Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Jéssica Faria Ribeiro (USP)

Minicurrículo

    Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) com especialização em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação) – Núcleo de Pesquisa da USP (Universidade de São Paulo). É mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da USP) e trabalha principalmente os temas: videoativismo, movimentos sociais e feminismo decolonial.

Ficha do Trabalho

Título

    Documentário e feminismo na escola de audiovisual Al Borde

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho tem como objetivo analisar como o documentário Mentiras que dan Alas (2013), produzido pela escola de audiovisual Al Borde, se relaciona com as teorias feministas decoloniais e consequentemente reforça uma posição política do coletivo. A escola acontece de forma itinerante pela América Latina e é um projeto do coletivo colombiano Mujeres Al Borde para criar, divulgar e estimular a produção de histórias audiovisuais que desafiam as ordens de gênero e sexualidade.

Resumo expandido

    Este trabalho tem como objetivo analisar o curta-documentário Mentiras que dan Alas (2013), produzido pela escola de audiovisual Al Borde, que tem como objetivo produzir e divulgar documentários autobiográficos. Portanto, interessa investigar como esse filme serve como um exemplo da estratégia do coletivo de contar histórias de mulheres e pessoas que muitas vezes são marginalizadas por seus corpos, gênero, classe social ou orientação sexual e se relaciona com o feminismo decolonial.

    No filme, Ruth Vera começa contando a história dos “Reis Magos” e o impacto que ela teve em sua infância. Ao descobrir que não se tratava de uma história real, a mentira revelada abriu caminho para a desconfiança sobre todos os ensinamentos e tradições católicas transmitidos por sua família. Na adolescência, Ruth passa a se entender como uma mulher lésbica, mas a influência de sua família católica é um conflito para que ela possa viver seus afetos e relacionamentos com outras mulheres de forma plena.

    Suspeitar e renunciar às “verdades” impostas abriu espaço para que Ruth pudesse conhecer seu corpo, as lutas feministas e o que amava. A história serve como uma reflexão sobre a influência da igreja na maioria dos países da América Latina e como esses valores morais e ideais de família são questões políticas que terão efeitos de longo prazo nas relações sociais, econômicas e culturais.

    O coletivo Mujeres al Borde foi fundado em 2001, em Bogotá, pelas ativistas Clau Corredor e Ana Lucía Ramírez. Sobre a escolha da palavra “borde” (borda), Ramírez (2018, p. 33, tradução livre) afirma que “Habitar as bordas não é uma metáfora, implica
    uma série de condições simbólicas e materiais que marcam o lugar de exclusão que ocupamos na realidade social e em muitas das comunidades a que também pertencemos”.

    Em seus princípios, o Mujeres al Borde menciona aspectos sobre raça, classe, idade, crenças e diferentes intersecções, pensando em propostas inclusivas para combater processos de dominação. Inclusive, afirma que “sem Revolução Social não há Revolução Sexual e vice-versa” e reivindica o direito de “construir identidades múltiplas, movendo-se, difundindo, emaranhadas, ou renunciando diretamente aos modos de imposições da vida” (MUJERES AL BORDE, 2020, tradução livre).

    Valendo-se das principais referências das teorias feministas do cinema, deparamos-nos com um olhar hegemonicamente eurocêntrico. As reflexões decoloniais também demarcam como o gênero vai constituir uma forma de colonialidade e de representação do outro, produzindo discursos que ofuscam a multiplicidade de vivências e relações entre e com os corpos.

    As reflexões feitas por diversas feministas negras, hispano-americanas e indígenas são de que o feminismo ocidental, formado muitas vezes apenas por mulheres brancas, de classe média, com formação universitária, torna suas demandas universais, sem considerar outras experiências e opressões. Uma das questões centrais desenvolvidas pelo coletivo, e mais precisamente, os documentários da Escola, é problematizar a noção de um sujeito feminino universal, apontando para múltiplos sistemas de opressão, que atuam simultaneamente e de forma entrelaçada (LUGONES, 2019).

    A produção audiovisual do grupo se assemelha ao cinema feminista no sentido de assumir uma postura política que tem como objetivo modificar a ordem das coisas para lutar por direitos (TORRES SAN MARTÍN, 2008, p. 108). Por um lado, o Mujeres Al Borde se engaja em uma busca por formas de ver e objetos de representação que não têm lugar no cinema convencional e, por outro, cria as condições de possibilidade para tornar visíveis os sujeitos sociais marginalizados. Os documentários da Escola permitem assim que certos sujeitos tenham acesso à autorrepresentação, embora talvez mais importante, eles permitem o acesso a outros tipos de relações e formas de desejo (CABRERA, 2019, p. 199).

Bibliografia

    CABRERA, Marta. La escuela audiovisual al borde (2011-2016): políticas de la representación y artivismo contrasexual globalizado. In: VEIGA, Ana Maria; NICHNIG, Claudia Regina; WOLFF, Cristina Scheibe; ZANDONÁ, Jair. Mundo de mulheres no Brasil. Curitiba: Editora CRV, 2019. p. 517-526.

    LUGONES, María. Rumo a um feminismo decolonial. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019. p. 357-78.

    RAMÍREZ, Ana Lucia. Lo que estos cuerpos tienen que decir: cine comunitario desde los bordes del género y la sexualidad en América del Sur. Revista La Otra Cosecha, Cine y Video Comunitario de Nuestra América, Maizal Audiovisual, 2018.

    Referências eletrônicas:
    MUJERES AL BORDE. Mujeres al Borde, 2023. Disponível em: . Acesso em: 02 de fev. de 2023.

    Filmografia:
    MENTIRAS que dan alas. Direção de Ruth Vera. Assunção: Al Borde Producciones, 2012. 6’