Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Natália Marchiori da Silva (UFMG)

Minicurrículo

    Doutoranda na linha “Pragmáticas da Imagem” do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG. Mestra em Imagem e Som pela UFSCar e bacharel em Artes Visuais pela Belas Artes-SP. Pesquisa o cinema produzido por mulheres e as relações com políticas feministas, destacando o ambiente doméstico como elemento central para o debate.

Ficha do Trabalho

Título

    Da casa para rua: “Minha história é outra” e “Quebramar”

Mesa

    Políticas feministas e mulheres em cena: entre o público e o privado

Formato

    Presencial

Resumo

    Em alguns filmes brasileiros contemporâneos realizados por mulheres, percebe-se que o gesto cinematográfico das diretoras e as histórias pessoais retratadas estão tensionando as divisões entre o espaço doméstico e o público. Acredita-se que esta característica, em alguns casos, é construída por meio de cenas situadas em espaços entre o dentro e o fora, como a laje, a janela e a porta. Propomos analisar de que forma essas cenas operam em dois curtas-metragens: Minha história é outra e Quebramar.

Resumo expandido

    Partindo das observações da pesquisadora Daniela de Palma acerca da obra literária de Carolina Maria de Jesus, destaca-se a importância espacial da casa em sua escrita como um elemento importante para a elaboração e construção da história de vida das personagens (alter egos de Carolina) retratadas em seus livros. Palma chama atenção para o fato de que esse espaço, entendido por um “lugar do feminino”, é utilizado nos diários da escritora como símbolo de seu contexto de vida, de sua classe e raça, e de seus esforços em busca de transformação e emancipação. Tal característica, é notada de forma análoga em produções realizados por diretoras, situadas no espaço doméstico e que retratam personagens femininas. Filmes que utilizam imagens domésticas para problematizar as políticas que atravessam sistematicamente a vida das mulheres, afetando tanto suas experiências na esfera pública quanto na privada. Algo que demonstra a interdependência dessas esferas, assunto vastamente discutido e teorizado pelas pesquisadoras feministas, como Flávia Birolli (2014), ao denunciar que tal separação é um projeto de construção de hierarquias de poder serventes ao capitalismo, colonialismo e patriarcado.
    Assim como nos livros de Carolina, por exemplo “Quarto de Despejo” (2014), em algumas obras do cinema contemporâneo brasileiro, o espaço doméstico é utilizado por personagens mulheres como um elemento de resistência, de escrita e um lugar a ser imaginado e desejado (De Palma, 2017). No contexto dos livros de Carolina e dos curtas-metragens aqui utilizados como objetos, “Minha história é outra” (2019) de Mariana Campos e “Quebramar” (2019) de Cris Lyra, a casa está sempre colocada em relação à rua, aos espaços públicos, evidenciando os atravessamentos de violências e normas heteropatriarcais, que são combatidos nessas obras por ações transformadoras e subversivas vividas no doméstico, no ambiente íntimo. Em “Minha história é outra”, a casa localizada em uma favela do Rio de Janeiro está, discursiva e imageticamente, em relação à comunidade (ruas e outras casas), o que embaralha as divisões entre o dentro e fora, e sobretudo, a noção da casa como lugar da família nuclear. O mesmo ocorre em “Quebramar”, uma desestabilização dessa noção de privado e de família, por meio da casa almejada de férias, a casa de praia. Ali, as personagens, que não encontraram acolhimento no seio da família sanguínea, constroem um novo lar, de amizade e afeto, auxiliando a afirmação de suas subjetividades e corpos nos momentos públicos e sociais, por exemplo, na praia e na festa.
    Nos filmes citados, as casas não são representadas por cozinhas fechadas, por quartos que simbolizam abusos, pelo trabalho doméstico alienante e exaustivo, mas por um ambiente cheio de janelas, de portas, de quintal, que retiram a casa do isolamento, confinamento, e a colocam em relação à comunidade, à praia, aos ambientes sociais. As cenas na laje, no quintal, são lugares de encontro, de conversas importantes sobre a experiência de vida dessas mulheres, que em ambos os filmes abordam personagens lésbicas, de diferentes idades, discutindo abertamente os cruzamentos de opressões interseccionais (AKOTIRENE, 2018). Esses espaços são exibidos como lugares de segurança, conforme Patricia Hill Collins (2019), que fortalecem essas personagens tanto individualmente como coletivamente ao romper com as imagens de controle. Elas renunciam aos estereótipos de gênero e afirmam seus corpos, suas subjetividades, nesse espaço íntimo que se direciona para o externo, colocado em perspectiva por cenas localizadas em espaços limiares entre a casa e rua.

Bibliografia

    AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2018.
    BIROLI, Flávia Biroli. “O público e o privado”. In: BIROLI, F.; MIGUEL, L. Feminismo e Política. São Paulo: Boitempo, 2014.
    COLLINS, Patricia Hill. “O poder da autodefinição”. In: Pensamento Feminista Negro. São Paulo: Boitempo, 2019.
    JESUS, Carolina Maria, Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014.
    PALMA, D. “As casas de Carolina: espaços femininos de resistência, escrita e memória”. In Cadernos Pagu (UNICAMP), v. 51, p. 01-31, 2017.