Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Iakima Delamare (UFMG)

Minicurrículo

    Iakima Delamare é bolsista CNPq e mestranda em comunicação na UFMG onde pesquisa o cinema periférico insurgente sob orientação do Prof.Dr. André Brasil. Atua como curadora e produtora de diversas mostras e festivais de cinema como o Cinecipó, a Mostra LONA e a 1ª Mostra UFMG de Cinema Universitário, concebida pelo Coletivo Zanza, da qual é membro e co-fundadora. Produziu e integrou a equipe editorial das publicações Manifestos Para Um Cinema Popular; Cadernos Lona vol 1-3 e Revista Zanza vol 1.

Ficha do Trabalho

Título

    Driblar o olho da torre: a câmera nômade de Filme de rua (2017)

Formato

    Presencial

Resumo

    Partindo da produção coletiva Filme de rua (2017), feita por jovens cineastas em situação de rua, traço hipóteses sobre a correlação entre a migração compulsória desses corpos ameaçados pelo controle biopolítico e a produção de imagens de refúgio, que aspiram existir no contexto de extrema opressão subjetiva e imagética vivida por esses sujeitos, e em que a fixação de seus corpos em imagens – assim como em um território – é, em si, um risco.

Resumo expandido

    Filme de Rua (2017) antecipa em seu título sua intenção em tensionar as ideias de cinema e cidade. O filme, que se autointitula filme, marca, nessa redundância, seu caráter metalinguístico e propositivo de um outro pensamento cinematográfico. Ao mesmo tempo, suas imagens exibem algumas vivências cotidianas de jovens em situação de rua que percorrem o centro de BH experimentando um pouco do poder narrativo que uma câmera na mão proporciona e que, ao incorporar em si o movimento daqueles que o carregam, traduz na forma de imagens o caráter nômade e portanto transgressor desses jovens. Ao se afirmarem como um filme desde seu título, seus diretores confrontam as limitações impostas pelo cinema industrial-capitalista, reivindicam para si essa identidade e expandem o conceito de filme também para obras frutos de processos de produção insurgentes, desorganizando, assim, as forças na disputa estética e política pelos territórios. Ilustrando esse momento de retomada das imagens por seus próprios sujeitos, as primeiras cenas do filme são feitas através de uma câmera na mão que balança, transformando as imagens em confusos borrões. Ela se estabiliza por menos de um segundo, tempo suficiente para enquadrar seus personagens parados embaixo de um semáforo. Quando um deles se arrisca para atravessar em sua direção, sua imagem é atropelada pelos veículos que cruzam à frente do menino, até que ele chega à outra margem em segurança e segue rumo à câmera até sair de quadro. Ao abrir o filme com esse gesto de deslocar-se da frente para trás da câmera, FDR nos localiza quanto a relação entre quem está filmando e quem está sendo filmado. Há ali, uma incomum paridade entre as partes, até então distanciadas por um gigantesco abismo social. Mas apesar de inseridos na política imagética periférica, nossos diretores-protagonistas são também pessoas em situação de rua e trazem consigo e para o filme especificidades de suas vivências nesse território. O próprio termo “em situação de rua” já nos denuncia seu estado idealmente efêmero já que aquele que por qualquer motivo se vê nessa situação, são oprimidos por um projeto de destituição da sua condição de sujeito e de seus direitos mais básico e acabam sendo forçados a viver sob um regime de nomadismo compulsório. A estes indivíduos torna-se necessário o desenvolvimento de táticas ainda mais robustas de sobrevivência trazendo essa necessidade ao seu próprio caminhar, pois se um prisioneiro na torre panóptica deseja ser visto por seus pares, é preciso um jogo estratégico de se mostrar e se esconder para não ser visto também pelo vigia. Da mesma forma, a imagem em si é um risco, pois para cada FDR são milhares de telejornais sensacionalistas a vender a imagem do “menor”. É um jogo de cintura ilustrado pela garota que é seguida pelo segurança de uma loja e que ao se referir à cena imediatamente transforma sua narrativa para uma que lhe favorece: “tô me sentindo a Beyoncé sendo seguida desse jeito”, ela diz, ressignificando o vigia da torre. A cena em que um policial aborda os jovens sentado na praça nos mostra que esse constante caminhar vem do fato de que uma fixação em um espaço significa uma ameaça à sua integridade física. A andância da câmera se aproxima e se esquiva, em uma série de movimentos táticos, do olhar espectador do cinéfilo comum e ao mesmo tempo dos instrumentos panópticos de controle do espaço urbano. O movimento dos corpos que circulam pela cidade e pelas imagens é o movimento que dribla um lugar comum estético que até então se propunha a enquadrá-los visualmente utilizando da mesma narrativa de um enquadro policial. Mas podemos inferir aqui a possibilidade de um limiar, uma fenda no estado de controle, em que é possível habitá-lo sem a ele se submeter. As filmagens que vemos em FDR são um exemplo de alguns dos procedimentos que escapam à disciplina sem ficarem de fora do campo onde se exerce.

Bibliografia

    BENTES, Ivana. Sertões e favelas no cinema brasileiro: estética e cosmética da fome, 2007.

    BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. 2003.

    CASTELO BRANCO, Edwar. Táticas caminhantes: cinema marginal e flanâncias juvenis pela cidade, 2007.

    CERTEAU, de Michel. A Invenção do Cotidiano, 1998.

    MARQUES, ngela. O método da cena em Jacques Rancière: dissenso, desierarquização e desarranjo., 2022.

    RANCIÈRE, Jacques e JDEY, Adnen. O método da cena, 2021.

    RANCIÈRE, Jacques. O trabalho das imagens: conversações com Andrea Soto Calderón, 2022.

    ROCHA, Glauber, Estética da Fome. In: ROCHA, Glauber. (2004 [1965])

    SILVA, Kelly. A Distribuição dos espaços públicos em Belo Horizonte: uma análise sob a ótica do direito à cidade e do planejamento urbano, 2017