Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Joanise Levy (Jô Levy) (UEG)

Minicurrículo

    Doutora em Estudos Artísticos – Estudos Fílmicos e da Imagem, Universidade de Coimbra, e doutora em Literatura pela Universidade de Brasília. Mestre em Educação e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás. Professora e pesquisadora no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás, onde coordena o projeto de extensão Trama – Narrativas Audiovisuais e Criação de Roteiros. É roteirista e membro da Screenwriting Research Network.

Ficha do Trabalho

Título

    O que Sartre pode nos ensinar sobre criação de personagens

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Este estudo objetiva fazer o cotejo de princípios do existencialismo e certa concepção de personagem ficcional. O texto O existencialismo é um humanismo, escrito pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, é colocado em diálogo com obras bibliográficos adotados na formação de roteiristas. Tal estratégia se orienta na perspectiva de investigar referenciais teóricos não exclusivos dos estudos de roteiro, no intuito de identificar contribuições conceituais e metodológicas convergentes.

Resumo expandido

    Neste estudo objetivamos fazer o cotejo de alguns princípios do existencialismo com certa concepção de personagem ficcional depreendida de obras adotadas na formação de roteiristas. O texto O existencialismo é um humanismo é uma espécie de desagravo do filósofo francês Jean-Paul Sartre frente às críticas direcionadas à corrente filosófica existencialista que se projetou no século XX. No livro, que é a transcrição de uma palestra proferida por Sartre em 1945, o autor discorre sobre a liberdade como condição da existência humana. O paradoxo da frase “todo homem está condenado a ser livre” (SARTRE, 2012) é bem representativo da radicalidade que o existencialismo assume na defesa da liberdade e autonomia que o indivíduo tem, a despeito das contingências do mundo social. Por princípio, considera-se que a existência precede a essência. Isso significa que as pessoas se autodeterminam conforme as escolhas que fazem. É nesse ponto que as concepções filosóficas existencialistas podem nos ajudar a refletir sobre a criação de personagens ficcionais.

    Considera-se que os personagens são aqueles que fazem escolhas (FIELD, 2001; MCKEE, 2010; COWGILL, 1997), as escolhas movem as ações e essas fazem as histórias avançarem. Na condição de agenciador das ações, o protagonista é o catalisador do sistema de causalidade do enredo. Podemos entender que para toda ação haverá uma reação, de tal maneira que são as escolhas dos personagens e seus possíveis desdobramentos que fomentam a narrativa.

    A reflexão filosófica sartriana sobre o ato de escolher estabelece duas balizas importantes. A primeira é que sempre somos instados a escolher, inclusive quando nos abstemos, e a segunda é que as escolhas definem quem somos. Essas escolhas que nos constituem são muitas vezes dilemáticas e feitas sob a pressão das circunstâncias. Algo que encontramos ressonância em McKee (2010, p.351), quando ele observa que “como a pessoa escolhe agir sob pressão, é quem ela é”.

    A ideia de que não há uma essência que precede a existência, pois o homem nada mais é que o conjunto de seus atos (SARTRE, 2012), faz sentido ao se pensar no personagem corporificado no filme, cuja demarcação da existência está circunscrita ao enquadramento da tela, ao mundo tangível captado pelos equipamentos de imagem e som, à concretude imagética da palavra do roteiro. A personagem, portanto, numa visão existencialista, é o que ela faz em cena. Isso torna o ato da escrita do roteiro uma proposição de ações que precisam ser capazes dar a vida à personagem.

    Por isso, quando Sartre propõe que a realidade só existe na ação e que o homem nada mais é que o conjunto de seus atos, parece que estamos diante de uma argumentação em favor da relação indissociável entre plot e personagem. Trazendo a discussão filosófica para o âmbito da escrita de roteiros, isso significa superar a dicotomia plot driven e character driven (EGRI, 1960; CHAMBERLAIN, 2016) e pensar as narrativas como acontecimentos tramados sob certos contextos e circunstâncias capazes de promover as transformações internas dos personagens. Essa perspectiva conduz à criação de personagens mais consistentes, conforme analisa Brasil (2019) no âmbito da escrita literária. Ele avalia que é preciso que entre história e personagem haja “uma tal simbiose que faça pensar que ambos nasceram juntos e por si mesmos”. (BRASIL, 2019, p.40-41).

    Num contexto em que as práticas da escrita audiovisual são pouco investigadas na academia e mais incipientes ainda são as pesquisas voltadas para o ensino de roteiro, consideramos necessária a revisão das obras que compõem a bibliografia básica de parte considerável dos cursos de graduação em Cinema e Audiovisual no Brasil (LEVY, 2021), tanto no intuito de identificar possíveis contribuições metodológicas, quanto na perspectiva de colocá-las em diálogo com referenciais teóricos não exclusivos dos estudos de roteiro.

Bibliografia

    BRASIL, Luiz Antonio de Assis. Escrever ficção: Um manual de criação literária. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
    CHAMBERLAIN, Jill. The Nutshell Technique: Crack the Secret of Successful Screenwriting. Austin (EUA): University of Texas Press, 2016.
    COWGILL, Linda J. Writing short films: Structure and Content for Screenwriters. Los Angeles: Lone Eagle, 1997.
    EGRI, Lajos. The art of dramatic writing. New York: Simon & Schuster, 1960.
    FIELD, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
    LEVY, Joanise. O Ensino de Roteiro na Graduação em Cinema e Audiovisual. Revista GEMInIS, v. 12, n. 2, pp. 209-226, mai./ago. 2021.
    MCKEE, Robert. Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiros Chico Marés (Trad.). Curitiba: Arte & Letra, 2010.
    SARTRE, Jean-Paul. O existencialismoé um humanismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.