Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Bogado (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social pela UFRJ, com tese sobre cinema brasileiro contemporâneo, em suas interseções com clínica e processos das artes visuais. Atua como professora substituta na mesma instituição. Como crítica de cinema tem publicações em catálogos, como o da Mostra de Tiradentes, e revistas, como Zagaia e Cinética. Fazemos da memória nossas roupas (2020), é o seu primeiro filme. Tem publicações sobre feminismos no livro Explosão Feministas (Cia. das Letras, 2018) e na Revista Eco Pós.

Ficha do Trabalho

Título

    Proposição e participação: do neoconcretismo à Adirley Queirós

Formato

    Presencial

Resumo

    Pretende-se esboçar possíveis aproximações entre procedimentos artísticos e preceitos éticos e políticos das práticas de Lygia Clark, que transitou entre as artes visuais, a clínica e a educação, com o modo de produção e distribuição da autoria presente nos processos de realização de Adirley Queirós. Investigaremos, mais precisamente, como as noções de “proposição” e de “participação”, caras ao neoconcretismo, atualizam-se na partilha estabelecida no processo do longa Era Uma Vez Brasília (2017)

Resumo expandido

    O cinema brasileiro das últimas décadas, com o barateamento da produção decorrente do uso do digital, apresenta ricas experiências de processos coletivizados que aproximam arte e vida de modo original, nos quais, para além dos filmes finalizados, importam os efeitos das experiências de realização na vida dos participantes. Aposta-se que os processos cinematográficos adquirem uma função política ao operar deslocamentos nos campos perceptivos e subjetivos dos participantes, o que potencialmente pode revelar novas formas de construir comunidade. A partir desta perspectiva, este trabalho busca investigar como as práticas e o legado conceitual do neoconcretismo brasileiro, vanguarda de arte nos anos 1960, podem oferecer ferramentas para pensarmos processos inventivos de diversos coletivos e cineastas, tendo como foco, aqui, a produção de Adirley Queirós, com destaque para a realização de Era Uma Vez Brasília (2017). Busca-se investigar como as noções de “proposição” e de “participação” dos neoconcretos ajudam a compreender as dinâmicas de produção e a distribuição da autoria na constituição desse longa.

    A trajetória Lygia Clark junto ao neoconcretismo, marca, no Brasil, a passagem da arte moderna para a arte contemporânea. Um dos pontos principais dessa transição é o deslocamento da importância da realização de produtos acabados para a proposição de processos compartilhados com pessoas comuns. Desloca-se a ênfase em público receptor para o fortalecimento das experiências e relações inter-individuais estabelecidas entre os participantes das ações artísticas (DUARTE, 2015). O artista perde o controle total da autoria das obras e passa a agir como um “propositor”, que não espera espectadores, mas busca ativamente “participantes” para realizar experiências das quais não detém ciência completa dos efeitos. Abandona-se, por fim, um paradigma “formal-artístico” (PEDROSA, 2006, p.29) para alcançar uma abordagem “estético-vital” (Idem) da arte. Aproxima-se arte e vida complexificando a fronteira entre esses dois termos.

    Embora não tenha realizado nenhum filme acabado, Lygia Clark, uma das principais propositoras do neoconcretismo, interessou-se por cinema e deixou proposições cinematográficas (realizadas depois de sua morte) e comentários sobre filmes em seus diários e correspondências. Nesses registros, percebe-se como ela relaciona os princípios de suas práticas e reflexões sobre arte com a recepção cinematográfica. Clark declara, em seus diários, a necessidade de perceber “o fazer-se” dos filmes, que não lhe interessam a partir de uma perspectiva formalista. A artista estabelece uma tensão não entre processo e produto, mas entre projeto e produto. Perturba-se com filmes que apresentam um “jogo pré-concebido” (CLARK, 2015, p. 99-100) ao espectador, em vez de mostrarem os efeitos de um processo em curso, que extrapolasse “uma visão individual da realidade” (idem), ou seja, as intencionalidades estáveis de um autor. Segundo ela, esses filmes que não apresentam “o fazer-se” não atendem a necessidade de “coletivização do indivíduo” (idem), nesse momento de questionamento da centralidade do sujeito próprio de meados do século XX. Os filmes centrados com rigidez na realização de projetos, segundo seu raciocínio, excluem a premissa ética, cara ao neoconcretismo, da arte revelar a possibilidade do “viver na base da permanente mutação” (idem), ou seja, de proporcionar experiências de subjetivação transformadoras. Diante deste repertório, indagaremos em que medida Adirley Queirós age como “propositor” e convoca seus atores e técnicos como “participantes”, criando um campo comum de experiências inaugurais que resulta em uma visão do real em algum grau coletivizada. Aposta-se que seus últimos processos de realização culminam em filmes que não apresentam um “jogo pré-concebido”, mas a densidade de um “fazer-se”, nesse infinitivo que não comporta sujeito, mas nos convida a pensar no presente de um processo que se apresenta na captura de seu fluxo.

Bibliografia

    CLARK, Lygia; OITICICA, Hélio. Cartas, 1964-74.. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.
    DUARTE, Sérgio; SCOVINO, Felipe (org.). Lygia Clark: uma retorspectiva. São Paulo: Itaú Cultural, 2015.
    GUIMARÃES, César. “Noite em Ceilândia”. In: Catálogo do forumdoc.bh 2014- Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2014.
    Queirós, 2014). XXVI Encontro da Compós, GT Fotografia, Cinema e Vídeo, São Paulo.
    QUEIRÓS, Adirley. “Entrevista com Adirley Queirós: o historiador do futuro”. [concedida a Amanda Seraphico com contribuição de Maria Bogado]. Revista Beira, 19 out. 2015.
    __________________. “Era uma vez Brasília: conversa com Adirley Queirós” [concedido a Claudia Mesquita]. In: 21º Festival do filme documentário e etnográfico – Fórum de Antropologia, Cinema e Vídeo. Catálogo do Forum Doc.BH.2017. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2017. pp. 167-174.
    PEDROSA, Mario. “A obra de Lygia Clark”. In: Lygia Clark, da obra ao acontecimento
    (catálogo). São Paulo, 2006.