Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Silvia Okumura Hayashi (FAAP)

Minicurrículo

    Montadora e docente do curso de Cinema da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Doutora em Meios e Processos Audiovisuais (ECA/USP). Mestre em Ciências da Comunicação (ECA/USP). Pesquisadora do LAICA (Laboratório de Investigação e Crítica Audiovisual da USP). Foi bolsista da CAPES e pesquisadora visitante na York University (Toronto, Canadá). Foi professora temporária da disciplina de montagem do Curso Superior do Audiovisual da ECA-USP.

Ficha do Trabalho

Título

    Quebrando Mitos: montando um documentário político em primeira pessoa

Mesa

    Montagem e experiências de inclusão e colaboração

Formato

    Presencial

Resumo

    O trabalho aqui proposto é uma reflexão sobre a montagem do documentário Quebrando Mitos, um filme sobre Jair Bolsonaro, dirigido por Fernando Grostein Andrade e Fernando Siqueira. Fui uma das montadoras desse filme, lançado no YouTube às vésperas das eleições presidenciais de 2022. A montagem do filme foi atravessada por questões que podem ser examinadas a partir dos fundamentos do documentário, da experiência da montagem como processo de colaboração, da tecnologia digital e do design thinking.

Resumo expandido

    Uma equipe espalhada em três zonas horárias diferentes. Cinco ou mais ilhas de edição. Mais de vinte terabytes de proxies de vídeo. Montagem, pesquisa, produção, roteiro e gravação acontecendo simultaneamente. Em torno disso, uma pergunta: qual filme estamos fazendo, ou seria outro o formato? Os fundamentos do design thinking contemporâneo abordam o design não como uma maneira de se produzir um objeto mas como uma forma de se desenhar um processo no qual muitas vezes não se conhece o resultado final (DORST, 2015). Essa definição é consonante com todo o processo de realização de Quebrando Mitos. O projeto inicial, com um título provisório, era o da produção de uma série de tv sobre Jair Bolsonaro e seus aliados, as bancadas do boi, da bíblia e da bala. Após a realização de um episódio piloto, o projeto muda de formato. O piloto, que apresentava ao espectador o surgimento de Jair Bolsonaro no cenário político brasileiro e o início da sua presidência, era desolador. Ao contrário do que acontece com séries de tv,no qual cada episódio leva a uma vontade irresistível de se assistir um próximo episódio, o piloto era arrasador. O que ele apresentava de tal maneira desolador que se chegou à conclusão de que ninguém assistiria um próximo episódio. Toma-se então o caminho do longa-metragem.
    Uma outra questão acompanhou todo o processo de realização: como fazer um filme que narra eventos de conhecimento geral, noticiados e comentados pela mídia e propagados por redes sociais? Como construir um documentário que de certa maneira complete com a realidade (VAUGHAN, 1999)? Como esse filme se coloca nesse cenário de enfrentamento dos acontecimentos para construir uma narrativa fílmica (MOURÃO, LABAKI, 2005)? Quais são as imagens que podem construir essa narrativa, num universo no qual a produção de mídias audiovisuais e comentários sobre acontecimentos que o filme buscava retratar se acumulava de forma massiva, um big data em constante expansão (MANOVICH, 2020)?
    A esses enfrentamentos se somavam as complexidades tecnológicas de um projeto realizado por uma equipe composta por membros que habitavam cinco cidades diferentes e que, no contexto da pandemia mundial do Covid-19, trabalhou quase exclusivamente de maneira remota. A ilha de edição, essa descrição do equipamento onde os filmes são montados remete a um ambiente isolado, um território à parte. No contexto de realização do filme, as interfaces tecnológicas digitais (GALLOWAY, 2004) pulverizadas geograficamente e unidas em torno de um único projeto (ZIMMERMAN, 2018) se fizeram tão presentes quanto as questões narrativas.
    O filme lançado no YouTube em setembro de 2022 trouxe como resposta a esse conjunto massivo de questões uma somatória de modos do documentário (NICHOLS, 2017).
    O título finalmente escolhido para o filme cria uma relação entre Quebrando Mitos e Quebrando o Tabu (2011), um outro documentário dirigido por Fernando Grostein Andrade que deu origem a uma plataforma colaborativa multimídia de mesmo nome (MAZINI, 2015) dedicada ao debate de temas controversos e à inclusão social. A narração em primeira pessoa, na voz (ALVAREZ, 2005) e na presença em tela do próprio diretor nos conduz por reminiscências dos anos da carreira e da presidência de Jair Bolsonaro. A voz de um homem gay que reflete sobre a própria exclusão e coerção no contexto da masculinidade frágil e catastrófica do agora ex-presidente, numa expressão cunhada pelo próprio filme. Documentários narrados em primeira pessoa por seus realizadores foram produzidos de numerosamente no cinema brasileiro recente. O caminho escolhido pelo filme foi influenciado e ressoa com o dessa produção (BLOOM, 2002). O filme lançado em setembro de 2022, com o propósito ativista de impactar de alguma maneira o pleito, foi retirado do YouTube após três meses e mais de um milhão de visualizações. A próxima versão do filme será lançada em breve, incorporando a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições.

Bibliografia

    ALVAREZ, A. The Writer’s Voice. New York, Bloomsbury, 2005.
    BLOOM, H. A angústia da influência: uma teoria da poesia. Imago, Rio de Janeiro, 2002.
    DORST, K. Frame Innovation: Create New Design by Thinking. Cambridge, The MIT Press, 2015.
    GALLOWAY, A. Protocol: How Control Exists After Decentralization. Cambridge, The MIT Press, 2004.
    MANOVICH, L. Cultural Analytics. Cambridge, The MIT Press, 2020.
    MAZINI, E. Design, When Everybody Design: An Introduction to Design for Social Innovation. Cambridge, The MIT Press, 2015.
    MOURÃO, M.D. e LABAKI, A. O Cinema do real. Cosac Naify, São Paulo, 2005.
    NICHOLS, B. Introduction to Documentary. Bloomington, Indiana University Press, 2017.
    VAUGHAN, D. For Documentary: Twelve Essays. Berkeley, University of California Press, 1999.
    WARK, M. A Hacker Manifesto. Cambridge, Harvard University Press, 2009.
    ZIMMERMAN, P. Thinking Through Digital Media: Transnational Environments and Locative Places. New York, Palgrave McMilliam, 2018.