Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Julia Gonçalves Declié Fagioli (UFJF)

Minicurrículo

    Pesquisadora, professora e curadora. Mestra e doutora pela UFMG. Atuou como professora substituta no curso de Comunicação Social da UFMG em 2012/2013 e novamente em 2019. Coordenou e o Dossiê: Documentário e Cinema de Arquivos da Revista Devires – Cinema e Humanidades. Realizou trabalhos de curadoria junto ao forumdoc.bh e ao FestCurtas BH. Atualmente realiza pesquisa de pós-doutorado no PPGCOM UFJF.

Ficha do Trabalho

Título

    A participação das mulheres no cinema militante

Mesa

    Políticas feministas e mulheres em cena: entre o público e o privado

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir de um recorte histórico e geográfico do cinema militante e engajado produzido nos anos 1960 e 1970, propomos analisar Quando as mulheres se revoltam (René Vautier, 1977). Nosso objetivo é compreender de que maneira o realizador registra o engajamento das mulheres, qual era sua realidade e o que reivindicavam. No caso dos homens operários, sua militância diz respeito às questões ligadas à fábrica e à rua, durante as manifestações e assembleias. Para as mulheres, o privado é político.

Resumo expandido

    Os movimentos estudantil e operário de maio de 1968 foram uma revolução cultural predominantemente masculina. No entanto, de acordo com o Instituto nacional de estatística francês, naquele momento, as mulheres já representavam quase 35% do total de trabalhadores no país. Importante ainda ressaltar, que a estatística não contempla o trabalho doméstico – que além de não ser remunerado, deixava (e deixa ainda hoje) muitas mulheres dependentes do sustento do cônjuge e, portanto, mais vulneráveis. Assim como foram significativos os acontecimentos de maio de 1968 na França, a produção cinematográfica francesa nesse período também se destacou; particularmente a produção coletiva, com preocupações tais como a relação entre os cineastas e os trabalhadores, os modos de produção e distribuição dos filmes, e, não menos importantes, as invenções estéticas. Tal período coincide, de certa forma, com a Segunda Onda do Feminismo na França, impulsionado pela escrita de “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir em 1949. Não à toa, já no início dos anos 1980, Carole Roussopoulos, junto a Delphine Seyrig e Ioana Wieder fundam o Centro Audiovisual Simone de Beauvoir, projeto que articulava arquivamento e produção audiovisual a respeito de mulheres (ROUSSOPULOS apud FLECKINGER, 2020).
    Interessa-nos, neste trabalho, analisar como as mulheres operárias participam desse cinema; mais especificamente, de que maneira René Vautier, em Quando as mulheres se revoltam (1977), registra o engajamento das mulheres nessa luta, qual era a sua realidade, bem como, quais eram as suas reinvindicações. O filme trata do julgamento de doze mulheres, esposas de operários de uma usina metalúrgica em Couëron – no oeste da França – acusadas de sequestro após ocuparem o escritório do diretor da usina durante a greve dos maridos. O filme foi realizado por Vautier a pedido das mulheres e ao lado delas, revelando o seu lugar como esposas e mães, porém, profundamente engajadas. Além disso, algumas delas são, também, operárias em outras fábricas. Se por um lado o filme corrobora o fato de que há, em algum momento, uma luta comum, que se mostra no engajamento dessas esposas, por outro, percebemos como, nessa equação – que envolve a maternidade, o casamento, o trabalho e a luta operária – as mulheres são o elo mais fraco, uma vez que a solidariedade dos homens não se estende a elas da mesma maneira.
    Foi realizado pelo coletivo Unité Production Cinéma Bretagne, criado por René Vautier no início dos anos 1970, com o objetivo de tratar – em ficções ou documentários – das lutas sociais. Nicole Brenez considera René Vautier um dos principais nomes do cinema de contrainformação, e isso se deve a uma atenção ao diálogo entre as imagens. De acordo com a historiadora, “as escolhas e os gestos de René Vautier supõem uma concepção inteiramente renovada do cinema. Em termos práticos, filmagem, concepção, montagem, distribuição, em temos estilísticos do documentário, ensaio ou ficção, cada gesto cinematográfico é pensado à luz dos ideais da coletividade. (BRENEZ, 2012, s/p.).
    Esse momento de contestação política será também o de uma invenção formal no âmbito do cinema, algo que está no centro das atenções da pesquisa de Nicole Brenez. Ou seja, o cinema militante não cumpre apenas uma função social, havendo também uma atenção à forma. Sobre a participação das mulheres, ressaltamos que o fazer cinema é indissociável da luta. Há, no caso das mulheres operárias, uma não separação entre o espaço público e o privado. No caso dos homens operários, sua militância diz respeito às questões ligadas à fábrica e à rua, durante as manifestações e assembleias. Para as mulheres, o privado é político.
    A partir daí é fundamental pensar a relação entre a luta de classes e a luta feminista, levando em consideração a politização das relações cotidianas – como as vidas são atravessadas pelas diferentes opressões e lutas? Onde as lutas se encontram e onde disputam espaço?

Bibliografia

    BRENEZ, Nicole. História das formas, 1960 – 2000. Recine, Revista do Festival Internacional de Cinema de Arquivo. Rio de Janeiro, Ano 3, nº 3, p. 36-57, dez 2006.
    ______. René Vautier: devoirs, droits et passion des images. La Furia Umana, n. 14, 2012. Disponível em: http://www.lafuriaumana.it. Acesso em: 13 de agosto de 2015.
    COSTA, Tatiana Carvalho; BRAZ, Layla. Cinema e negritude: restituições de territórios e invenções de pertencimentos. In: VALE, Glaura Cardoso. Catálogo Forumdoc.bh.2018. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2018.
    FLECKINGER, Hélène. Entrevista com Carole Roussopoulos: Uma revolução do olhar. Trad. Luís Flores. In: Ana Siqueira et al (Orgs.). FestCurtas Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2020.
    LEANDRO, Anita. O tremor das imagens: notas sobre o cinema militante. Devires, Belo Horizonte, V. 7, N. 2, p. 98-117, jul-dez 2010.
    VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político”: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 2, no 3, 1996.