Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Emilio Gonzalez Diez Junior (USP)

Minicurrículo

    Bacharel em Audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Mestrando em Meios e Processos Audiovisuais pela mesma instituição (bolsista CAPES), onde pesquisa, através de um estudo comparado, os cineastas Glauber Rocha e Rogério Sganzerla.

Ficha do Trabalho

Título

    O pecado original: Glauber, Sganzerla e as facetas da cultura popular

Formato

    Presencial

Resumo

    O presente trabalho discute como Rogério Sganzerla em Sem essa, Aranha (1970) trava um debate com o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Analisaremos como Sganzerla irá confrontar as ideias presentes no filme de Glauber, refutando a autenticidade como privilégio da cultura rural, e propondo a cultura popular urbana e a Umbanda como formas de resistência autênticas do oprimido.

Resumo expandido

    Na sua rearticulação do Cangaço dentro de outro arranjo temporal, Glauber irá em Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), diante da impossibilidade da concretização da teleologia da história de Deus e o Diabo na terra do sol (1964), propor a cristalização da figura sincrética de São Jorge/ Oxossi dentro da mitologia do sertão. Esse movimento aponta para uma mudança que se constata através da figura do cangaceiro. Não há mais em Coirana os elementos de força e ação presentes nos cangaceiros de outrora, trata-se de uma figura de transição. O filme marca um momento onde a cultura passa gradativamente a ocupar o protagonismo perante o processo civilizacional. Sua preservação, portanto, é elemento fundamental para a constituição possível de uma revolução futura.
    Em Dragão a força é um elemento utilizado de forma reativa. A pureza do grupo liderado pela Santa, Coirana e Antão tem a prerrogativa da justiça da história. A força e a luta de seus ancestrais não foram perdidas, mas emanam de outras formas. Antes do embate com Antônio das Mortes o grupo, em sua passagem por Jardim das Piranhas, se limitou a manifestação através do canto e da dança, a força só foi utilizada quando o carrasco de Corisco e Lampião coloca Coirana em situação onde o combate suicida é inevitável. A população no alto das montanhas canta até os últimos momentos e não revida ao ataque derradeiro de Mata Vaca e seus jagunços. Inscrito nas pedras a frase “nada como um dia depois do outro” é o provérbio que parece justificar tal comportamento, certo que as forças que emanam do povo não podem desaparecer enquanto seus mitos se mantiverem vivos.
    Em Sem essa, Aranha (1970) ocorre a finalização do processo iniciado em Dragão, o herdeiro da cultura do cangaço, Luiz Gonzaga, não carrega mais um facão fajuto, mas um instrumento musical, a roupagem combativa que Coirana ainda tentava sustentar é substituída por uma figura completamente ligada ao universo da cultura popular, o guerreiro dá lugar ao artista. E, por isso, o embate com as forças contrárias ao povo não pode ser mais nos mesmos termos. As forças antirrevolucionárias deste momento irão se utilizar da censura e formas de apagamento da cultura e da religião popular para exercer seu domínio.
    Como aponta Ismail, Glauber trabalha a articulação entre o arcaico e o moderno de maneira oposta à da tropicalista, em Glauber é a dignidade do arcaico que desautoriza o moderno (XAVIER, 2013, p. 319). Há em Dragão uma reiterada preocupação em afirmar a dignidade da cultura rural que, na trilha sonora, se traduzirá na oposição do cancioneiro popular urbano ao das canções de Oxossi e de Cosme e Damião que são entoadas à exaustão no filme. A seriedade do tratamento da última se contrapõe a uma desconfiança com relação à primeira. Mesmo um panteão de artistas urbanos de peso selecionados para a trilha sonora não serão capazes de reverter a posição de superioridade que o filme promove às representações da cultura rural. Para utilizarmos da simbologia cristã, tão cara ao filme, a modernidade em Dragão está envolta de um pecado original que o impede à ascensão.
    Sem essa, Aranha irá, em contraposição ao Dragão, romper com essa dicotomia entre a cultura rural e urbana, mais importante do que uma autenticidade lastreada pelo arcaico será a expressão da subjetividade do oprimido. Assim, quando Helena Ignez apunhala e mata Aranha, será ao som de Luiz Gonzaga que o gesto se deflagará. A música é o elemento que baliza o ato da ruptura do oprimido com seu opressor. Se em Dragão, a música cantada por Lua enquanto Laura esfaqueava seu amante, O Cheiro de Carolina, ajudava na criação do efeito da decadência dos seus personagens, aqui ela irá promover sua superação.
    A partir desta breve apresentação, propomos um trabalho comparado que possa compreender a discussão feita por Sganzerla sobre a cultura e a religião em Sem essa, Aranha a partir da reflexão sobre esses temas em Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.

Bibliografia

    BENTES, Ivana, (org.) Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das letras, 1997
    CANUTO, Roberto, (org.) Encontros: Rogério Sganzerla. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2007
    GARCIA, Estevão de Pinho, Belair e Cine Subterráneo: o cinema moderno pós-1968 no Brasil e na Argentina. Tese Universidade de São Paulo (ECA-USP), São Paulo, 2018.
    GUIMARÃES, Pedro; OLIVEIRA, Sandro de. Helena Ignez: atriz experimental. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2021.
    ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naif, 2006
    _______________ Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naif, 2004
    IGNEZ, H.; DRUMMOND, M. (org.) Tudo é brasil. Joinville: Letradágua, 2005.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. 2ª Edição. São Paulo: Brasiliense, 2013
    _____________ O Cinema brasileiro Moderno. 2ª Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001
    _____________ Sertão Mar: Glauber Rocha e a Estética da fome. 2ª Edição. São Paulo: Cosac Naif, 2007