Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Julie de Oliveira (Sem Vínculo)

Minicurrículo

    Possui graduação em Engenharia Elétrica pela UFSM, Cinema pela UFSC e é mestre em Ciências da Linguagem na linha de Linguagem e Cultura pelo PPGCL da Unisul. Faz parte do Queererrâncias, grupo de Estudos Feministas e Queer.

Ficha do Trabalho

Título

    O nomadismo da experiência bissexual em Les Rendez-Vous D’Anna

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho discute o processo de nomadismo na experiência bissexual da personagem Anna Silver no filme Les Rendez-Vous D’Anna, de Chantal Akerman. Pensamos a bissexualidade enquanto experiência fluida, em lugar de a entendermos apenas como uma identidade fixa: é sim o estado daquele cujo desejo transita entre gêneros diversos, ou à sua revelia.

Resumo expandido

    O filme Les Rendez-Vous D’Anna é como um road movie em que não acontece a habitual jornada de descobrimento e amadurecimento da personagem. Anna, a personagem principal, está em uma turnê pela Europa para promover seu novo filme. Acompanhamos Anna entrando e saindo de hotéis e embarcando e desembarcando de trens ao longo da sua viagem entre Essen e Paris, onde mantém residência. Chamaremos esses de espaços de passagem, e veremos que até mesmo a casa da personagem é vista como um desses lugares, uma vez que lembra um quarto de hotel – não há itens pessoais como quadros, fotografias, plantas, comida na geladeira ou quaisquer sinais de que alguém vive ali.
    A viagem de Anna é, todavia, antes em intensidade do que em deslocamento espacial. Ou seja, Anna é uma nômade não apenas em razão de resistir acomodar-se em um único lugar no espaço, mas sim em função dos agenciamentos que se desdobram a partir de seus encontros com estranhos e conhecidos ao longo do trajeto. A personagem nega imagens fechadas do ser mulher – como as imagens da esposa heterossexual cuja função é ser a cuidadora de um homem – abrindo-se para a diferença. Ela está em constante processo de desterritorialização e reterritorialização – levemos em consideração o que dizem Deleuze e Guattari, segundo os quais “o nômade pode ser chamado de o desterritorializado por excelência […] [uma vez que] ele se reterritorializa na própria desterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 2019, p. 56). Dito de outra forma, a personagem está em um constante processo de despertencimento que se conjuga sobre si mesmo, reinventando-se de novo e de novo enquanto ignora as convenções de um sistema hétero-cis-patriarcal que tenta impor um modelo de mulher.
    Em um dos encontros, o homem com quem subiu para o quarto, Heinrich, tão logo entra no recinto coloca-se diante da janela e fecha a cortina, um primeiro indício de que ele não se abre à diferença. Ele tenta atraí-la para esse território de imagens fechadas, todavia, não obtém sucesso, pois não há qualquer coisa nesse espaço que a seduza: sua resposta à tentativa de aproximação de Heinrich na cena seguinte é dar-lhe as costas e encaminhar-se à estação. Anna prefere continuar dando vazão à fluidez do desejo. Heinrich é o que Rolnik chamaria de viciado em identidade. Ao descrever o engessamento da relação fora e dentro no processo de subjetivação do viciado, diz a autora, “a densidade desta pele é ilusória e efêmero é o perfil que ela envolve e delineia” (ROLNIK, 1997, p. 1), ou seja, em seu curso natural o processo de subjetivação não resulta em um ser fechado, mas em um somatório de forças que estão sempre a concorrer pela figura de uma nova individuação. A partir disso, e tomando a bissexualidade em seu caráter móvel – em sua fluidez -, torna-se possível defini-la antes como o estado daquele cujo desejo transita entre diferentes gêneros, do que como uma identidade fixa – alguém não apenas é bissexual mas sim está bissexual, ou seja, performa-se uma bissexualidade tal que ela se desenha ao sustentar ou atualizar seu estado anterior. Pensemos então em um processo de desterritorialização e reterritorialização intrincado no desejo bissexual, através dos entremeios por que flui.

Bibliografia

    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. vol. 3. São Paulo: Editora 34, 2019.
    __________. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. vol. 5. São Paulo: Editora 34, 2019.
    __________. O Anti-Édipo. São Paulo: Editora 34, 2010.
    LES Rendez-Vous D’Anna. Direção: Chantal Akerman. Paris: Helene Films, 1978. 1 vídeo (127 min). Disponível em:
    . Acesso em: 24 abril 2023.
    ROLNIK, Suely. Uma insólita viagem à subjetividade: Fronteiras com a Ética e a Cultura. In Cultura e Subjetividade: saberes nômades, p. 25 – 34. Campinas: Papirus, 1997.