Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Anderson Luis Ribeiro Moreira (PPGCine/UFF)

Minicurrículo

    Anderson Moreira é doutor em Cinema e Audiovisual pela UFF, onde defendeu em 2022 a tese: Poéticas da posse: apropriações de super-heróis pelo audiovisual brasileiro. É formado em Cinema e Audiovisual pela mesma instituição e mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo IPHAN. Atua como indigenista na FUNAI, acompanhando ações educativas e culturais de povos indígenas localizados na região do rio Tapajós, Pará.

Ficha do Trabalho

Título

    A estética posseira de filmes brasileiros no multiverso proprietário

Formato

    Presencial

Resumo

    Ao fazer um contraponto entre obras audiovisuais brasileiras que se apropriam de conteúdos proprietários, em particular de super-heróis, com filmes estadunidenses contemporâneos, procuraremos afirmar uma estética posseira dos primeiros em face de uma estética proprietária dos últimos. Para isso, balizamos o modus operandi dessas práticas apropriadoras em certa tradição teórica da antropofagia brasileira, particularmente no conceito de “posse contra propriedade”.

Resumo expandido

    Nessa comunicação, partiremos da centralidade da propriedade intelectual (PI) como aquilo que dá forma a um novo tipo de relação de produção contemporânea, que faz da informação propriedade privada (WARK, 2019). Hoje as propriedades intelectuais, particularmente no cinema de super-heróis estadunidenses, são ridiculamente abundantes. Nesse horizonte, articulamos duas constelações erráticas de filmes brasileiros que tomam posse de conteúdos pop desse multiverso super-heroico proprietário para colocá-los em outras relações est/éticas. Também relacionamos essas constelações com um grupo de filmes hollywoodianos que usam PIs de maneiras completamente diferentes.

    Escolhemos falar de filmes com super-heróis dado que esse é um terreno fértil para refletir sobre a produção de subjetividades e sobre a centralidade da propriedade intelectual no mundo cinematográfico atual. Na primeira constelação de filmes brasileiros, o gesto apropriador ressaltado coloca os super-heróis em confrontos com forças policiais brasileiras. Na segunda, utiliza-os para falar de (re)existências queer. É no contraponto que essas constelações fazem por dentro do multiverso de conteúdos proprietários que esse trabalho se localiza.

    Dessa forma, colocamos em relação essas duas constelações de filmes brasileiros com três filmes hollywoodianos repletos de PIs. Homem-Aranha: sem volta para casa (2021), Jogador número 1 (2018) e Free Guy (2021) trazem para o seu cerne um infindável estoque de imagens e sons proprietários, incluindo super-herois. Os três filmes trazem, ainda, a ideia de multiverso: no primeiro caso, de forma mais explícita, e no caso dos outros dois, através das infinitas possibilidades trazidas pelas coexistências de distintas PIs e o mundo real. Porém, contraditoriamente, se o multiverso se propõe como uma abertura para infinitos mundos possíveis, percebemos que aqui seus alcances são limitados. Quando as dissidências comparecem nesses filmes, elas são, geralmente, comodificadas, ou trazidas para o Mesmo.

    Neles, as PIs, vistas aqui como citações neutralizadas, pipocam em suas cenas como forma de captar a cognição de espectadores nostálgicos num jogo entre diegese e extradiegese que pouco faz além de chamar atenção para a propriedade em si. Um dos prazeres da experiência espectatorial de um grande número de blockbusters contemporâneos é exatamente a capacidade de identificar referências jogadas quase a esmo. Nos filmes Jogador… e Free Guy, os protagonistas se tornam ainda os “donos de seus mundos” e a narrativa se encerra com eles em relacionamentos heterossexuais. Assim, os filmes reafirmam a manutenção dos tempos e espaços da propriedade casados com os da heterossexualidade. A profusão de PIs, e o conhecimento sobre elas, torna-se apenas mais um meio para alcançar o sucesso individual.

    Diante desse multiverso proprietário, como se posicionam as constelações erráticas dos filmes brasileiros? A partir do conceito antropofágico de “posse contra a propriedade” (ANDRADE, 1976; NODARI, 2008), aventamos a ideia de uma estética posseira dos filmes e vídeos brasileiros contra uma estética proprietária dos filmes hollywoodianos. A estética posseira seria aquela que delira os possíveis usos da propriedade intelectual apropriada, que pode explorar intensidades inéditas a partir do seu saque. Pode tensionar as imagens heroicas, colocando-as em confronto com o conservadorismo e a violência policial brasileira, como no caso de Hitler III Mundo (1968), SuperOutro (1989) e com o personagem/performance Batman Pobre (2013). Pode também criar espaços e tempos queer, em contraposição ao tempo linear da propriedade privada e da família heteronormativa, como em Inferninho (2018), Batguano (2014), entre outros. Em vez de relações de propriedade que esvaziem o mundo de suas indeterminações, identificamos relações de posse, de grilagem, que destravam devires e constroem outras possibilidades de mundo. É na potência dessa poética da posse que apostamos.

Bibliografia

    AGUILAR, Gonzalo. Por uma ciencia del vestigio errático (Ensayos sobre la antropofagia de Oswald de Andrade). Buenos Aires: Grumo, 2010.

    ANDRADE, Oswald. Schema geral ao Tristão de Athayde. Revista de Antropofagia. Ano 1, n. 5, set. de 1928. Edição fac-similar. São Paulo: Metal Leve, 1976.

    GLISSANT, Édouard. Poética da relação. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

    NODARI, Alexandre. Um antropófago em Hollywood. Oswald espectador de Valentino. Anuário da Literatura, Florianópolis, p. 16-26, jul. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/5471. Acesso em: 19 jul. 2020.

    SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, São Paulo, n. 45, p. 153-165, set-dez 2020. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/44673/33173. Acesso em 22 dez. 2020.

    WARK, Mackenzie. Capital is dead: is this something worse? [recurso eletrônico]. London; New York: Verso, 2019.