginário sobre os povos indígenas no cinema e a própria posição do seu espectador, produzindo um “olhar descolonizador” (Stam, 2023). A extensa produção acadêmica e crítica sobre esses filmes “indígenas” são o resultado de um interesse crescente entre espectadores e pesquisadores dos mais diversos campos do conhecimento.

    Uma boa parte das reflexões sobre a metodologia e os dispositivos de realização fílmica criados junto às aldeias para esse tipo produção colaborativa vem sendo realizada pelos próprios colaboradores do Vídeo nas Aldeias em suas publicações (Araújo, 2011; Corrêa, 2004) e em entrevistas (Moraes, 2017), e mais recentemente pelos próprio realizadores indígenas (Tserewahú & Belisário, 2018). Se por um lado a dimensão corporal da mise-en-scène e das relações filmadas acabam por interessar investigações sobre os processos e escolhas da etapa de filmagem, as oficinas de edição e montagem ainda carecem de abordagens que possam dar a ver uma dimensão extremamente complexa e fundamental do processo de produção junto às comunidades.

    Neste trabalho pretendemos apresentar algumas reflexões em torno do processo de montagem que realizamos no Paraguai com Mateo Sobode Chiqueno em 2016. A oficina de montagem fez parte do Projeto de Vídeo Ayoreo, desenvolvido e coordenado pelo antropólogo Lucas Bessire em colaboração com líderes do povo Ayoreo e com o Vídeo nas Aldeias (Bessire & Belisário, 2021).

    A oficina de filmagem aconteceu em agosto de 2015 em diferentes aldeias do povo Ayoreo na região do Chaco. Oito meses depois, em abril de 2016, viajamos ao Paraguai para trabalhar com as equipes das aldeias na montagem do material que havia sido filmado na primeira oficina. A montagem aconteceu em uma casa alugada no município de Loma Plata/BQ, uma colônia agropecuária Menonita ao norte do Paraguai, localizada a uma distância que nos possibilitava chegar de caminhonete às aldeias dos participantes.

    Quando Mateo Sobode chegou em Loma Plata para começar a editar, nossas expectativas eram bastante baixas. O material que ele havia gravado durante a oficina de filmagem em 2015 não era muito inspirador. Mas para nossa surpresa Sobode trouxe consigo uma pilha de cartões SD cuidadosamente embrulhados, repletos de dezenas de horas de filmagens que ele havia realizado por conta própria desde o fim da oficina de filmagem. Suas novas imagens foram uma revelação. O resultado dessa empreitada é o filme “Ujirei” (2020), que acabou recebendo Menção Especial na 8ª edição do Prêmio Anaconda.

    As filmagens que Sobode trazia apresentavam um mundo estilhaçado. Nosso desafio foi então montar um filme que jamais chegaria a se constituir como uma unidade coesa, organizada. Pelo contrário, os cortes e articulações que Sobode sugeria construíram sentidos extremamente conflitantes – como o intervalo entre discurso cínico do mediador paraguaio, e os velhos Ayoreo famintos na aldeia – que pareciam evocar uma dimensão crítica através do choque entre os planos (Eisenstein, 2002). Por outro lado, certos planos e sequências transformavam não só o sentido direto entre planos pelo choque, como também no conflito com o todo do filme – como a sequência em que sua família assa e come o tatu, a metáfora que Sobode vinha construindo através do mito de referência, a história do tatu (Ayoreo) que enganou a onça (os brancos) – nos modos de uma “montagem a distância” (Paleshyán, 2011). Nosso objetivo com esse trabalho é então explorar algumas dessas figuras de montagem que surgiram na ilha de edição e no filme.

Bibliografia

    ARAÚJO, Ana Carvalho Ziller (org.). Vídeo nas Aldeias 25 anos: 1986-2011. Olinda: Vídeo nas Aldeias, 2011.

    BESSIRE, Lucas & BELISÁRIO, Bernard. “Visualizing a Post-Apocalypse: Notes on New Ayoreo Cinema”. Revista Tipití, San Antonio, v. 17, n. 1, p. 16-35, jan/dez 2021.

    CORRÊA, Mari. “Vídeo das Aldeias”. Catálogo da Mostra Vídeo nas Aldeias – um olhar indígena. Rio de Janeiro: CCBB, 2004.

    EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

    FAROCKI, Harun. Desconfiar de las imágenes. Buenos Aires: Caja Negra, 2020.

    MORAES, Fabiana. “A luta do cinema indígena”. Revista Zum (IMS), n. 12, São Paulo, 2017.

    PELESHYÁN, Artavazd. Teoría del montaje a distancia. México: UNAM, 2011.

    STAM, Robert. Indigeneity and the Decolonizing Gaze: Transnational Imaginaries, Media Aesthetics, and Social Thought. Londres: Bloomsbury, 2023.

    TSEREWAHÚ, Divino & BELISÁRIO, Bernard. “Eu, um cineasta”. Revista Devires, Belo Horizonte, v. 15, n. 1, p. 96-121, jan/jun 2018.