Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Clara Rodrigues Arbex (UNILA)

Minicurrículo

    Mestre em Estudos Interdisciplinares Latino-Americanos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Latino-Americanos da UNILA. Graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). É integrante do grupo de pesquisa ‘NATLA – Núcleo de Arte e Tecnologia Latino-americano’. Pesquisa, principalmente, sobre as possíveis relações entre cinema e memória.

Ficha do Trabalho

Título

    Disputas pela memória, disputas pelo filme

Formato

    Presencial

Resumo

    Esse trabalho tem como objeto de pesquisa os filmes 108: Cuchillo de Palo (Renate Costa, Paraguai, 2012) e Os Dias com Ele (Maria Clara Escobar, Brasil, 2013). Nesses documentários, as diretoras fazem do cinema um meio para recuperar, descobrir ou reconstruir uma memória, colocam-se em cena e expõem suas relações familiares com os entrevistados. Iremos explorar, nessas relações, como personagens disputam filme, narrativa e memória.

Resumo expandido

    Os filmes analisados aqui tratam sobre memórias dos regimes civil-militares de seus respectivos países: Paraguai e Brasil. O acesso e exposição dessas memórias e histórias não se dá de maneira simples e os documentários se constituem como espaços de disputa pela narrativa e pelo filme. Em certos momentos, esses conflitos parecem dizer respeito à mesma coisa, em outros, não. É o caso de 108: Cuchillo de Palo. Durante todo o filme, Renate e seu pai disputam a narrativa sobre o tio da diretora, Rodolfo, que é homossexual. Renate confronta o pai em diversos momentos e Pedro sempre refuta a filha, sempre usando passagens e ensinamentos da bíblia para sustentar sua posição. Renate, ao mesmo tempo que diz estar se afastando da família, preocupa-se com o pai. Para ela, a conciliação vale a pena, apesar das diferenças. Podemos nos arriscar a dizer que isso só ocorre porque, além de personagem, Pedro é seu pai. Guardadas as devidas diferenças, Renate acaba agindo como seu tio. Em uma cena em que a diretora conversa com um amigo de Rodolfo, ela pergunta o por quê de ele, mesmo tão incomodado, não tentar “fugir da família”; o amigo responde: “não é fácil romper com a família” e continua dizendo que Rodolfo sacrificou muitas coisas e preferiu ficar ali, “a cinco metros” de sua mãe. Renate preferiu não terminar seu filme com o pesado silêncio de Pedro, mas com uma tentativa de entendimento. Em Os Dias com Ele, Maria Clara questiona a ausência do pai e de uma memória familiar; Escobar responde questionando o próprio filme. Apesar da maioria dos questionamentos de Maria Clara serem sobre a vida política do pai, Escobar por vezes considera que a filha está fazendo um filme somente sobre ela. Essa constatação parece incomodar Escobar, que sempre sugere como o filme deve ser feito e relata que se o filme é sobre ele, as questões levantadas deviam ser mais públicas e não sobre a relações dos dois. Mas para Maria Clara essas duas instâncias se confundem: fazer o filme colocando o pai no lugar de personagem privado é tornar ele um personagem público. Ela quer que a sua história familiar privada tenha ressonância com a história política do país e isso confunde Escobar, que discorda do posicionamento da filha. Para ele, falar sobre essa história pública só aconteceria se as perguntas fossem direcionadas ao seu trabalho intelectual e a sua militância. Esses dois posicionamentos também entram em disputa. Mesmo dizendo respeito ao privado, as histórias familiares presentes nos filmes têm ressonância com certas memórias coletivas. Ao pensar na família como instituição, Ana Amado e Nora Domínguez (2004) apontam que os relatos familiares, que são também sociais e representacionais, contêm “as coordenadas que exibem o social e o cultural desde suas fissuras” e revelam “em seu enunciado o germe da resistência ou os dilemas de uma mudança” (AMADO e DOMÍNGUEZ, 2004, p.15-16, tradução nossa). Nos filmes, o conflito das diretoras com seus familiares é pela história da família, por algo que, a princípio, parece ser mais privado e íntimo, mas que encontra ressonância com outras histórias, semelhantes. Os personagens tentam controlar a finalidade pública dos documentários: Carlos Henrique pelo conflito direto com a diretora; Pedro, pelo silenciamento e pelo recalque, uma estratégia de controle familiar tão forte quanto as outras. Eles usam a hierarquia familiar para tentar controlar as cineastas, em maior ou menor grau, no entanto, ao final dos filmes, os papéis se transformam: Renate e Maria Clara dão a última palavra, alterando a escala de poder. Nos documentários, a hierarquia familiar se inverte. As diretoras ouvem seus parentes, mantêm os testemunhos deles nos filmes, mas suas apostas narrativas se encontram para além do familiar, no cinema.

Bibliografia

    108: CUCHILLO DE PALO. Direção e roteiro: Renate Costa. Paraguai e Espanha, 2010 (93 min).

    AMADO, Ana. Órdenes de la memoria y desórdenes de la ficción. IN: AMADO,
    Ana… [et al.]. Lazos de familia: herencias, cuerpos ficciones. 1ª ed. – Buenos Aires:
    Paidós, 2004.

    FELDMAN, Ilana. Podem os personagens secundários falar? Posição feminina no
    documentário autobiográfico face à memória da ditadura militar no Brasil. IN: ALEA |
    Rio de Janeiro | vol. 20/2 | p. 228-243 | mai-ago. 2018

    JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. SIGLO XXI DE ESPAÑA
    EDITORES, S. A. Príncipe de Vergara, 78. 28006 Madrid. En coedición con Social
    Science Research Council. 2002.

    OS DIAS COM ELE. Direção, som e fotografia: Maria Clara Escobar. Brasil, 2013 (117
    min).

    TOMAIM, Cássio dos Santos. O documentário como chave para a nossa memória
    afetiva. IN: Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação – São Paulo,
    v.32, n.2, p. 53-69, jul./dez. 2009