Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Emylinn Fernanda Tostes Lobo (UFSC)

Minicurrículo

    Emy Lobo é diretora, fotógrafa e mestranda em Crítica Feminista e Estudos de Gênero, no depto. de Literatura da UFSC. Desde 2013 atua como ativista audiovisual em coletivos pela democracia, cultura e cinema feito por mulheres. Colaboradora do Mídia Ninja, fez em 2016 seu primeiro filme, em uma viagem sozinha de mochilão em Cuba, onde refletia com outras mulheres sobre política, capitalismo, latinoamérica e feminismo. Atualmente se dedica a pensar futuros possíveis a partir do Sul Global Cuír.

Ficha do Trabalho

Título

    Fracasso, coletividade e outros futuros a partir da vivência cuír

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Para quem já é o próprio fracasso, a construção de um futuro decolonial que não cabe na lógica cisheteronormativa capitalista vigente (Halberstam, 2020) já é tecida artesanalmente e de forma coletiva. Esse trabalho reflete sobre o pós-fracasso a partir da resistência de corpos marginalizados queers no cinema brasileiro, em especial a cantora travesti preta periférica Linn da Quebrada (Bixa Travesty, 2018), e a personagem ficcional transexual Rose (Os Primeiros Soldados, 2022).

Resumo expandido

    Não temos saco para bancar o herói. Tampouco precisamos de um falo para “o chamado à aventura”. A primeira pessoa pode cair bem na Jornada do Herói, mas quem não se encaixa na cisheteronormatividade patriarcal capitalista aprende desde cedo a não ser a 1ª nem a 2ª, mas a 3ª pessoa, o outro. Ou melhor, outros, plural. Assim, faloamos nós, comunidade cuír. Falamos e falhamos, como eu agora ao iniciar um ensaio acadêmico com uma voz na qual me incluo.
    A falha não é um lugar estranho para pessoas LGBTQIA+, como lembra Halberstam em A Arte Queer do Fracasso (Cepe, 2020). Este trabalho propõe uma dança por vias sem ponto de chegada, caminhos que fogem ao sucesso, traçados pelas margens cuírs do Sul Global. De primeira, vemos o documentário Bixa Travesty, protagonizado pela cantora travesti preta Lina Pereira, junto com outras falas e performances de Linn da Quebrada, além de outras obras protagonizadas por pessoas LGBTQIA+, como por exemplo a personagem Rose (Os Primeiros Soldados, 2022).
    Nessa desbravação de outros futuros, Lina é voz fundamental de vivências coletivas cuír e transvestigênere. Em suas letras, a identidade travesti se impõe como uma característica basal, que funda os alicerces de uma obra artística indissociável de tal identidade de gênero, que é nativa e exclusiva do contexto histórico, cultural e social latino-brasileiro. Linn da Quebrada convida todes a “enviadescer”, subverte o o sistema patriarcal heteronormativo entoando a inutilidade do falo e do homem cisgênero. Como uma resposta às várias formas de violentar e “ajustar” pessoas cuírs, Linn exalta o afeminado, que resiste à lógica patriarcal, que não mascara a sua existência. Enquanto a sociedade tenta enquadrar e masculinizar, ela inicia um chamado para enviadescer.
    Em 2022 a artista foi confirmada como participante do reality show de maior audiência da televisão brasileira, o Big Brother Brasil. A partir de janeiro deste ano, o mesmo país que elegeu para a presidência o LGBTfóbico Jair Bolsonaro era obrigado a conviver com Linn da Quebrada. Vídeos, falas, imagens e informações sobre uma travesti preta artista que não estava em situação de vulnerabilidade ou violência estampavam o horário nobre do maior canal de televisão, além de ocupar espaços em inúmeros sites, redes sociais, conversas, revistas e mídias do país. Isto durou 84 dias. Lina conseguiu se consolidar como artista, referência, voz e ativista da causa transvestigênere, ocupando um espaço que não existia no imaginário e mercado da cultura pop de massa brasileira sem, para isso, esconder ou camuflar sua origem, lutas e subjetividades e, pelo contrário, fazendo questão de colocá-las em pauta.
    “Sou complexa, sou contraditória. Trabalho com o erro, com a falha, com o fracasso. Eu sou o fracasso. Eu fracassei. Sou o fracasso de tudo aquilo que esperavam que eu fosse. Não sou homem nem sou mulher, sou travesti” (QUEBRADA, 2022).
    Assim como destaca Lina, pessoas queer/cuir, não-brancas, pobres, mulheres e outras que se encontram à margem da sociedade já partem de um lugar de insucesso da lógica capitalista patriarcal que coloca a família heterossexual cisgênera economicamente ativa como sinônimo de êxito.
    No país que permanece há 13 anos no pódio de lugar que mais mata pessoas trans e travestis no mundo (Transgender Europe, 2021), uma artista travesti estava 24 horas por dia no ar sem que fosse em noticiários de violência ou morte. “Nós que tantas vezes somos expulsas de nossas casas, estávamos no lar de tantas famílias” (LINN, 2022).
    Sem ter a pretensão de esgotar as análises sobre a obra e a trajetória de Lina Pereira, este trabalho pretende refletir sobre existências, obras e pensamentos de artistas cuírs do Sul Global que criam narrativas outras que refletem a diversidade de vivências e incentivam a busca por alternativas ao sistema cisheteropatriarcal capitalista.

Bibliografia

    ALBUQUERQUE, GG. “Utilizo muito a palavra como feitiço”. Revista Continente, Edição 259. Cepe Editora, Julho de 2022.
    ACOSTA, Alberto. O Bem Viver. São Paulo: Editora Elefante, 2016.
    ANZALDÚA, Glória. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 1987.
    BIXA Travesty. Direção: GOIFMAN, K. e PRISCILA, C. Brasil: Válvula Produções, 2018.
    BRANDÃO, A.; SOUSA, R. Corpas-enqueerzilhadas e alianças insólitas no cinema brasileiro. Revistas Visuais. Vol.07, nº13, 2021.
    HALBERSTAM, Jack. A Arte Queer do Fracasso. Pernambuco: CEPE, 2020.
    PAJUBÁ. Linn da Quebrada, SP: Sentidos Produções, 2017.
    PRECIADO, Paul. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”.
    TRAVA Línguas. Artista: Linn da Quebrada. SP: Independente, 2021.
    YORK, S. W. et al. Manifestações textuais (insubmissas) travesti. Rev. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, 2020.