Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Milena de Lima Travassos (UNIAESO)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ). São seus focos de estudos: a teoria da imagem, a teoria e história da arte, a estética; dando ênfase ao audiovisual, à fotografia e às artes visuais. Artista visual ligada à fotografia, ao vídeo, à videoinstalação e à videoperformance. Professora nos cursos de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário AESO – Barros Melo – UNIAESO. Professora Substituta do IFPE, Campus Olinda, na área de Artes Visuais.

Ficha do Trabalho

Título

    Os postes: transcendência, natureza e técnica no cinema de Tarkovsky

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Cenas dos filmes O Espelho, Stalker, Nostalgia e O Sacrifício, de Tarkovsky, marcadas pela aparição de postes, são “lidas” em uma tradução criativa em que se destacam as noções de espiritual, natureza, humano e técnica. Tal leitura se atém ao que é visível e confere linguagem às cenas; portanto, à presença da direção de arte enquanto procedimento criador de atmosferas. Nesse exercício de leitura, o pensamento de Benjamin, Agamben e Didi-Huberman, somaram-se ao de Inês Gil, e foram essenciais.

Resumo expandido

    Quatro filmes d do diretor russo Andrei Tarkovsky: O Espelho, 1975, Stalker, 1979, Nostalgia, 1983 e O Sacrifício, 1986, constituem meu campo de pesquisa. Mais especificamente, algumas cenas onde aparecem postes em meio à paisagem. Elementos sutis, mas essenciais para a composição das imagens, como para o desenrolar da narrativa desses filmes. A aparição desses elementos denota uma atmosfera fílmica (GIL, 2005) onde modernidade, natureza, homem e transcendência, mesmo em conflito, visam uma relação harmoniosa. Tais questões aparecem através do que é visível nas cenas. Aspectos sensoriais mobilizaram esses conceitos. Trabalho da direção de arte conferir visualidade às ideias almejadas pela direção.
    As palavras escritas aqui, exercem uma ação criadora e destruidora; uma espécie de tradução (BENJAMIN, 2009). Para criar algo, é necessário perceber o que é latência no objeto observado, o que nele está esquecido ou não dito verbalmente. A exemplo, na cena final do filme O Espelho, um solitário poste, ao lado de uma mulher e em meio a uma paisagem bucólica, sugere a forma de uma cruz, sugere a presença do divino. Imagens da natureza imemorial e do homem histórico se misturam. Os postes, frutos da técnica, da modernidade, insistem em fazer sua aparição em meio à natureza e próximo à figura humana. Os objetos em questão denotam a presença do mundo moderno. Espécie de emblema do avanço da “civilização”, do urbano, do “progresso”.
    Stalker, filme percurso, tem como principais personagens o Stalker, o Escritor e o Professor. Os três percorrem um lugar chamado Zona. Ambiente misterioso onde a natureza encontra refúgio. A cena de chegada na Zona nos mostra vários postes robustos caídos no solo. Estão com sua fiação rompida, com sua estrutura tomada por uma crosta de lodo, crosta de tempo. Estão sob efeito da gravidade melancólica presente nesses três homens cansados. Despencados no solo, são utensílios da vida ativa agora sem qualquer serventia, ou apensa enquanto objetos de ruminação (BENJAMIN, 2009). Esses postes são emblemas de um mundo moderno em vias de extinção.
    Tal qual O Espelho, Nostalgia também nos revela esses objetos em sua cena de abertura. Um carro negro percorre a paisagem enevoada de uma Itália melancólica (CHION, 2007), ao seu lado, observamos uma sequência de postes. Encobertos por uma névoa densa, surgem no quadro, o atravessam e somem dele lateralmente. Seu tom cinza-esverdeado colore cada coisa que dela participa. Faz novamente do poste um vestígio secular sem lhe dar qualquer ênfase.
    Em O Sacrifício, último filme de Tarkovsky, é a chegada de um dos convidados, Otto, – o carteiro-mensageiro – à festa de aniversário de Alexander, que marca a aparição desses objetos. Otto empurra sua bicicleta por um caminho de grama baixa, poucas árvores e céu acinzentado. Percurso que leva até a casa do aniversariante. O carteiro traz com ele seu presente. Ao seu lado, uma fileira de postes o acompanha. O enquadramento aberto desse plano faz com que a terra e o céu sejam o fundo dessas estruturas retilíneas. Os postes, divididos ao meio pela paisagem, comungam do encontro entre a terra e o céu. No decorrer de todo o filme, vemos uma série de imagens em equilíbrio. Espécies de yin e yang. Novamente, técnica, homem e transcendente exibem suas diferenças, mas, através de elementos materiais e visuais, contribuem para o desenrolar de uma narrativa comprometida em afirmar a urgência de diminuir a distância entre eles. O caráter, a atmosfera desse filme, afirmam a ideia de harmonia. A relação entre imagens, enquadramentos, ritmos, cores, configuram um espaço energético, composto por forças visíveis e invisíveis, que desencadeiam sensações e afetos. (GIL, 2005). São imagens da arte que potencializam e não apaziguam de todo os contrastes mundanos e espirituais expostos por elas. Escolha conceitual de Tarkovsky, escolha material e visual da direção de arte.

Bibliografia

    AGAMBEN. Giorgio. Ideia da prosa. Trad. João Barrento. Lisboa: Cotovia, 1999.
    ANTELO, Raúl. Potências da imagem. Chapecó: Argos, 2004.
    BENJAMIN, Walter. Ensaios reunidos: Escritos Sobre Goethe. São Paulo: Ed. 34, 2009.
    CHION, Michel. Andreï Tarkovski – Collection Grands Cineastes. Paris: Cahiers du cinema, 2007.
    DELEUZE, Gilles. O que é o ato de criação? In: DUARTE, Rodrigo (org). “O belo autônomo – Textos clássicos de estética”. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem: Questões colocadas ao fim de uma história da arte. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 2013.
    GIL, Inês. A atmosfera no cinema: O caso de A sombra do caçador de Charles Laughton entre o onirismo e realismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
    PERNIOLA, Mario. Desgostos: novas tendências estéticas. Trad. Davi Pessoa Carneiro. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.
    TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010.