Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Carolina Alves Pacheco (UFSC)

Minicurrículo

    Carolina Alves Pacheco é bacharel em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina e atualmente é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Literatura pela mesma instituição na linha Crítica Feminista e Estudos de Gênero. Estuda cinema, teoria feminista e teoria queer sob orientação da Prof. Dra. Alessandra Brandão.

Ficha do Trabalho

Título

    Uma cartografia queer em “Uma Paciência Selvagem Me Trouxe Até Aqui”

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho visa traçar uma cartografia queer e lésbica da cidade cinematográfica, dos movimentos das personagens e dos afetos lésbicos coletivos no filme brasileiro “Uma Paciência Selvagem Me Trouxe Até Aqui” (2021) de Érica Sarmet através de uma análise da espacialidade construída e mise-en-scène no curta-metragem.

Resumo expandido

    Segundo Donna Haraway (1995), o conhecimento é um campo de forças. Ao propor uma crítica feminista da política-epistemologia, a autora reivindica a articulação do conceito conhecimento situado. Essa ideia é elaborada em como cada sujeito corporificado vivencia seus dados tempos e espaços, ao contrário da idealização que o conhecimento é codificado de maneira inocente, universal, estável, dicotômico e passivo. Dessa forma, a política do conhecimento evidencia a contínua (re)produção espacial advinda de cada sujeito social que é permeada por narrativas em constantes movimentos, construindo a si mesmo e o outro.
    Em “Uma paciência selvagem me trouxe até aqui”, filme produzido em 2021 de diretore Érica Sarmet, a motoqueira Vange é uma mulher solitária aos 50 anos que divide o apartamento com seu gato. Em uma noite, depois encontrar um grupo lésbico que se beijava na rua com bebidas nas mãos, ela decide segui-las até uma festa. Agora, com a parceria de Vange, elas se dirigem para a casa do grupo no amanhecer e durante esse encontro de gerações, compartilham suas ideias de amor, tesão e coragem. Através de monólogos e diálogos entre as personagens, o filme realiza um paralelo entre a cena lésbica de Niterói de 30 anos atrás com a presente e esboça o trajeto contínuo de (re)construção da cidade.
    Na configuração das grandes cidades ocidentais, o espaço urbano é caracterizado pelo prazer oriundo das segregações que renega a feminilidade e as sexualidades não-heteronormativas à intrusão e aos espaços invisibilizados, sujos e degradantes (PRECIADO, 2017). A relação socioespacial das personagens em “Uma paciência selvagem me trouxe até aqui” não as segregam ou as escondem em espaços de lógicas normativas, mas produzem e garantem zonas de segurança, prazer e afeto e conforto entre as multidões lésbicas.
    Nesse sentido, uma geografia é remontada por memórias e vivências de corpos dissidentes em constante movimento, desde de amores antigos que as constituíram, beijos triplos, orgias, até ida às festas e caronas em motos. Assim como, as gerações de lésbicas possuem suas histórias de vida fundadas em alianças-coalizões, o objetivo da cidade-outra não é se distanciar pelo ressentimento, mas de estar inserida na mobilidade e ambivalência, que atravessa as barreiras fronteiriças da heterossexualidade e se mantém aberta para a perambulação, futuras possibilidades e experimentos. A cidade sexualizada em “Uma paciência me trouxe até aqui” é um espaço não-normativo, uma heterotopia. Um filme que sapatoniza e queeriza a cidade.
    Pegando carona em suas viagens, as lésbicas que compõem o corpus fílmico se movimentam em paisagens psicossociais cartografáveis. Ao atravessar os fluxos da espacialidade construída na obra, proponho traçar uma cartografia lésbica e queer da cidade, dos afetos e das personagens em coletivo produzido no filme.
    O intuito de cartografar é menos de uma gênese ou definição em como a sexualidade lésbica opera, e mais de ser comovida pelas possibilidades, futuros e invenções “sem jamais deixar-se capturar por meus esquemas de pesquisa” (MOMBAÇA, Jota, 2016 p. 2). Logo, a tarefa da cartógrafa não é topográfica, mas necessariamente política (ROLNIK, 1987).
    Conforme ainda Paul Preciado (2017), a materialidade da arquitetura, as ruas e o espaço são produtores e produtos das normas sexuais e de gênero, das normalidades e seus desvios. A partir desse ponto de vista, realizar este trabalho também é enfatizar a maneira como o discurso e o espaço constroem o sujeito, em vez de construir um arquivo de discursos, representações e espaços produzidos pelas subculturas sexuais. Para mapear este percurso, não pretendo explorar as imagens enquanto um mero objeto de análise, mas adotar uma postura metodológica que se esboça no encontro corpo a corpo, de fricção, na atividade de espectatorialidade e mobilizações de pensamentos com o cinema.

Bibliografia

    HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. In: Cadernos pagu, n. 5, p. 7-41, 1995.
    MOMBAÇA, Jota. Rastros de uma submetodologia indisciplinada. Revista Concinnitas, v. 1, n. 28, p. 334-354, 2016.
    PRECIADO, Paul. Manifesto Contrassexual: práticas de subversão da identidade. São Paulo: n-1 edições, 2017.
    _______________. “Cartografias queer: o flâneur perverso, a lésbica topofóbica e a puta multicartográfica, ou como fazer uma cartografia ‘zorra’ com Annie Sprinkle”. In: Revista Performatu: Inhumas, ano, v. 5, n. 17, p. 01-32, 2017.
    _______________. “Multidões queer: notas para uma política dos ‘anormais’”. In: Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 19(1): 312, janeiro-abril, 2011.
    ROLNIK, Suely. “Cartografia ou de como pensar com o corpo vibrátil”. In: Núcleo de Estudos de Subjetividade da PUC. São Paulo, 1987.