Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcos Antonio de Lima Junior (UAM)

Minicurrículo

    Mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi e doutorando em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi. Atua como professor e coordenador do curso de graduação em Design de Animação no SENAC Lapa Scipião. Também é professor nas disciplinas Direção e Narrativa Audiovisual no curso de pós-graduação em Direção de Arte Audiovisual e Estética do Cinema no curso superior de tecnologia em Fotografia, ambos no SENAC. Interessa-se por surrealismo, insólito e estudos sobre análise fílmica.

Ficha do Trabalho

Título

    Atlanta e o espaço onírico: a negritude entre o arquétipo e o surreal

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    O artigo visa compreender como a série Atlanta cria experiências que aproximam a audiência da vivência insólita dos corpos negros. O meio de construir essa experiência reside no conceito do espaço onírico, que se encontra no limiar entre o cinema surrealista de Luis Buñuel e o cinema arquétipo de Maya Deren, que possibilita a construção de narrativas que permitem ao espectador uma análise da realidade por meio de uma lente onírica que subverte a realidade em um produto audiovisual televisivo.

Resumo expandido

    O objetivo do trabalho é analisar Atlanta (2016-2022), uma série de televisão estadunidense do gênero híbrido drama e comédia conhecido como “dramédia”, criada e estrelada por Donald Glover, produzida e exibida pelo canal FX. A série apresenta a história de dois primos que sonham em se destacar no cenário do rap da cidade de Atlanta em um esforço para melhorar suas vidas e as vidas de suas famílias. Essa é a premissa inicial da série, que trabalha temas como: raça, paternidade, violência e fama; sempre apresentados pela lente do onirismo e do surreal. Em muitas das situações apresentadas nos episódios o riso que vem da comédia é gerado pelo absurdo das situações em que as personagens estão, e esse riso é precedido pela tristeza dessa mesma situação. A lente do surreal e do estranho potencializa as lutas nos caminhos que os protagonistas travam para conquistarem um espaço na sociedade.
    A série busca gerar diferentes sensações usando do insólito e do ambiente surreal, propondo a audiência experimentar, a partir de sua narrativa que, ao mesmo tempo, se aproxima e subverte o modelo clássico, a perspectiva de um corpo negro, se posicionando em uma zona que se coloca entre o limiar do cinema surrealista, como aquele feito pelo diretor Luis Buñuel, que trabalha o mistério e o fantástico, e o cinema arquetípico desenvolvido por Maya Deren, que dialoga com a audiência por meio de uma experiência mitológica. Criando assim o espaço onírico, um ambiente que produz narrativas que se utilizam do estranhamento e da familiaridade para colocar os espectadores em contato com a realidade da negritude, que está pautada pelo estranho: ter uma cor diferente pode gerar terror em outros e dos outros em relação a si ou mesmo estar em um “não-lugar” na sociedade por causa da cor da sua pele, desse modo o insólito é vivido pelos corpos negros desde o seu nascimento. De acordo com W.E.B Dubois (2021) o negro vive em uma espécie de consciência dupla onde é um negro e um cidadão do país em que enxerga a si mesmo pela régua de um mundo que se diverte em vê-lo com desprezo e pena. Essa dualidade do indivíduo, essas “duas almas, dois pensamentos, duas lutas inconciliáveis; dois ideais em disputa em um corpo escuro, que dispõe apenas de sua força obstinada para não se partir ao meio.” (DUBOIS, 2021, p.23,).
    Para fundamentar a proposta do espaço onírico como possibilidade audiovisual, os estudos de Ismail Xavier (2005, 2018) sobre o cinema surrealista de Buñuel e o cinema experimental proposto por Deren, são de extrema importância para fundamentar o uso da linguagem cinematográfica como gerador de experiências a partir da tela. Do mesmo modo, os escritos da própria Maya Deren (2012) sobre o modo como usa o cinema, dão pistas de como a realidade pode ser usada para gerar experiências que transcendam a tela e permitam aos espectadores alcançar uma outra percepção do mundo. Mesmo se tratando de estudos da linguagem e usos do cinema, podem ser aplicados para as séries televisivas, essa adaptação pode ser feita pelos estudos de Jean-Pierre Esquenazi (2011) e Jeremy Butler (2010) que mostram os estilos e formas que a séries se utilizam das linguagens cinematográficas, criando seu próprio modo de apresentar suas narrativas ao público, assim como os estudos do surrealismo e do afro-surrealismo podem fornecer mais possibilidades do uso do onirismo nesse universo proposto em Atlanta.
    Mesmo se tratando de uma etapa inicial de uma pesquisa de doutorado para buscar compreender os conceitos que permeiam o uso do estranho ou do surrealismo para criar o espaço onírico, conclui-se que a série Atlanta busca trazer uma aproximação do espectador a realidades e percepções que são permeadas pelo insólito dos corpos negros, mas que, por meio da lente do onirismo, podem permitir descobertas que trazem a possibilidade de iluminar ou mesmo questionar as construções de percepção do real na sociedade, por meio do uso das técnicas e aparatos do audiovisual.

Bibliografia

    BUTLER, Jeremy G. Television Style. Nova York/Londres: Routledge, 2010.

    DUBOIS, W.E.B. As Almas do povo negro. São Paulo: Veneta, 2021.

    DEREN, Maya. Cinema: o uso criativo da realidade. Devires, Belo Horizonte, v. 9, n. 1, p. 1-172, jan/jun 2012.

    ESQUENAZI, Jean-Pierre. As Séries Televisivas. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.

    KELLEY, Robin; ROSEMONT, Franklin. Black, brown and beige: Surrealist writings from Africa and the diáspora. Texas: Routledge, 2009.

    SPENCER, Rochelle. Afrosurrealism: The African diaspora’s surrealist ficction. New York: Routlegde, 2020.

    WILSTEIN, Matt. ‘Atlanta’ Star Donald Glover Wants to ‘Make People Feel Black Disponível em: https://www.thedailybeast.com/atlanta-star-donald-glover-wants-to-make-people-feel-black?ref=scroll. | Daily Beast, acessado em 30/06/2022.

    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

    XAVIER, Ismail. A experiencia do cinema (antologia). São Paulo: Paz e Terra, 2018.