Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Maíra Moraes Mesquita (ECA-USP)

Minicurrículo

    Diretora de arte, graduada em cinema pela FAAP. Fez a direção de arte de diversos curtas-metragens, ficções e documentários. Assinou a arte dos longas Periscópio (Kiko Goiffman), Boi Neon, (Gabriel Mascaro), Corpo Elétrico (Marcelo Caetano), Propriedade (Daniel Bandeira), Levante (Lillah Halla), das séries Hit Parade e Notícias populares (Marcelo Caetano), entre outros. Passeou entre outras linguagens como teatro, dança, ambientação, além de desenvolver trabalhos autorais e pesquisa acadêmica

Ficha do Trabalho

Título

    Percurso em degradê: as escolhas cromáticas no processo criativo da DA

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Com base em relatos de processos criativos da direção de arte, e a partir das teorias do antropólogo inglês Tim Ingold, investigamos de que maneira a paleta de cores opera na formação das características cromáticas apresentadas no set, em embate e cooperação com outras contingências materiais que também alteram esse aspecto cromático. Interrogamos de que modo as cores de um filme emergem de seu processo criativo e se transformam em embate com suas matérias.

Resumo expandido

    O degradê é uma variação gradativa de cor: duas cores diferentes, lado a lado, borrando seus limites uma em direção à outra, de maneira progressiva. A palavra deriva do francês dégradé, que significa “degradado”, “rebaixado”. Embora o termo em português se refira apenas ao rebaixamento das cores, guarda algo de seu sentido original, na medida em que cada cor vai se degradando…

    Percurso em degradê, portanto, além de carregar um termo que indica certa cromaticidade, evoca o processo de algo que se deteriora, que se perde aos poucos. O que se pretende aqui revelar, numa série de gradações – ou degradações –, é como as paletas de cores da direção de arte de cinema nascem do processo criativo. Dito de outro modo, interroga-se: em que medida as cores que a direção de arte leva para o set de filmagem são fruto de um projeto cromático representado por essa paleta e em que medida outras contingências determinam tais cores? Ampliando-se o escopo, é possível pensar se os projetos criados numa produção audiovisual, incluindo o roteiro, contêm a forma do filme em sua totalidade?

    Para responder tais perguntas, trazemos o pensamento de Tim Ingold, antropólogo inglês que faz uma crítica feroz ao hilemorfismo, perspectiva que vê a construção do objeto determinado unicamente por um design (projeto) exterior a ele, idealizado e abstrato Ele debruça-se sobre a relação entre projeto e execução, convidando-nos, então, a pensar sobre o que são os materiais. E sugere que não se separe materiais e objetos em dois grupos categóricos onde os primeiros seriam “materialidade pura”, sem forma nem história, enquanto os segundos seriam provenientes de uma inscrição humana e decisiva em sua história. Ingold vê materiais e objetos com mesmo status, detentores de uma história, modificada pela ação humana ou não. Ele acredita que as matérias particpam da criação da forma do objeto, seja negativamente, impondo limitações, seja no positivo, sugerindo soluções. Ingold completa a equação ao afoimar que os técnicos envolvidos diretamente com a confecção não são meros executores do projeto, mas que seus gestos são um canal de comunicação com a matéria e de contínua re-atualização da forma.

    Para compreender de que maneira os pressupostos de Ingold agiriam no processo que determina as cores que a direção de arte leva para o set, analisamos os relatos de dez diretoras de arte em entrevistas, além de darmos também nossos relatos de processo. Na análise desse material, comparando processos que utilizam paletas de cor graficamente organizadas com processos que determinam suas cores sem esse recurso, percebemos uma enorme variadade na maneira como cada um aborda a cor em seus processos. Essas delimitações cromáticas, esse conjunto de decisões ligadas às cores, podem ser inscritas na forma de uma paleta de cores feita de quadradinhos coloridos ou pode se inscrever de outras maneiras, em muitíssimos outros suportes. Escolher apresentar as cores numa paleta organizada ou em outros estudos cromáticos é uma decisão que diz respeito apenas ao projeto, em sua fluidez e expressão de uma visão. Sabemos que, com ou sem paleta de cores, a diferença se dará no momento de conduzir a confecção dos sets e na relação entre as ordens do projeto e as ocorrências materiais.

    Compreendemos que a cor, como algo que não se escolhe abstrata e intelectualmente, e sim que emerge de um processo de embate com o material. Do contrário se trataria de uma visão hilemórfica das cores: um olhar fixo sobre a cor, que a separa das coisas, que a toma abstratamente como conceito cromático, ou seja, uma visão que separa cor e formato em duas instâncias, duas camadas da realidade. Compreendendo a cor como construtora das coisas, participante de suas materialidades, ela pode ser incluida no rol de forças materiais que participam do processo de crescimento dos filmes.

    Tal pesquisa foi desenvolvida em dissertação de mestrado homônima, pela ECA-USP.

Bibliografia

    BATCHELOR David. Chromophobia. London: Reaktion, 2000.
    ENIGMAS DA DIREÇÃO DE ARTE: Direção de Arte é Coisa de Mulher? In: SOCINE em Casa, 30 out. 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/568vhf9d. Acesso em: 18 mar. 2023.
    INGOLD, Tim. Making: anthropology, archaeology, art and architecture. London: Routledge, 2013.
    PASTOUREAU, Michel. Azul: história de uma cor. Trad. Anabela Carvalho Caldeira e José Alfaro. Lisboa: Orfeu Negro, 2016.
    PASTOUREAU, Michel. Preto: história de uma cor. Trad. José Alfaro. Lisboa: Orfeu Negro, 2014.
    100 De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT NBR 6023).
    SIMONDON, Gilbert. A individuação à luz das noções de forma e de informação. Trad. Luís Eduardo Ponciano Aragon e Guilherme Ivo. São Paulo: Editora 34, 2020a.
    SIMONDON, Gilbert. Do modo de existência dos objetos técnicos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b.
    WITTGENSTEIN, Ludwig. Anotações sobre as cores. Trad. Filipe Nogueira e Maria João Freitas. Lisboa: Edições 70,