Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    evelyn santos sacramento (UFBA)

Minicurrículo

    Evelyn Sacramento é escritora, roteirista, curadora e doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia. Sua pesquisa se concentra no cinema do continente africano e na Diáspora, com interesse particular em narrativas negras. Além disso, é co-fundadora do projeto literário e editora Lendo Mulheres Negras e associada a APAN – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro.

Ficha do Trabalho

Título

    O Atlântico enquanto poética da morte em Mati Diop

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    Os filmes Atlantique a Atantiques da cineasta franco-senegalesa Mati Diop, são separados por uma década desde o seu lançamento, ambos têm em comum o oceano enquanto metáfora da morte. O presente artigo traça um paralelo entre as aproximações e poéticas presentes na ficção e no documentário, partindo do oceano enquanto meio da ação colonial, e as novas colonialidades, através das migrações ilegais.

Resumo expandido

    O cosmograma Bakongo funciona como uma metáfora do ciclo da vida, sendo este ciclo dividido em quatro etapas que interligam o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, sendo: Musoni a concepção, Kala o nascimento, Tukula o amadurecimento, e Luvemba a morte. Sendo Kalunga a linha horizontal que separa o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, entendendo o mar como um grande cemitério a conectar mundos. Kalunga significa oceano, um portal entre dois mundos, kalunga é a ideia de imensidão que não se pode medir (SANTA, Tiganá. 2019).
    O documentário experimental Atlantique (França, Senegal, 2009) da cineasta franco-senegalesa Mati Diop, acompanha uma conversa entre Serigne e seus dois amigos, ele é um jovem senegales que viveu uma experiência traumática ao migrar para a Espanha a bordo de uma pequena lancha, no entanto ao chegar em solo Europeu, ele foi deportado para seu país. Na conversa, o jovem revela o seu desejo de partir novamente para a Espanha, em busca de uma vida melhor para a família. Mesmo revelando o perigo da travessia, ele reafirma o desejo de regressar à Espanha, porque como ele diz: “Se eu tiver que morrer, que assim seja. Você sabe porque? Não tenho nada além de poeira em meus bolsos”. Após essa fala, corta para a sequência é que nos é revelado a morte de Serigne, enquanto mostra lápides no chão, uma voz off diz: “Está escrito que Serigne morreu em 23 de dezembro de 2008… No entanto, ele faleceu no dia 21”. Em Atlantique, Serigne parte para a imensidão.
    Dez anos após o documentário Atlantique, Mati Diop lança o longa de ficção Atlantiques (Senegal, 2019). Assim como o documentário, este filme tem o oceano como personagem, Ada e Souleiman são jovens e estão apaixonados, porém ela está prometida em casamento para Omar jovem rico que voltou do exterior. Porém Souleiman parte num navio clandestino para a Europa junto com outros jovens da região, e Ada é obrigada a casar-se com Omar.
    Ao mesmo tempo, uma estranha febre toma conta das mulheres. A complexa história de amor torna-se repentinamente fantástica quando os espíritos dos homens perdidos no mar entram todas as noites nos corpos dos habitantes de Dakar em busca de vingança. Pessoas em transe com olhos brancos pedem o dinheiro que os trabalhadores não conseguiram receber em vida, e obrigam um magnata da construção a cavar suas sepulturas para que seus espíritos descansem em paz. Enquanto isso, Ada procura por seu amor, que se personifica no corpo do detetive, e tem uma última noite com sua amada, antes de partir.
    Nesta obra, Diop utiliza a poética do realismo mágico para denunciar as ações do capitalismo, a pobreza que obriga jovens africanos a partirem em embarcações ilegais para migrações na Europa. O mar funciona como um símbolo da colonização e do capitalismo e por consequência o símbolo da morte.
    Partindo do cosmograma Bakongo, que diz: tudo que está abaixo da linha Kalunga, ou seja, tudo o que está abaixo do mar é o mundo dos mortos, nesse sentido a travessia Atlântica significa uma morte em vida. Seja através do banzo que atinge Serigne e Souleman, seja através da perca de esperança, ou através da própria morte. Como diz Conceição Evaristo no poema Filhos da Rua: “O banzo renasce em mim. Do negror de meus oceanos a dor submerge revisitada esfolando-me a pele que se levanta em sóis e luas marcantes de um tempo que aqui está.”

Bibliografia

    SANTANA, Tiganá. Tradução, interações e cosmologias africanas. Cadernos de Tradução, v. 39, p. 65-77, 2020.

    PATTISON, Michal. Anywhere but Here: Close-Up on Mati Diop’s “Atlantiques” and “Snow Canon”